Que o Brasil é um país surrealista disso ninguém tem dúvida. Em tudo, inclusive em preparação de um suposto golpe de estado, nossos estrategistas conseguem traçar o irreal por meio do absurdo, demonstrando falta de maturidade, competência, ausência de estratégia, de lógica e de conhecimento. Tudo começou quando a Policia Federal (PF) encontrou, na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, a minuta de um decreto que permitiria ao ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, instaurar um estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) visando reverter o resultado eleitoral expressado pelas urnas.
Tempos depois veio à tona outro suposto e absurdo plano de golpe de estado, dessa vez com propostas de assassinato do presidente da República, do seu vice e de um ministro do Supremo Tribunal Federal. As provas desse segundo plano foram reunidas num relatório da PF a partir de informações de operadoras de telefonia e de informações armazenadas no aparelho celular do tenente-coronel do Exército Mário Cid, antigo ajudante de ordens do capitão Bolsonaro, cuja gravação teria sido recuperada por meio de um software israelense. O resultado todo mundo sabe: prisão do general Braga Neto e de vários oficiais “Kids-Pretos”, tropa de elite do nosso glorioso Exército.
Um desse oficiais, o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, também preso, teve as visitas suspensas depois que sua irmã, Dhebora Bezerra de Azevedo, tentou entregar a ele um fone de ouvido, um cabo USB e um cartão de memória para celular, escondidos em um panetone, no final de dezembro do ano passado. Os Itens estavam em uma caixa de panetone lacrada, e foram descobertos quando a caixa foi submetida ao detector de metais.
Supondo que esse mal traçado plano seja verdadeiro, os detalhes nele contidos esbanjam banalidades, parecendo mais uma peça de um filme de comédia satírico ao estilo Os Trapalhões. Alguns dos acontecimentos reais que envolvem a operação parecem bizarros demais, até para os padrões brasileiros. Para começar, todos os envolvidos falavam abertamente em dar um golpe para assumir o poder, além de filmarem tudo, inclusive eles próprios, bem como gravarem os procedimentos e diálogos para a posteridade. Essa gravação teria sido encontrada na casa de Mauro Cid, que foi preso em maio de 2023 e assinou um acordo de delação premiada depois de ter mentido mais de onze vezes, segundo o advogado do general Braga Neto.
As provas são tão absurdas que mesmo um trapalhão não as guardaria para usá-las no futuro a seu favor ou negociar com a polícia caso fosse preso, como foi o caso do coronel Cid, que terminou sendo beneficiado por uma delação premiada. E o pior é que os golpistas não só teriam planejado o golpe como também adiantaram as provas para a Polícia Federal descobrir. O documento parece coisa de maluco, escrito, com todas as letras, que um “estado de sítio” seria instituído no Brasil. E o pior é que deixaram isso impresso na sala de Bolsonaro. A explicação dada pelo advogado do capitão foi que ele não gostava de ler no celular e pediu que fosse impresso por ter “problemas de visão”. Ele nega que Bolsonaro tivesse ciência do documento. As trapalhadas são tantas que o general Augusto Heleno, que foi ministro Chefe do Gabinete da Segurança Institucional de Bolsonaro, teria anotado tudo numa agenda. Pode?
Diante de tantas asneiras, as provas chegam a ser hilárias. Tem quem ache que existia um método nisso tudo, enquanto outros afirmam que foi coisa de gente sem o mínimo preparo, inclusive para a prática de crime. Seja como for, o lado trapalhão desse plano culminou com a descoberta do material, pela PF, escondido na caixa de panetone da irmã do coronel. Segundo CARRARA, para se saber se algo é crime é importante conhecer os seus elementos, ou sejam, os gerais e os especiais. Os gerais são aqueles que determinam as condições sem as quais o crime não se configura: o elemento subjetivo e o objetivo. No caso do golpe, é o elemento objetivo que nos interessa, que é aquele que compreende a ação ou omissão e o resultado, uma vez que sem eles não há crime. Como não houve nenhuma ação, o atrapalhado golpe, se realmente existiu, ficou no papel e no celular de Mauro Cid, agora agravado com os materiais descobertos na Operação Especial Panetone.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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