Em artigo publicado na Foreign Affairs, no dia 21 de abril de 2025 (segunda-feira), o economista Michael Pettis, associado sênior do Carnegie Endowment for International Peace, sustenta que o atual sistema de comércio global está estruturalmente falido e requer uma transformação profunda. Intitulado “O sistema de comércio global já estava quebrado”, o texto analisa as políticas tarifárias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e propõe uma solução inspirada na proposta original de John Maynard Keynes, apresentada em Bretton Woods em 1944.
Para Pettis, as tarifas impostas por Trump em 2 de abril de 2025 são “sintoma de uma transformação maior”, e não a causa central da instabilidade econômica internacional. Ele destaca:
“Aconteça o que acontecer no curto prazo, uma coisa está clara: as políticas de Trump refletem uma transformação do regime global de comércio e capital que já havia começado”.
Segundo o autor, o cerne do problema está na desconexão entre as necessidades das economias domésticas e os mecanismos do sistema internacional, onde países tentam crescer através da compressão dos salários internos e expansão de suas exportações, gerando desequilíbrios que corroem a demanda global. Ele afirma:
“O resultado é um sistema global de comércio no qual, em detrimento coletivo, os países competem mantendo os salários baixos”.
O paradoxo dos custos e as distorções no comércio
A análise de Pettis está fundamentada no Paradoxo dos Custos de Michal Kalecki, segundo o qual o corte de salários pode beneficiar empresas individuais, mas prejudica a economia agregada ao reduzir a demanda doméstica e forçar o endividamento público e familiar como paliativo. Transpondo isso ao cenário global, ele observa:
“Se todos os países suprimem o crescimento salarial, o crescimento da demanda global é reduzido e todos os países sofrem”.
Pettis cita ainda a economista Joan Robinson, para quem o mecanismo dos superávits comerciais oriundos da repressão da demanda interna caracteriza-se por “empobrecer o vizinho” — uma estratégia que transfere os custos de políticas domésticas desequilibradas para os parceiros comerciais.
As consequências do déficit americano
O artigo sustenta que os Estados Unidos, desde o fim de Bretton Woods na década de 1970, “disfarçaram as consequências de seu déficit comercial consistente para o emprego”, utilizando medidas como juros baixos e expansão do crédito. Segundo Pettis, esse modelo é insustentável:
“O custo dessas políticas passou a se manifestar sob a forma de aumento da dívida pública e da dívida das famílias”.
A proposta de uma nova união aduaneira
Em oposição ao protecionismo unilateral, Pettis propõe a formação de uma nova união aduaneira global, inspirada na proposta de Keynes em Bretton Woods. O autor sustenta que a chave para a estabilidade está em “administrar os desequilíbrios internos, em vez de externalizá-los na forma de superávits comerciais”.
A proposta inclui:
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Compromisso entre os países-membros para equilibrar exportações e importações.
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Penalizações a superávits excessivos ou déficits crônicos.
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Barreiras comerciais contra países fora da união que não equilibrem suas contas.
Ele defende que os países com déficits estruturais — como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Índia e México — teriam incentivos para liderar essa nova aliança, forçando gradualmente os demais a aderir. Pettis explica:
“Se os países deficitários se recusarem a incorrer em déficits permanentes, afinal, os países superavitários não podem incorrer em superávits permanentes”.
Soberania nacional versus integração global
O autor cita o economista Dani Rodrik para ilustrar o dilema atual das economias nacionais:
“Os países devem escolher entre uma maior integração global ou um maior controle sobre a economia doméstica”.
Ele denuncia que alguns Estados utilizam a globalização como instrumento de dominação econômica, ao manter controle sobre os salários e políticas industriais, prejudicando parceiros mais abertos.
Pettis critica esse modelo assimétrico:
“É o tipo de globalização que permite aos governos adotar estratégias kaleckianas que são expansionistas para suas economias, mas contracionistas para a economia global como um todo”.
Risco de colapso do comércio internacional
Caso não se estabeleça um novo pacto comercial multilateral, Pettis alerta para um cenário de deterioração do comércio global. Ele cita novamente Joan Robinson, segundo quem:
“Assim que um país consegue aumentar sua balança comercial às custas dos demais, os outros retaliam, e o volume total do comércio internacional despenca continuamente”.
Para evitar esse desfecho, conclui:
“A melhor maneira de alcançar esse tipo de globalização é criar uma nova união aduaneira, nos moldes do que Keynes propôs em Bretton Woods”.
O objetivo seria fazer com que os países “exportem para importar”, e não para deslocar os custos internos aos seus parceiros.
Quem é Michael Pettis
Com trajetória que une experiência em mercados emergentes, academia e formulação de políticas, Pettis influencia o debate sobre os rumos da economia global no século XXI.
