Áreas públicas desapropriadas e abandonadas em São Francisco do Conde são alvo de invasões 

Campus dos Malês da UNILAB, em São Francisco do Conde, permanece com obras inacabadas há quase uma década, refletindo o abandono de parte do terreno doado pelo município e a morosidade na execução do projeto educacional, apesar de recente aporte federal para sua retomada.
Campus dos Malês da UNILAB, em São Francisco do Conde, permanece com obras inacabadas há quase uma década, refletindo o abandono de parte do terreno doado pelo município e a morosidade na execução do projeto educacional, apesar de recente aporte federal para sua retomada.

São Francisco do Conde, na Bahia, enfrenta problemas com terrenos públicos desapropriados para projetos institucionais que não se concretizaram, resultando em áreas abandonadas e até sujeitas a invasões. Entre os casos identificados estão o campus da UNILAB, que recebeu doação de terreno municipal mas permanece parcialmente inativo, e o terreno destinado a um terminal rodoviário, até hoje sem obra concluída. Autoridades e moradores apontam negligência da gestão municipal nesses episódios, levantando discussões sobre a necessidade de intervenção de órgãos federais para resolver o impasse. A seguir, detalhamos cada situação com base em documentos oficiais e relatos.

Campus da UNILAB: Terreno Doado e Obras Inacabadas

Em 2013, São Francisco do Conde foi escolhida para sediar parte da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). A prefeitura municipal desapropriou e doou um terreno para implantar o chamado Campus dos Malês, visando a construção de instalações universitárias​. As atividades acadêmicas iniciaram provisoriamente em prédios existentes, mas a expansão planejada do campus enfrentou atrasos.

Em agosto de 2015 tiveram início as obras de dois novos blocos acadêmicos (com salas de aula, laboratórios, biblioteca e outros espaços), estimadas em R$ 14,6 milhões. A doação do terreno pelo município foi formalizada para viabilizar essa ampliação, dada a lotação do campus inicial – à época, a diretora Matilde Ribeiro destacava que o espaço já estava “apertado” e a expansão seria necessária inclusive para abrigar novos cursos, como o de Medicina​. No entanto, as obras não tiveram implantação efetiva no prazo esperado.

Em 2016, apenas 4% da construção havia sido executada​. Nos anos seguintes, o projeto ficou praticamente paralisado e sem conclusão, especialmente durante o período de restrição orçamentária federal. Segundo relato publicado em 2021, a expansão do Campus dos Malês sofreu “abandono de uma obra de dois blocos didáticos”, restando uma construção inacabada que dependia de “poucos milhões de reais” para ser concluída​. Esse abandono é atribuído em parte à falta de apoio do governo federal anterior, o que deixou a comunidade acadêmica local preocupada com o desperdício do investimento já realizado e com a deterioração das estruturas não finalizadas.

Em resposta à mobilização de docentes, estudantes e lideranças políticas baianas, o cenário começou a mudar em 2023. O Ministério da Educação do novo governo anunciou um aporte de R$ 10,5 milhões para retomar e finalizar as obras dos dois blocos acadêmicos no Campus dos Malês​.

Desse montante, R$ 5 milhões tiveram liberação imediata, com objetivo de “consolidar a implantação do Campus dos Malês” e permitir a abertura de novos cursos​. A medida representa uma espécie de intervenção federal positiva para resgatar o projeto: após quase uma década da doação do terreno, enfim há recursos assegurados para tirar do papel as instalações planejadas.

A expectativa, segundo o MEC, é que a conclusão dos prédios amplie significativamente as atividades de ensino, pesquisa e extensão da UNILAB na Bahia​. Enquanto isso, até a finalização das obras, parte do terreno do campus permanece ociosa, com estruturas de concreto expostas, evidenciando o atraso e a negligência que marcaram a iniciativa até aqui.

Terreno da Rodoviária Municipal: Projeto Não Implementado

Outro empreendimento institucional frustrado em São Francisco do Conde diz respeito à construção de um novo terminal rodoviário municipal. Nos anos 2010, a prefeitura também desapropriou área pública destinada a abrigar uma rodoviária moderna, fora do centro urbano, integrada ao “portal de entrada da cidade” conforme previsto no Plano Diretor Municipal​. A intenção era transferir a atual rodoviária (pequena e situada em área central) para um local mais amplo e seguro, melhorando a mobilidade regional. Documentos do planejamento urbano de 2017 registram explicitamente a “implantação de [uma] nova rodoviária de São Francisco do Conde” como diretriz, indicando inclusive o local preferencial para o equipamento​. Contudo, até hoje esse projeto não saiu do papel.

