A recente abordagem do governo dos Estados Unidos em relação à política internacional pode acelerar a proliferação nuclear, desta vez entre antigos aliados da potência americana. É o que argumenta Gideon Rose, membro Axel Springer da Academia Americana em Berlim e sênior adjunto do Conselho de Relações Exteriores, em seu artigo intitulado “Prepare-se para a próxima era nuclear”, publicado no sábado (08/03/2025) na Foreign Affairs.
O impacto da política externa americana na segurança global
Rose destaca que, ao desmantelar elementos centrais da ordem internacional do pós-guerra, a administração Trump pode precipitar uma corrida armamentista nuclear entre países que até então confiavam na proteção dos Estados Unidos. Segundo o autor, a estabilidade do regime de não proliferação nuclear sempre esteve ligada à influência diplomática e militar dos EUA. A quebra desse paradigma pode levar diversos países a reconsiderar suas estratégias de defesa.
“Se a ordem liberal cair, o regime de não proliferação cairá com ela”, alerta Rose, enfatizando que antigos aliados dos EUA podem sentir a necessidade de desenvolver armas nucleares para assegurar sua própria soberania e segurança.
A história como prenúncio: de Gaulle e a dúvida sobre Washington
O autor traça um paralelo com o posicionamento do ex-presidente francês Charles de Gaulle, que, nos anos 1960, decidiu que a dissuasão estendida dos EUA não era confiável e optou por desenvolver o arsenal nuclear francês. O mesmo raciocínio, segundo Rose, pode ser adotado por vários países atualmente, especialmente diante da incerteza sobre o compromisso americano com a segurança global.
Esse ceticismo, segundo o autor, já influencia as estratégias de segurança de diversas nações europeias e asiáticas, levando à possibilidade de um realinhamento militar global.
O precedente ucraniano e as ameaças emergentes
A guerra na Ucrânia é citada como um exemplo claro do fracasso das garantias de segurança. A entrega do arsenal nuclear ucraniano em 1994, em troca de promessas de proteção dos Estados Unidos, Reino Unido e Rússia, acabou deixando Kiev vulnerável à invasão russa de 2014 e à guerra iniciada em 2022. Esse episódio serve como alerta para outras nações, que podem ver a dissuasão nuclear como a única forma eficaz de evitar uma agressão externa.
A preocupação se estende a outros países, como Taiwan, Coreia do Sul e Japão, que podem considerar programas nucleares próprios diante das ameaças regionais.
Uma nova onda de proliferação nuclear?
O artigo aponta que, caso a política externa dos EUA continue a se distanciar de seus aliados tradicionais, poderemos assistir à reabertura da corrida nuclear em diversos continentes. Alguns países que podem seguir esse caminho incluem:
- Coreia do Sul: com um vizinho nuclearizado e um histórico de ameaças, Seul pode reconsiderar sua política de não proliferação.
- Japão: com uma infraestrutura nuclear avançada, o país poderia converter rapidamente sua capacidade para fins militares.
- Austrália: apesar de sua história antinuclear, o país pode rever sua posição caso o cenário global se torne mais instável.
- Polônia e países do Báltico: considerando a crescente presença militar russa, esses países podem buscar a opção nuclear para sua defesa.
Futuro incerto
O artigo de Gideon Rose destaca que a erosão da ordem liberal pode desencadear uma série de crises que levariam à proliferação nuclear. A falta de um compromisso sólido dos EUA com seus aliados pode forçar países a buscarem soluções próprias para sua segurança nacional.
Se essa tendência continuar, o mundo pode enfrentar uma nova era nuclear, onde o equilíbrio global será redefinido pela capacidade atômica de cada nação.
*Título original: Get Ready for the Next Nuclear Age: How Trump Might Drive Proliferation.
Quem é Gideon Rose, editor, analista de política externa, acadêmico
Gideon Rose nasceu em 1963, nos Estados Unidos da América. Ele é um renomado especialista em política externa e relações internacionais. Ele obteve seu diploma de bacharel em Artes pela Universidade de Yale e posteriormente conquistou um doutorado em Ciência Política pela Universidade de Harvard. Durante seus estudos, Rose focou em questões de segurança internacional e política externa dos Estados Unidos, consolidando sua reputação como um dos principais pensadores no campo das relações internacionais.
Após concluir sua formação acadêmica, Rose trabalhou no Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos durante o governo de Bill Clinton, atuando como Diretor de Estudos para a América Latina e Sul da Ásia. Esse período lhe proporcionou experiência prática na formulação de políticas estratégicas, contribuindo para seu reconhecimento como analista de alto nível.
Carreira no “Foreign Affairs” e Influência Intelectual
Em 2000, Gideon Rose ingressou na prestigiada revista Foreign Affairs, publicação líder em política internacional e segurança global, vinculada ao Council on Foreign Relations (CFR). Ele atuou como editor-adjunto até 2010, quando assumiu o cargo de editor-chefe, posição que manteve até 2021. Sob sua liderança, a revista expandiu seu alcance e consolidou-se ainda mais como uma referência fundamental para formuladores de políticas, acadêmicos e diplomatas em todo o mundo.
Rose se destacou pela sua capacidade de reunir diferentes perspectivas e promover debates intelectualmente ricos sobre os desafios globais contemporâneos. Durante seu período como editor-chefe, supervisionou publicações que abordaram temas cruciais, como a ascensão da China, o impacto da globalização, os desafios da guerra ao terror e as novas dinâmicas da ordem mundial.
Publicações e Contribuições Intelectuais
Gideon Rose também é autor de obras influentes na área de política externa. Seu livro mais conhecido, “How Wars End: Why We Always Fight the Last Battle” (2010), analisa como os Estados Unidos historicamente conduzem guerras e, muitas vezes, falham ao planejar a transição do conflito para a paz. Ele argumenta que um dos principais problemas da política externa norte-americana reside na dificuldade de desenvolver estratégias de saída eficientes, o que resulta em prolongamentos desnecessários de conflitos e altos custos humanos e financeiros.
Além disso, Rose escreveu inúmeros artigos para o New York Times, The Washington Post, The Atlantic e outras publicações de destaque, sempre abordando questões de geopolítica, segurança internacional e política externa dos EUA.
Visão e Legado
Gideon Rose é amplamente reconhecido por sua abordagem pragmática e analítica das relações internacionais. Seu trabalho ajudou a moldar o debate sobre a política externa americana no século XXI, enfatizando a necessidade de planejamento estratégico realista e de uma diplomacia eficaz. Ele continua a ser uma voz respeitada em círculos acadêmicos, políticos e midiáticos, contribuindo ativamente para discussões sobre os desafios globais emergentes.
Mesmo após deixar o cargo de editor-chefe da Foreign Affairs, Rose mantém uma presença relevante no meio acadêmico e no debate público, participando de conferências, palestras e contribuindo regularmente com análises aprofundadas sobre os rumos da política internacional.
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