O economista Michael Pettis, nascido em 16 de junho de 1958, em Zaragoza, Espanha, consolidou-se como uma das principais vozes globais na análise das dinâmicas econômicas internacionais. Reconhecido por sua atuação acadêmica na Universidade de Pequim e por suas contribuições ao Carnegie Endowment for International Peace, Pettis acumula experiências relevantes no setor financeiro, na formulação de políticas públicas e na reflexão crítica sobre os desequilíbrios estruturais do sistema econômico global, com ênfase na economia chinesa.
Formação acadêmica
Michael Pettis é formado pela Universidade Columbia, nos Estados Unidos, onde concluiu dois mestrados:
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Assuntos Internacionais com ênfase em Desenvolvimento Econômico (1981)
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Administração de Empresas com foco em Finanças (1984)
Sua formação multidisciplinar permitiu que transitasse com competência entre os setores financeiro, público e acadêmico, articulando teoria e prática em suas análises sobre macroeconomia global e mercados emergentes.
Atuação no setor financeiro
A trajetória de Pettis no mercado financeiro teve início em 1987, como trader de dívida soberana no Manufacturers Hanover, instituição que mais tarde seria incorporada ao JPMorgan Chase. Em seguida, ocupou o cargo de diretor-gerente no Bear Stearns, onde liderou os mercados de capitais da América Latina. Posteriormente, foi chefe da área de mercados emergentes no Credit Suisse First Boston.
Paralelamente, atuou como consultor de governos nacionais em reestruturações financeiras, com destaque para os casos do México, Macedônia do Norte e Coreia do Sul, consolidando-se como especialista em estabilidade macroeconômica e gestão de crises fiscais.
Carreira acadêmica
Antes de estabelecer residência na China em 2001, Pettis lecionou por quase uma década na Universidade Columbia, onde atuou nas áreas de finanças internacionais e macroeconomia. Entre 2002 e 2004, foi professor visitante na Universidade Tsinghua, em Pequim. Desde 2004, é professor titular de Finanças na Guanghua School of Management da Universidade de Pequim, onde se dedica à pesquisa sobre mercados financeiros chineses e políticas de reequilíbrio econômico.
Publicações e pensamento econômico
Michael Pettis é autor de diversas obras que analisam criticamente os fundamentos do comércio internacional, o papel da China na economia global e as crises de balanço de pagamentos. Entre seus principais títulos, destacam-se:
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The Volatility Machine: Emerging Economies and the Threat of Financial Collapse (2001)
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The Great Rebalancing: Trade, Conflict, and the Perilous Road Ahead for the World Economy (2013)
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Avoiding the Fall: China’s Economic Restructuring (2013)
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Trade Wars Are Class Wars: How Rising Inequality Distorts the Global Economy and Threatens International Peace (2020), coautoria com Matthew C. Klein, obra vencedora do Prêmio Lionel Gelber de 2021
Suas análises giram em torno da tese de que os desequilíbrios internos — especialmente a repressão salarial e os superávits comerciais persistentes — são responsáveis por distorções sistêmicas na ordem econômica global. Em seus trabalhos mais recentes, Pettis tem defendido a criação de uma nova união aduaneira multilateral, inspirada na proposta original de John Maynard Keynes, apresentada na Conferência de Bretton Woods.
Reconhecimento internacional
Em 2016, Michael Pettis foi incluído na lista dos “50 Mais Influentes da Bloomberg”, reconhecimento atribuído à sua contribuição relevante para o debate global sobre comércio, crescimento e desigualdade. Seus artigos são publicados com frequência em veículos de prestígio, como Foreign Affairs, Financial Times e Project Syndicate, além de participar como comentarista em fóruns econômicos internacionais.
Atividades culturais
Além de sua carreira nos setores financeiro e acadêmico, Pettis possui trajetória ativa na cena cultural de Pequim, tendo fundado o clube D22, espaço de referência da música underground chinesa, e o selo Maybe Mars, voltado à promoção de bandas independentes. Essa faceta ilustra sua visão ampla sobre desenvolvimento, combinando economia, sociedade e cultura.
Contribuição contemporânea
Michael Pettis permanece como referência central no debate sobre a reconfiguração do sistema de comércio internacional, em meio a um cenário de tensões geoeconômicas e reformas estruturais. Seu trabalho tem orientado formuladores de políticas públicas, investidores e acadêmicos interessados em compreender os limites do atual modelo global e os caminhos para sua reconstrução.
*O artigo “The Global Trading System Was Already Broken: But There’s a Better Way to Fix It Than a Reckless Tariff Regime” (O sistema de comércio global já estava quebrado: Mas há uma maneira melhor de resolver isso do que um regime tarifário imprudente), foi publicado na Foreign Affairs, em 21 de abril de 2025.
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