E assim falou Lewandowski | Por Luiz Holanda

Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública.
Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública.

O Ministério da Justiça, ao tentar explicar a desastrosa frase do ministro Ricardo Lewandowski de que “a Justiça é obrigada a soltar o preso porque a polícia prende mal”, o fez de tal maneira que a emenda saiu pior que o soneto, pois essa infeliz frase jamais foi dita dentro de um contexto um pouco diferente. Pelo contrário, não satisfeito o ministro acrescentou que o Judiciário é obrigado a soltar detentos que tiveram suas prisões conduzidas de forma errada pela polícia, e que “a polícia tem que prender melhor”. Não contente com isso, o ministro afirmou que essa história de que o judiciário solta o preso “É um jargão que foi adotado pela população, que a polícia prende e o Judiciário solta. Eu vou dizer o seguinte: a polícia prende mal, e o Judiciário é obrigado a soltar”.

O ministro esqueceu que, no Brasil, ninguém fica preso por muito tempo, e que a certeza da impunidade é tanta que os criminosos, principalmente os do crime organizado e os corruptos, quando querem propor ou aprovar uma lei substancialmente boa para eles buscam etiqueta-la de forma bonita, como aconteceu com a chamada “lei de abuso de autoridade”, em 2019, que criminalizou a interpretação do direito e amarrou os agentes públicos que ousavam enfrentar a macro criminalidade. Agora, a soltura do preso cabe ao “juiz de garantias”, que entra em ação funcionando como uma espécie de quinta instância, aumentando consideravelmente a impunidade. O cenário tende a ser pior no caso dos crimes do colarinho branco, pois as investigações são bem mais difíceis, complexas e, em alguns casos, ameaçadoras. E é justamente na audiência de custódia que começa a impunidade.

Realmente, o juiz de garantias intensificou ainda mais a demora dos processos por várias razões, sendo que a maior delas foi dada pelo próprio CNJ ao afirmar que um terço dos municípios têm apenas uma vara, e quase um quinto dessas varas trabalha com apenas um magistrado. A maioria só tem um juiz, geralmente distante, além das dificuldades de a Justiça acompanhar a informatização plena dos processos. Não é sem razão, pois, que a maioria dos juristas afirma que a criação do juiz de garantias aumentou as chances da impunidade, que não deixa de ser um modo pelo qual nosso sistema judiciário proporciona prodigamente o direito de matar e roubar impunimente. Portanto, o juiz de garantias amplia a morosidade e a impunidade, isso num sistema em que apenas 3% dos casos comprovados de corrupção são punidos, segundo pesquisas. Estão fora da conta os casos da chamada “cifra negra” da corrupção.

Voltando a Lewandowski, é sempre bom lembrar que o ministro não é muito sóbrio com as palavras. No processo do mensalão, em conversa telefônica com um amigo de nome “Marcelo”, o ministro, que na época integrava o STF, foi flagrado reclamando de suposta interferência da imprensa no resultado do julgamento, que terminou decidindo pela abertura de uma ação penal contra 40 acusados de envolvimento, entre os quais o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Segundo o ministro, “A imprensa acuou o Supremo”, e que “Todo mundo votou com a faca no pescoço”, pois a tendência era amaciar para o Dirceu”.

O telefonema, de cerca de dez minutos, foi inteiramente testemunhado por um jornalista do jornal Folha de São Paulo, que o divulgou. O fato aconteceu em um restaurante de Brasília. Apesar de ocupar uma mesa na parte interna do restaurante, o ministro preferiu falar ao celular caminhando pelo jardim externo, que fica na parte de trás do estabelecimento, onde existiam algumas mesas -entre elas a ocupada pela repórter da Folha-, que gravou tudo. A menção à imprensa se deve à divulgação, pelo jornal “O Globo”, do conteúdo de trocas de mensagens instantâneas através dos computadores de alguns dos ministros, entre os quais o do próprio Lewandowski e o da também ministra Cármen Lúcia.

Lewandowski, em sua decisão a favor de Dirceu, chegou a afirmar, segundo a imprensa, que Dirceu jamais foi amigo de Marcos Valério. Tal afirmação contraria o que foi dito pelo historiador Marco Antonio Villa em seu Livro a Década Perdida, que, à pag. 26, diz que Lula recebeu Marcos Valério em seu gabinete apresentado por Dirceu como o organizador financeiro do mensalão: “Presidente, este aqui é o Marcos Valério, um publicitário lá de Minas que está ajudando a gente naquele negócio das dívidas do PT”. Em outras palavras, Dirceu conhecia muito bem Marcos Valério, o homem do mensalão. Mas o ministro pode ficar tranquilo, pois vivemos num circo onde tudo é trapalhada. E nós assistindo, pacificamente.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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