Cleptocracia Autocrática: Projeto da Câmara dos Deputados amplia privilégios e custos ao permitir acúmulo de aposentadoria e salário parlamentar

Câmara dos Deputados propõe projeto que autoriza acúmulo de aposentadoria e salário por parlamentares. Proposta da Mesa Diretora revoga restrição vigente desde 1997 e pode elevar gastos com benefícios no Legislativo.
Projeto da Mesa Diretora da Câmara propõe que deputados e senadores acumulem aposentadoria do PSSC com salário e gratificação natalina, gerando críticas sobre privilégios e impacto fiscal.

Na terça-feira (10/06/2025), a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados protocolou projeto de lei que extingue a atual proibição do acúmulo de aposentadoria com salário para parlamentares em exercício de mandato eletivo federal. A proposta foi assinada pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), com apoio de integrantes do PL, PP, União Brasil, PT e PSD.

A proposta legislativa modifica a Lei nº 9.506/1997, que instituiu o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC). Pela legislação vigente, o parlamentar que atinge os requisitos para aposentadoria não pode receber o benefício enquanto estiver exercendo mandato no Congresso Nacional ou outro cargo eletivo federal.

Caso o projeto seja aprovado, parlamentares vinculados ao PSSC poderão receber cumulativamente a aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição e o salário de R$ 46.366,19, atualmente pago aos deputados e senadores.

Adicional de fim de ano também é incluído na proposta

Outro ponto previsto no texto é a criação de uma gratificação natalina específica para os participantes do PSSC, calculada com base nos valores recebidos no mês de dezembro.

A gratificação se somaria ao benefício previdenciário, ampliando os rendimentos de parlamentares aposentados em exercício de mandato.

Justificativa da Mesa Diretora: “violação à isonomia”

Na justificativa do projeto, os autores afirmam que a proibição em vigor contraria os princípios constitucionais da isonomia e da legalidade, argumentando que a regra “perpetua discriminação indevida”.

Segundo o texto, a vedação desestimula a permanência na vida política de cidadãos que já preencheram os requisitos legais para a aposentadoria, mas continuam em atividade parlamentar.

Ainda de acordo com os signatários, o dispositivo atualmente vigente seria “inconstitucional”, ao estabelecer tratamento diferenciado entre parlamentares e outros servidores públicos com direito à aposentadoria proporcional.

Acúmulo de aposentadoria e salário parlamentar deve provocar resultado negativo na sociedade e no interesse público

A proposta da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que autoriza parlamentares a acumular aposentadoria proporcional com remuneração integral de cargo eletivo federal, suscita preocupações relevantes sob os prismas orçamentário, institucional e ético.

O projeto reacende o debate sobre os benefícios concedidos a membros do Legislativo, em um contexto de frequentes críticas à distância entre os regimes previdenciários da população em geral e dos parlamentares.

A revogação da vedação ao acúmulo de aposentadoria com salário eletivo pode representar aumento expressivo nos gastos públicos, especialmente em um momento de restrições fiscais. Além disso, a criação de uma gratificação natalina específica tende a reforçar percepções de privilégio institucionalizado.

Embora se amparem no princípio da isonomia, os argumentos apresentados pela Mesa Diretora não consideram a excepcionalidade das funções parlamentares em comparação com a maioria dos vínculos do serviço público comum, o que pode gerar questionamentos quanto à pertinência da proposta.

A eventual aprovação do projeto deve atrair oposição de setores da sociedade civil e de especialistas em direito previdenciário e finanças públicas, que tradicionalmente defendem a redução de assimetrias e o equilíbrio entre os regimes contributivos.

A seguir, são destacados os principais aspectos críticos dessa iniciativa, considerando seus custos diretos e indiretos para a sociedade brasileira e o confronto com o princípio do interesse público.

1. Agravamento da desigualdade previdenciária

O primeiro impacto direto da medida reside na perpetuação de assimetrias entre o regime previdenciário da elite política e o da maioria da população brasileira. Enquanto os trabalhadores do setor privado enfrentam regras mais rígidas, como idade mínima e fator previdenciário, os parlamentares – já contemplados com altos salários e estrutura de apoio – passariam a receber cumulativamente valores mensais que podem ultrapassar R$ 80 mil, considerando salário, aposentadoria proporcional e gratificação natalina.

Essa distorção agride o princípio da equidade contributiva, pilar da previdência social em qualquer sociedade democrática. Trata-se de um retrocesso normativo, que gera insegurança institucional e desestimula o respeito às reformas previdenciárias adotadas nos últimos anos em nome da responsabilidade fiscal.

