Modelos econômicos tradicionais falham diante de desafios atuais, avalia economista estadunidense Cecilia Rouse

Cecilia Elena Rouse, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, propõe novos marcos teóricos para a política econômica dos EUA diante das transformações do século XXI.
Cecilia Elena Rouse, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, propõe novos marcos teóricos para a política econômica dos EUA diante das transformações do século XXI.

Em artigo publicado na edição de maio/junho de 2025 da revista Foreign Affairs, sob o título “Works in Progress: Yesterday’s Economic Thinking Can’t Solve Today’s Economic Problems” (Trabalhos em Andamento: O Pensamento Econômico de Ontem Não Resolve os Problemas Econômicos de Hoje), a economista Cecilia Elena Rouse defende que os modelos tradicionais da ciência econômica, forjados no século XX, tornaram-se incapazes de oferecer soluções eficazes para os desafios atuais enfrentados pelos Estados Unidos e outras economias avançadas.

Rouse, que presidiu o Council of Economic Advisers (CEA) durante o governo do presidente Joe Biden, alerta que o pensamento econômico dominante segue pautado por conceitos desatualizados, que privilegiam métricas quantitativas como o Produto Interno Bruto (PIB), mas negligenciam aspectos fundamentais como bem-estar social, sustentabilidade ambiental e equidade distributiva.

“O PIB por si só não é capaz de mensurar o que realmente importa para a vida das pessoas”, escreve Rouse, ao criticar o uso exclusivo de indicadores econômicos agregados como base para decisões de políticas públicas.

As novas crises exigem novos paradigmas

A autora elenca três grandes vetores de transformação que desafiam os modelos econômicos vigentes:

  • Mudança climática acelerada, com aumento exponencial de desastres naturais: segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), os EUA registraram apenas 3 desastres climáticos com danos acima de US$ 1 bilhão em 1980, contra 27 ocorrências em 2024.

  • Desigualdade econômica estrutural, com concentração crescente de renda e riqueza: estudos indicam que os 10% mais ricos detêm hoje cerca de 70% da riqueza nacional americana.

  • Revolução tecnológica impulsionada pela inteligência artificial generativa, que ameaça extinguir ou transformar funções exercidas por até 85% da força de trabalho, segundo projeções da PwC e da Brookings Institution.

Diante deste cenário, Rouse sustenta que a economia precisa ser compreendida não apenas como ciência de produção e distribuição de recursos, mas como instrumento de promoção do bem comum. A autora afirma que a crise de confiança nas instituições públicas decorre, em parte, da incapacidade do sistema político e econômico de oferecer respostas efetivas à população.

Por uma economia baseada no bem-estar

Inspirando-se em propostas já debatidas por economistas como Amartya Sen e Joseph Stiglitz, a autora propõe a adoção de novos indicadores de progresso, que incorporem dados sobre saúde pública, acesso à educação, inclusão digital e impactos ambientais.

Ela cita como exemplo o Índice de Progresso Social (IPS) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como alternativas ao PIB, mas ressalta que a criação de métricas específicas adaptadas ao contexto norte-americano seria necessária.

Além disso, Rouse enfatiza a importância de reformular o papel do Estado na economia. Para ela, a administração pública deve recuperar a capacidade de coordenação e planejamento, muitas vezes enfraquecida pelas restrições fiscais, disputas partidárias e paralisia institucional.

“É preciso reconstruir a confiança no governo, demonstrando que as políticas públicas podem melhorar concretamente a vida das pessoas”, argumenta.

Propostas para reformulação institucional

Entre as medidas sugeridas no artigo, destacam-se:

  • Investimento maciço em infraestrutura verde, com foco em sustentabilidade e resiliência climática;

  • Revisão da política fiscal com maior progressividade e combate a isenções regressivas;

  • Modernização da governança pública, com uso estratégico de dados e tecnologias digitais para ampliar a eficácia e a transparência;

  • Fortalecimento das capacidades administrativas do Estado, com foco em inovação, coordenação interagências e engajamento comunitário.

Rouse defende, ainda, a ampliação dos programas de transferência de renda e o fortalecimento das políticas de empregabilidade, sobretudo diante dos impactos previstos da automação sobre setores de baixa e média qualificação.

Análise crítica: entre o ideal e o possível

A proposta de Rouse é ambiciosa e parte de um diagnóstico sólido sobre os limites do modelo econômico vigente. No entanto, sua implementação depende de vontade política, pacto institucional e tempo histórico – fatores nem sempre convergentes no atual ambiente polarizado dos EUA.

Além disso, o abandono do PIB como métrica central enfrentaria resistência de setores que se beneficiam da ortodoxia atual. A transição para novos paradigmas exige não apenas reformulações técnicas, mas uma mudança cultural profunda na forma como governos, empresas e cidadãos compreendem o progresso.

Atualização dos marcos teóricos

O artigo de Cecilia Elena Rouse, publicado em 22 de abril de 2025 na Foreign Affairs, constitui uma reflexão de alta relevância sobre a necessidade de atualização dos marcos teóricos da política econômica. Ao propor a substituição do foco no crescimento econômico por uma abordagem baseada no bem-estar, sustentabilidade e equidade, Rouse se alinha a um movimento global que busca redefinir os fundamentos da prosperidade no século XXI.

