A quem pertence o Canal do Panamá? | Por Luiz Holanda

Com uma extensão de 82km, o Canal do Panamá é uma via artificial construída no istmo do Panamá e responsável pela conexão entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Representando uma das mais importantes rotas marítimas para o comércio internacional, foi inaugurado em 1914, possuindo, atualmente, um trânsito anual de mais de 14 mil embarcações oriundas de 170 países. Após as eleições americanas, o presidente eleito, Donald Trump, resolveu aumentar o território dos Estados Unidos retomando o Canal do Panamá e anexando a Groelândia e o Canadá, sendo que, este último, até recentemente, era um importante aliado da América.

Tão logo assumiu o poder, Trump ameaçou retomar o controle do Canal do Panamá inclusive pela força, alegando, entre outras justificativas, que o Panamá não cumpriu com o prometido quando Carter lhe transferiu a propriedade. Nas palavras de Trump, “Fomos tratados muito mal por esse presente tolo, que nunca deveria ter sido dado, e a promessa do Panamá para nós foi quebrada. O propósito do nosso acordo e o espírito do nosso tratado foram totalmente violados”. O problema é que os fatos demonstram o contrário. Em primeiro lugar, a transferência da propriedade do canal não foi um “presente”, como alega Trump, para o Panamá, pois se deu após longas negociações que terminaram pela assinatura dos “tratados Torrijos-Carter”, assinados entre os Estados Unidos e o Panamá em setembro de 1977.

Segundo o artigo 2º, parágrafo 2º do Tratado do Canal, o controle americano expiraria em 31 de dezembro de 1999. O outro pacto, conhecido como Tratado da Neutralidade, estipula, no Artigo 5º, que “após o término do Tratado do Canal do Panamá, apenas a República do Panamá deverá operar o Canal e manter forças militares, instalações de defesa e militares dentro de seu território nacional”. Assim, o Panamá se tornou o proprietário e o administrador do canal desde 31 de dezembro de 1999, sem qualquer contestação, pelo menos até agora. A alegação de Trump de que a China administra atualmente o canal também não tem fundamento.

Depois dos EUA, a China é o segundo cliente do canal, e está profundamente envolvido em projetos de construção no país centro-americano. Ainda assim, não há indícios de qualquer controle chinês sobre o canal. O que existe é uma operação, pela subsidiária da empresa CK Hutchison Holdings, sediada em Hong Kong, de dois portos do canal, mas é o Panamá quem toma a decisão sobre quem pode ou não passar pelo canal e quanto é cobrado pela passagem. O Panamá, mesmo depois do tratado Carter/Torrijos, teve de esperar 10 anos para ter o controle total do canal, até que, sob o governo de Richard Nixon, fosse assinado, na Cidade do Panamá, a declaração conjunta entre o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger e o chanceler panamenho, Juan Antonio Tack, tornando o Panamá o proprietário final do canal. A partir daí a soberania sobre a Zona do Canal passou a ser panamenha.

Com telões em vários pontos da cidade e um relógio em contagem regressiva, os panamenhos acompanharam ao vivo a devolução definitiva ao Panamá da via interoceânica. A presidente do país, na época, Mireya Moscoso, hasteou a bandeira panamenha no Edifício da Administração do Canal, bradando: “Panamá, o canal é dos Panamenhos”, e que “O Panamá finalmente alcança a plenitude de um Estado soberano”.

Tomar o canal pela força como ameaçou Trump seria um desastre para os Estados Unidos. Além disso, não fica claro sob qual autoridade Trump poderia ordenar que as tropas americanas tomassem o Canal., pois, normalmente, seria necessária uma resolução do Congresso dos EUA para o uso dessa força, como está em vigor desde os ataques de 11 de setembro, que autorizou o uso da força contra grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Qualquer tomada militar do Canal também seria bastante prejudicial ao comércio global, já que cerca de 6% do comércio de todo o mundo passa pelo canal.

Se Trump retomar a propriedade do canal pela força, a região pode criar novos grupos tipo Houthis para impedir a navegação pelo canal, como está acontecendo, neste momento, no Mar Vermelho, onde esse grupo de guerrilheiros impede, com drones e misseis,  que navios trafeguem livremente pela região.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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