2. Aumento de despesas públicas em cenário de restrição orçamentária

A medida tem implicações fiscais concretas, pois amplia os encargos da União com pagamentos a parlamentares, sem qualquer contrapartida de eficiência ou produtividade. Com cerca de 594 parlamentares no Congresso Nacional, e parte deles já apta à aposentadoria pelo PSSC, a medida pode representar milhões de reais por ano em despesas adicionais, em um momento no qual o próprio governo federal discute cortes de gastos, revisão de benefícios e contenção de renúncias fiscais.

Além disso, não há qualquer previsão de impacto orçamentário ou fonte de compensação financeira no projeto apresentado, o que viola o princípio da responsabilidade fiscal (LC 101/2000) e compromete o equilíbrio das contas públicas.

3. Desrespeito ao princípio da moralidade administrativa

Sob a perspectiva do interesse público, a proposta compromete o princípio da moralidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Ao estabelecer tratamento excepcional e cumulativo para parlamentares, reforça a ideia de que o Legislativo legisla em causa própria, ampliando privilégios sem respaldo técnico ou demanda social.

A criação da gratificação natalina exclusiva agrava esse cenário, uma vez que não possui paralelo com a realidade da maioria dos trabalhadores do país, tampouco se alinha a práticas de contenção e eficiência no setor público. A medida, portanto, contribui para o descrédito institucional e para a erosão da confiança da população no Parlamento.

4. Incompatibilidade com a justiça intergeracional e com o equilíbrio previdenciário

Ao permitir o acúmulo de proventos elevados por uma elite restrita, o projeto viola o princípio da justiça intergeracional, uma vez que transfere para as gerações futuras o custo de manter um modelo insustentável de previdência. O PSSC já é, por si só, um sistema com financiamento privilegiado. Autorizar sua cumulação com salário representa um desvirtuamento da finalidade contributiva do regime previdenciário parlamentar.

Esse tipo de medida compromete o equilíbrio atuarial, fere o princípio da solidariedade entre gerações e acentua o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, ao destinar mais recursos públicos à elite do funcionalismo, em detrimento dos serviços públicos essenciais.

Impactos negativos relevantes

A proposta que permite o acúmulo de aposentadoria proporcional e remuneração parlamentar, acrescida de gratificação natalina, apresenta impactos negativos relevantes para o erário, a credibilidade do Legislativo e o princípio do interesse público. Representa uma iniciativa de autobenefício institucional, dissociada da realidade fiscal do país e das necessidades da população.

Do ponto de vista republicano, trata-se de um projeto que subverte os princípios de equidade, moralidade, eficiência e justiça social, favorecendo um grupo já altamente remunerado, sem qualquer justificativa técnica que sustente sua aprovação.

Cleptocracia Autocrática

A proposta legislativa protocolada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados na terça-feira (10/06/2025) ilustra, de forma contundente, o funcionamento da Cleptocracia Autocrática, conceito que descreve a captura do Estado por elites políticas que legislam em causa própria, subordinando os princípios republicanos aos seus próprios interesses. A autorização para que parlamentares acumulem aposentadoria proporcional com salário integral de mandato eletivo federal, somada à criação de uma gratificação natalina exclusiva, constitui medida de autobenefício institucional que revela a lógica de perpetuação de privilégios estruturais sob aparência de legalidade.

No âmago dessa iniciativa está a desconstrução de pilares da República democrática, como a moralidade administrativa, o equilíbrio intergeracional da previdência e o respeito ao interesse público. A cleptocracia manifesta-se quando o Estado, ao invés de proteger os bens da coletividade, passa a operar como instrumento de expropriação legalizada, privilegiando os membros do próprio poder. Simultaneamente, a dimensão autocrática se expressa na forma como o Congresso tenta blindar seus integrantes com normas de exceção, sem transparência, sem debate público e sem contrapartida social.

O projeto afronta os princípios constitucionais da isonomia e da responsabilidade fiscal, ao permitir que parlamentares, já detentores de altos vencimentos e estrutura funcional, ampliem sua renda de forma cumulativa, em um contexto de restrições orçamentárias e desigualdades previdenciárias profundas. Trata-se, portanto, de um mecanismo que subverte o pacto republicano e compromete a legitimidade das instituições representativas, ao consolidar um sistema de privilégios que se impõe à margem da realidade vivida pela maioria dos cidadãos brasileiros.

Sob o prisma da Cleptocracia Autocrática, essa medida não é apenas mais um desvio normativo, mas parte de uma estratégia sistêmica de apropriação das estruturas do Estado por grupos politicamente organizados, que utilizam o aparato legislativo para concentrar rendimentos, escapar da equidade tributária e se blindar de qualquer responsabilização pública. A proposta, portanto, evidencia a degradação progressiva da função pública transformada em plataforma de benefício pessoal — um sintoma clássico das democracias capturadas pelo corporativismo político-institucional.


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