Francisco concretiza seu legado ao renovar o Colégio Cardinalício: Eleição de Leão XIV sela diálogo entre América Hispânica, Estados Unidos e Europa

Primeiro anúncio do Papa Leão XIV (Robert Francis Prevost). Sucessão pontifícia marca virada histórica com a escolha de um norte-americano de origem hispânica, fruto da estratégia de descentralização e inclusão global promovida por Francisco.

A eleição do cardeal norte-americano Robert Francis Prevost como o 266º Papa da Igreja Católica, assumindo o nome de Leão XIV, representa mais do que uma escolha de continuidade pastoral ou uma alternância administrativa no Vaticano. Trata-se de um marco decisivo no legado eclesial de Francisco, o pontífice argentino que reformulou o Colégio dos Cardeais e pavimentou o caminho para a abertura de novos centros de gravidade no catolicismo mundial.

Francisco, ao longo de seus doze anos de pontificado (2013–2025), descentralizou a lógica romana-europeia que historicamente condicionava a escolha dos papas, priorizando bispos de regiões periféricas, promovendo o diálogo entre culturas e territórios, e nomeando cardeais de países até então sub-representados, incluindo territórios missionários da Ásia, África e América Latina. A eleição de Prevost concretiza, com clareza geopolítica e simbólica, esse processo de transformação iniciado em 2014.

A ascensão de um filho da migração e do hemisfério ocidental

Robert Francis Prevost, nascido em 1955 em Chicago, nos Estados Unidos, é filho de pai com ascendência francesa e italiana e mãe de origem espanhola. Essa confluência de tradições europeias e ibero-americanas traduz, em sua biografia, o novo eixo de liderança eclesial que se forma entre o Norte e o Sul do continente americano. Diferentemente de Francisco, oriundo diretamente da América do Sul, Prevost representa o catolicismo latino migrante enraizado nos Estados Unidos, região de crescente influência na Igreja.

Sua eleição articula um simbolismo profundo: um papa norte-americano com raízes hispânicas promove a reconciliação entre culturas historicamente distantes e fortalece os laços entre Igreja Latina, Estados Unidos e Europa, sem subordinar-se à hegemonia de nenhuma delas. Nesse sentido, Leão XIV é fruto e síntese da estratégia de Francisco de tornar o Vaticano novamente uma voz global e intercultural, não apenas europeia.

O legado de Francisco: uma geopolítica do Espírito

Ao nomear mais de 80% dos cardeais eleitores que participaram do conclave de 2025, Francisco redesenhou o mapa do poder no Vaticano. Deixou para trás a lógica curial do eurocentrismo e impôs uma nova racionalidade pastoral, voltada às “periferias existenciais”, conceito que introduziu em sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium (2013). Ao fazer isso, plantou as sementes de uma Igreja mais diversa, missionária e menos burocrática, o que teve como consequência natural a eleição de um papa como Prevost.

Essa renovação também pode ser compreendida como um reposicionamento diplomático do Vaticano. Ao escolher um pontífice com forte identidade cultural norte-americana, mas sem alinhamento ideológico com o conservadorismo dominante nos EUA, o conclave enviou um recado claro: a Igreja deseja mediar diálogos entre hemisférios, sem perder a centralidade espiritual. Trata-se de uma forma de “diplomacia teológica”, capaz de envolver Washington, Bogotá, Cidade do México, Buenos Aires, Lisboa, Madri, Roma e Paris em torno de valores universais — em especial, a dignidade humana, a justiça social e a paz.

Um novo ciclo com raízes no passado

O nome escolhido por Prevost, Leão XIV, também carrega significados relevantes. A evocação da linhagem dos papas chamados Leão, particularmente Leão XIII — o grande arquiteto da Rerum Novarum (1891), encíclica que inaugurou a doutrina social da Igreja —, aponta para um possível retorno à centralidade da justiça social e à missão eclesial em meio aos desafios contemporâneos, como desigualdade, crise migratória, inteligência artificial e colapso climático.

A eleição de um papa agostiniano (da Ordem de Santo Agostinho) após séculos também marca um retorno às raízes da tradição patrística e monástica, com ênfase na interioridade, conversão pessoal e busca da verdade em comunidade, valores fundamentais para uma Igreja em crise de credibilidade em diversas partes do mundo.


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