Indicadores Econômicos e Sociais

  • Desastres naturais nos EUA com prejuízos acima de US$ 1 bilhão:

    • 1980: 3 eventos

    • 2024: 27 eventos
      (Fonte: NOAA)

  • Concentração de riqueza:

    • Os 10% mais ricos dos EUA detêm cerca de 70% da riqueza nacional

  • Impacto da IA generativa no mercado de trabalho:

    • Estima-se que até 85% dos trabalhadores americanos serão afetados

  • Crescimento do PIB como métrica isolada criticado por não refletir:

    • Saúde, educação, inclusão, sustentabilidade, bem-estar subjetivo

Críticas ao Modelo Econômico Tradicional

  • Enfoque excessivo no PIB

  • Negligência com indicadores sociais e ambientais

  • Falta de responsividade institucional

  • Desconexão entre crescimento econômico e qualidade de vida

  • Crise de confiança nas instituições democráticas

Propostas de Reformulação

Novos Indicadores

  • Substituição ou complementação do PIB com:

    • Índice de Progresso Social (IPS)

    • Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

    • Indicadores nacionais focados em:

      • Saúde

      • Educação

      • Sustentabilidade ambiental

      • Equidade de gênero e raça

Reforma Institucional

  • Investimento em infraestrutura verde

  • Modernização da administração pública com uso de dados e IA

  • Coordenação interagências

  • Melhoria da gestão pública com foco no cidadão

  • Revisão da política fiscal com progressividade

  • Reforço de programas sociais e políticas de empregabilidade

Referenciais Teóricos e Contexto

  • Autora: Cecilia Elena Rouse

    • Ex-presidente do Council of Economic Advisers (CEA)

    • Atual presidente da Brookings Institution

  • Publicado na revista Foreign Affairs, edição maio/junho de 2025

  • Título original: Works in Progress: Yesterday’s Economic Thinking Can’t Solve Today’s Economic Problems(Obras em andamento: O pensamento econômico de ontem não pode resolver os problemas econômicos de hoje)

  • Influências teóricas:

    • Amartya Sen

    • Joseph Stiglitz

    • Agenda internacional de economia do bem-estar

Quem é Cecilia Elena Rouse

A economista norte-americana Cecilia Elena Rouse é uma das principais vozes da política econômica contemporânea nos Estados Unidos. Atual presidente da Brookings Institution desde janeiro de 2024, Rouse consolidou uma carreira que alia produção acadêmica, formulação de políticas públicas e atuação em três administrações presidenciais — Bill Clinton, Barack Obama e Joe Biden.

Formação acadêmica e carreira universitária

Nascida em 18 de dezembro de 1963, em Walnut Creek, Califórnia, Rouse é filha do físico Carl A. Rouse e da psicóloga escolar Lorraine Rouse. Formou-se em Economia pela Universidade de Harvard, onde concluiu o bacharelado em 1986 e o doutorado em 1992.

Após o doutorado, ingressou no corpo docente da Universidade de Princeton, onde se destacou como professora de Economia e Assuntos Públicos. Fundou a Princeton Education Research Section, núcleo dedicado ao estudo da economia da educação.

De 2012 a 2021, Rouse exerceu a função de reitora da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais (Princeton SPIA), ampliando seu prestígio no meio acadêmico.

Atuação em governos dos EUA

Cecilia Rouse atuou em três administrações presidenciais:

  • 1998–1999: Assistente especial do presidente no Conselho Econômico Nacional durante o governo Bill Clinton;

  • 2009–2011: Membro do Conselho de Assessores Econômicos (CEA) na gestão de Barack Obama;

  • 2021–2023: Nomeada pelo presidente Joe Biden, tornou-se a 30ª presidente do CEA, sendo a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Sua nomeação foi confirmada pelo Senado por 95 votos a 4.

Durante sua gestão no CEA, Rouse defendeu políticas de recuperação econômica pós-pandemia, investimentos em infraestrutura social e inclusão no mercado de trabalho, com foco em dados e evidências empíricas.

Pesquisa, publicações e reconhecimento

Os interesses acadêmicos de Rouse concentram-se na economia do trabalho e da educação, com ênfase em:

  • Retornos econômicos do ensino superior;

  • Impacto de programas de vouchers escolares;

  • Avaliações de políticas públicas baseadas em responsabilidade educacional.

Ela atuou como editora sênior da revista The Future of Children e coeditora do Journal of Labor Economics. É membro da Academia Nacional de Ciências, Academia Nacional de Educação e da Sociedade Filosófica Americana.

Brookings Institution e desafios atuais

À frente da Brookings Institution, um dos mais importantes centros de pesquisa em políticas públicas dos EUA, Rouse tem se dedicado a temas como desigualdade de renda, mudanças climáticas, política fiscal progressiva e reforma institucional.

Em abril de 2025, publicou na revista Foreign Affairs o artigo “Works in Progress”, no qual afirma que o pensamento econômico tradicional é insuficiente para lidar com os desafios contemporâneos e defende a adoção de novos indicadores de progresso, como alternativas ao Produto Interno Bruto (PIB).

Vida pessoal

Cecilia Rouse é casada com o arquiteto Ford Morrison, filho da escritora Toni Morrison, Prêmio Nobel de Literatura. O casal tem duas filhas.


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