Historiador Carlos Fico afirma que impunidade militar perpetuou tradição golpista no Brasil

Livro recém-lançado analisa influência dos militares nas crises institucionais brasileiras desde a Proclamação da República.
Livro recém-lançado analisa influência dos militares nas crises institucionais brasileiras desde a Proclamação da República.

O historiador Carlos Fico, especialista em ditadura militar no Brasil, lançou o livro “Utopia autoritária brasileira: como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje”, que aborda a influência dos militares em crises institucionais ao longo da história do país. Em entrevista à Agência Brasil, Fico detalhou que a obra discute a repetida intervenção militar na política brasileira, destacando a impunidade como fator determinante para a continuidade dessa prática.

O livro apresenta a tese de que desde a Proclamação da República, em 1889, até os eventos recentes, os militares desempenham papel central em rupturas da ordem constitucional brasileira. Segundo o historiador, essa atuação foi marcada pela percepção de superioridade dos militares sobre civis e pela crença de uma licença constitucional para intervenção política. Ele contextualiza que essa mentalidade emergiu após a Guerra do Paraguai, quando militares retornaram com a sensação de missão especial, gerando um comportamento intervencionista persistente.

Crises institucionais e tradição golpista

A obra analisa episódios como a deposição de Dom Pedro II, as tentativas de golpe em 1904, 1922, e 1924, o golpe de 1937 e a Revolução de 1930, entre outros. Carlos Fico destaca que o padrão de impunidade — a ausência de prisões ou punições efetivas a militares envolvidos em golpes — permitiu a perpetuação dessa tradição autoritária. Ele explica que “nenhum militar golpista foi preso ao longo da história, e anistias frequentemente impediram processos judiciais”.

O lançamento do livro ocorre em momento de relevância institucional, pois, na quarta-feira, 20 de maio de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu tornar réus dez acusados de participar de plano golpista para manter Jair Bolsonaro na presidência após a derrota eleitoral de 2022, incluindo nove militares. Fico considera essa atuação da Justiça inédita na história do país e observa que “qualquer condenação representaria uma ruptura com o padrão histórico de impunidade”.

Papel do artigo 142 e percepções autoritárias

O historiador analisa no livro o uso do artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente invocado por setores militares radicais para justificar intervenção política. Ele explica que essa atribuição foi uma herança da Constituição de 1891, criada em um contexto de golpe militar, e que as interpretações atuais distorcem sua função original, atribuindo aos militares o papel de garantidores dos poderes constitucionais, prática que ele considera equivocada.

Apoio social e elite

Carlos Fico ressalta que a utopia autoritária não é exclusiva das Forças Armadas, mas também presente em segmentos elitistas da sociedade que consideram o eleitorado despreparado para o voto. Ele cita que, em diferentes momentos históricos, setores sociais apoiaram intervenções militares, como ocorreu em 1964 e mais recentemente durante o governo Bolsonaro, quando houve aumento da presença militar em ações políticas.

Impactos da Lei da Anistia e perspectiva atual

O historiador destaca o peso da Lei da Anistia de 1979, que beneficiou tanto presos políticos quanto agentes do Estado responsáveis por crimes, fortalecendo o padrão de impunidade. Para ele, a ausência de responsabilização judicial favoreceu a continuidade da mentalidade intervencionista. Fico conclui que a atuação recente do Judiciário representa uma possibilidade inédita para responsabilização e mudança desse ciclo.

*Com informações da Agência Brasil.


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