Na quinta-feira, 17/04/2025, a revista Foreign Affairs publicou o artigo “A Rússia que Putin fez: Moscou, o Ocidente e a coexistência sem ilusão”, assinado por Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center, com sede em Berlim. O texto oferece uma análise detalhada sobre os efeitos estruturais da guerra na Ucrânia sobre a Federação Russa, destacando a consolidação de um regime autoritário, a crescente dependência da China e a redefinição das relações com o Ocidente.
A guerra como eixo de reorganização estatal
Segundo Gabuev, “nenhum cessar-fogo pode reverter o grau em que Putin fez do confronto com o Ocidente o princípio organizador da vida russa”. A guerra, iniciada em fevereiro de 2022, resultou na institucionalização do antagonismo ao Ocidente e transformou as instituições do Estado, a economia e a cultura política.
O autor aponta que, desde o início do conflito, o Kremlin intensificou a repressão à dissidência, promoveu propaganda pró-guerra e ampliou os grupos sociais que se beneficiam materialmente do conflito. Dados oficiais citados indicam que 700 mil soldados russos estavam na linha de frente em 2024, com salários médios de US$ 2 mil, valor que ultrapassa o dobro da média nacional.
“A guerra tornou-se um veículo para a redistribuição de riqueza”, afirma Gabuev. “Seus principais beneficiários foram membros da comitiva de Putin, empresários aliados e profissionais que prosperam com a violação das sanções”.
A economia de guerra e o fim do contrato social anterior
Entre 2025 e 2027, cerca de 40% do orçamento russo será destinado à defesa e segurança, comprometendo outras áreas fundamentais como saúde e educação. Gabuev define esse cenário como a resolução de um “trilema impossível” enfrentado pelo Kremlin: financiar a guerra, manter o bem-estar da população e preservar a estabilidade macroeconômica.
Apesar da pressão externa, o PIB russo cresceu 3,6% em 2023 e 4,1% em 2024, impulsionado pelos gastos militares.
“Mesmo depois que as armas silenciarem na Ucrânia, a economia da Rússia permanecerá fortemente militarizada”, projeta o autor.
Repressão, propaganda e engenharia social
A repressão política assumiu caráter sistêmico. “O Kremlin criminalizou a crítica à guerra e aos militares russos”, escreve Gabuev. Dissidentes passaram a ser processados com base em leis de segurança nacional, enquanto opositores menos conhecidos foram classificados como “agentes estrangeiros”.
Desde setembro de 2022, escolas russas promovem aulas semanais de “patriotismo” com conteúdo pró-guerra. A censura cultural foi ampliada: músicos, escritores e intelectuais dissidentes foram perseguidos, exilados ou presos. “A burocracia russa tornou-se muito mais política”, afirma Gabuev, explicando que cargos em áreas ocupadas da Ucrânia funcionam como trampolins de carreira para servidores civis e membros dos serviços de segurança.
O aprofundamento da dependência da China
A guerra reposicionou a Rússia como um parceiro júnior da China, rompendo o antigo equilíbrio de interdependência. “Putin aceitou uma dependência muito mais profunda da China em troca do apoio de Pequim à guerra”, afirma o autor. A China passou a absorver 30% das exportações russas e a fornecer 40% das importações.
Pequim também oferece infraestrutura financeira baseada no yuan e componentes tecnológicos essenciais à continuidade da guerra. Em contrapartida, a Rússia fornece petróleo, gás e urânio, além de projetos militares e cooperação científica.
Segundo Gabuev, “Moscou aposta que fortalecer a China é uma estratégia para enfraquecer a primazia global dos EUA”.
O Ocidente e a ausência de estratégia coerente
Gabuev critica a inconsistência das potências ocidentais. Embora reconheça a firmeza com que EUA e Europa responderam à invasão, ele aponta que “autoridades ocidentais, às vezes involuntariamente, reforçaram as narrativas de Putin de que o Ocidente deseja destruir a Rússia”.
Cita como exemplo a declaração de Kaja Kallas, então primeira-ministra da Estônia, que afirmou não se preocupar com um eventual colapso russo.
“A máquina de propaganda do Kremlin circulou avidamente essa declaração”, observa.
Uma estratégia para o pós-Putin
Gabuev sustenta que o colapso imediato do regime de Putin é improvável. No entanto, com sua saída, surgirá uma nova conjuntura.
“Mesmo que os próximos líderes venham do círculo íntimo de Putin, terão mais flexibilidade e motivos para corrigir o curso”, avalia.
Como proposta, o autor defende que o Ocidente formule um modelo realista de coexistência, com foco em:
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Controle de armas e canais de comunicação diplomática;
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Restauração de algum grau de interdependência econômica gerida;
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Criação de um fundo internacional de reconstrução da Ucrânia com recursos vinculados ao comércio russo.
Gabuev conclui: “Uma guerra eterna entre a Rússia e o Ocidente não é inevitável”. Para ele, imaginar uma nova relação com Moscou, ainda que incerta, é “uma boa política para o presente e uma preparação para o futuro”.
Biografia de Alexander Gabuev
Alexander Gabuev é um especialista em política internacional com foco na Rússia, China e relações euroasiáticas. Atualmente, ocupa o cargo de diretor do Carnegie Russia Eurasia Center, sediado em Berlim, instituição vinculada à Carnegie Endowment for International Peace. Reconhecido por suas análises sobre geopolítica, segurança e política externa da Rússia, Gabuev tornou-se uma das principais vozes internacionais na avaliação do regime de Vladimir Putin, das dinâmicas de poder no pós-soviético e da crescente interdependência entre Moscou e Pequim.
Anteriormente, foi pesquisador sênior do Carnegie Moscow Center, onde liderou estudos sobre a estratégia russa em relação à Ásia e aos regimes autoritários aliados. É autor de artigos em veículos de prestígio como Foreign Affairs, The Economist, Financial Times e The New York Times, e frequentemente participa como analista convidado em conferências e fóruns diplomáticos na Europa, Estados Unidos e Ásia.
Fluente em russo, inglês e chinês, Gabuev também possui experiência no jornalismo, tendo atuado como editor do Kommersant, um dos principais jornais russos, onde cobriu política externa e defesa. Com formação em ciência política e relações internacionais, sua abordagem combina pesquisa empírica com ampla interlocução nos meios acadêmicos e institucionais.
*O artigo “The Russia That Putin Made: Moscow, the West, and Coexistence Without Illusion” (A Rússia que Putin fez: Moscou, o Ocidente e a coexistência sem ilusão), de autoria de Alexandre Gabuev), foi publicado na Foreign Affairs, em 17 de abril de 2025.
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