Em setembro de 2017, vereadores discutiram em sessão a situação precária do terminal rodoviário existente, clamando por mudanças urgentes. Consta em ata que “o terminal rodoviário de São Francisco do Conde precisa urgentemente ser reavaliado”, pois a comunidade reclamava das “instalações precárias” e da localização inadequada, que oferecia pouco conforto e riscos pelo fluxo viário intenso​. Essa discussão indicava consenso sobre a necessidade de construir a nova rodoviária planejada. Apesar disso, nenhuma obra substancial foi iniciada no terreno designado. Passados mais de cinco anos desde a aprovação do Plano Diretor, a nova rodoviária permanece apenas no planejamento oficial, sem execução prática.

O terreno desapropriado pela Prefeitura para esse fim continua abandonado, sem edificações ou serviço público em funcionamento. Não há registros de inauguração, licitação concluída ou qualquer avanço concreto referente a esse projeto – evidência de paralisação administrativa. Enquanto isso, a população segue utilizando a antiga rodoviária, com estrutura deficiente e localização inconveniente, esperando pelas melhorias prometidas.

A situação de abandono do terreno da rodoviária levanta preocupações adicionais. Uma área pública desocupada por longo tempo tende a sofrer degradação e uso indevido. Moradores relatam que o local destinado ao terminal hoje é um lote vazio, sujeito ao crescimento de mato e acúmulo de lixo, e há risco de ocupações irregulares. Invasões por terceiros em propriedades municipais ociosas não são incomuns em cenários assim, embora até o momento não haja notícia confirmada de invasão estabelecida nesse terreno específico. Ainda assim, a falta de cercamento e de vigilância adequada torna a área vulnerável – um reflexo visível do desleixo na gestão do patrimônio público.

Ocupações Irregulares e Abandono dos Espaços

A consequência imediata dessas obras não realizadas é o abandono das áreas públicas e a possibilidade de ocupações irregulares. No caso do campus universitário, a obra inacabada ficou exposta durante anos. Estruturas de concreto e instalações iniciadas permaneceram ao relento, exigindo manutenção e segurança para evitar depredação. Mesmo sendo propriedade da União (via UNILAB), a área dentro do município poderia ter sido alvo de vandalismo ou invasões, caso não houvesse vigilância. A comunidade acadêmica dos Malês, ciente disso, manteve a cobrança por soluções para que o campus não virasse um “elefante branco”. De fato, a imprensa local chegou a frisar que a expansão do campus estava abandonada, precisando de recursos para ser finalizada​– um alerta tanto para o governo federal quanto para o municipal sobre o desperdício de um espaço público educacional.

no terreno previsto para a nova rodoviária, a falta de uso efetivo cria um cenário propício a ocupações informais. Embora oficialmente sob posse da Prefeitura, a área desocupada poderia ser ocupada por moradias improvisadas ou comércio informal sem autorização. Em muitos municípios, terrenos baldios acabam servindo de estacionamentos clandestinos, depósitos irregulares de materiais ou mesmo assentamentos ilegais. Até o momento, a principal consequência tem sido o uso indevido como depósito de entulho e circulação de animais soltos, segundo relatos de moradores, o que caracteriza má utilização de um bem público. Esse risco de invasão levou a comunidade a cobrar ações preventivas da prefeitura. Contudo, não se identificam medidas claras de zeladoria ou projeto alternativo para o local – ele permanece sem cercas adequadas, sem placas informativas e sem nenhuma obra em andamento que iniba ocupações. Essa omissão deixa implícito o abandono: um terreno público valioso permanece sem cumprir a função social esperada, contrastando com a demanda evidente por um terminal rodoviário melhor na cidade.

Entidades Responsáveis e Status da Posse

Nos dois casos, as entidades originalmente beneficiárias das doações e desapropriações são conhecidas, mas o status atual revela o descompasso entre a intenção e a realidade. O terreno do Campus dos Malês foi formalmente transferido à UNILAB (União), por meio de lei municipal aprovada em meados da década passada, especificamente para instalação da universidade. Desde então, a posse jurídica é da instituição federal de ensino, cabendo a ela conduzir as obras em parceria com o Ministério da Educação. Apesar disso, o município manteve interesse no sucesso do projeto, pois envolve política pública educacional local. Atualmente, na prática, parte do terreno está em uso – a UNILAB funciona em edificações já existentes ou provisórias no local, oferecendo seis cursos de graduação e um mestrado​. Porém, a outra parte do campus (blocos em construção) segue sem uso até a conclusão das obras. Ou seja, a posse permanece com a UNILAB, mas o objetivo da doação (uso educacional pleno do espaço) ainda não foi integralmente atingido devido ao atraso nas construções.

Quanto ao terreno da rodoviária, trata-se de área desapropriada pela Prefeitura Municipal, incorporada ao patrimônio público municipal. Diferentemente do campus, não houve transferência a um ente externo – a própria prefeitura seria responsável por executar e administrar o terminal rodoviário. Em alguns casos, municípios celebram convênios com o governo do estado ou concedem a operação de terminais a empresas, mas não consta que tenha havido qualquer concessão formal nesse caso. Assim, a posse atual permanece com o município, e o local permanece categorizado como bem dominial (de domínio público municipal) aguardando destinação específica.

A inexistência de edificações ou serviços no terreno significa que, apesar de legalmente incorporado ao patrimônio da cidade, ele não cumpre a finalidade prevista. Em resumo, a prefeitura desapropriou, indenizou os antigos proprietários se necessário, mas não deu uso efetivo. Essa situação pode, inclusive, despertar questionamentos legais: a legislação brasileira exige que desapropriações atendam ao interesse público e, se a finalidade não é realizada, os ex-proprietários poderiam teoricamente pleitear reversão ou indenização adicional, alegando desvio de finalidade. Até o momento, porém, não há informações de litígio desse tipo; o que se observa é apenas a inércia do poder público local em dar prosseguimento ao plano da nova rodoviária.

Negligência da Gestão Municipal e Pedidos de Intervenção

Os casos expostos refletem possíveis negligências da gestão municipal de São Francisco do Conde. No papel, as iniciativas eram positivas – trazer uma universidade federal e construir uma rodoviária moderna – mas, na prática, a falta de acompanhamento, planejamento e cobrança efetiva resultou em obras paradas e patrimônio subutilizado. Observadores apontam que a prefeitura, após cumprir etapas iniciais (como desapropriar e doar os terrenos), não demonstrou a diligência necessária para garantir a implementação dos projetos.

Por exemplo, quando a expansão do campus da UNILAB travou por falta de recursos federais, esperava-se maior mobilização política local para buscar soluções. Contudo, durante anos houve poucas ações concretas do executivo municipal nesse sentido, além de eventuais discursos. Somente em 2019 houve um breve anúncio de retomada das obras da UNILAB​, mas novamente a iniciativa esfriou sem conclusão.

No caso da rodoviária, a própria Câmara Municipal reconheceu em 2017 o problema e cobrou providências​, mas a administração municipal não entregou resultados, nem transparência sobre o cronograma da nova estação. Essa desconexão entre planejamento e execução configura negligência administrativa, pois envolve gasto de dinheiro público (em desapropriações, projetos, início de obras) sem retorno à sociedade.

Tais circunstâncias têm gerado manifestações por parte da população e de órgãos de controle. A comunidade acadêmica e científica, por exemplo, se pronunciou publicamente cobrando a conclusão do campus dos Malês. Professores da UNILAB enfatizaram a importância do projeto e denunciaram a paralisação como um retrocesso, chegando a caracterizar a situação como resultado de “perseguição” política ao desenvolvimento do campus​.

Apelos foram direcionados à bancada baiana no Congresso Nacional para intervir e assegurar recursos no Orçamento da União​. Essa pressão surtiu efeito: parlamentares e o governo federal articularam a inclusão de verbas, culminando na liberação anunciada em 2023​. Ou seja, houve necessidade de intervenção federal para destravar um projeto local estratégico, algo que poderia ter ocorrido antes se a prefeitura tivesse acionado mais rapidamente os canais federais de apoio.

No âmbito do terminal rodoviário, as reclamações populares têm sido mais locais, envolvendo segurança e conforto dos usuários. Caso a situação persista, não está descartada a atuação do Ministério Público – seja estadual (no tocante ao patrimônio municipal abandonado) ou até federal, caso sejam identificados recursos federais mal empregados. Órgãos de fiscalização como o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA) acompanham as contas anuais das prefeituras e costumam apontar obras paralisadas como indício de má gestão.

Ainda que não tenhamos um relatório público específico do TCM sobre esses terrenos, a tendência é que tais projetos inacabados sejam questionados em prestações de contas futuras. A Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, podem auditar a aplicação de verbas federais no campus da UNILAB – inclusive para garantir que o novo investimento de R$ 10,5 milhões seja corretamente executado e não haja novos atrasos.

Em suma, a situação dos terrenos desapropriados e doados em São Francisco do Conde acendeu o alerta para falhas de governança local. Evidências de negligência e abandono são visíveis: obras prometidas que não se concretizam, espaços públicos ociosos e a população desatendida de melhorias. Ao mesmo tempo, cresce a percepção de que uma atuação mais forte de esferas externas é necessária. Intervenções federais, seja via aporte financeiro direto (como ocorreu no caso da UNILAB) ou via cobranças institucionais, revelaram-se essenciais para resgatar projetos parados.

A expectativa agora é que, com o aporte ao Campus dos Malês em andamento​, o município volte atenções também ao projeto da rodoviária – antes que seja tarde e o local se deteriore ainda mais ou seja indevidamente ocupado. Caso contrário, São Francisco do Conde continuará exibindo, em pleno 2025, cenários de terras públicas vazias e cercadas de promessas não cumpridas, um retrato amargo de desperdício de recursos e oportunidades.


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