O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o arquivamento do Pedido de Providências nº 0002930-44.2025.2.00.0000, protocolado pelo advogado Domingos Bispo, representante legal dos herdeiros da antiga Fazenda São José, localizada no município de Formosa do Rio Preto, no oeste da Bahia. A demanda está inserida em um litígio fundiário que se arrasta há aproximadamente quatro décadas, tendo sido inicialmente judicializado na Comarca de Santa Rita de Cássia.
O requerimento buscava reverter decisão anterior do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), proferida no âmbito do Pedido de Providências nº 0007396-96.2016.2.00.0000, a qual reconheceu a existência de vícios insanáveis nas Matrículas nº 726 e nº 727. Tais registros foram anulados pela Corregedoria-Geral da Justiça da Bahia (CGJ/BA) com base em robustos indícios de fraude documental, especialmente relacionados à utilização de certidão de óbito falsa em processo de inventário.
Entretanto, decisões supervenientes proferidas por juízos de primeiro e segundo graus do Poder Judiciário da Bahia (PJBA) mantiveram ativamente as Matrículas nº 726 e 727 vigentes, ainda que de forma precária e contestada, os efeitos desses registros no âmbito registral e possessório. Essa contradição entre o entendimento administrativo do CNJ e as decisões judiciais locais deu margem à reiteração do pedido por parte da defesa dos herdeiros, representada pelo advogado Domingos Bispo, que pugnam pela nulidade das Matrículas nº 726 e 727.
Ao analisar o pleito de Domingos Bispo e proclamar a decisão na quinta-feira, 11 de junho de 2025, o ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e atual corregedor nacional de Justiça, afirmou:
“CNJ reconhece legalidade de anulação de matrículas cartoriais da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto; Caso deve ser definido no STF
A controvérsia acerca das matrículas nº 726 e 727 e a legalidade da Portaria CGJ nº 105/2015 já foi regular e definitivamente apreciada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no bojo do Pedido de Providências nº 0007396-96.2016.2.00.0000.
Naquela oportunidade, com base em parecer técnico da Corregedoria-Geral de Justiça da Bahia e requerimento do Ministério Público estadual, concluiu-se pela existência de vícios insanáveis nas matrículas, oriundos de processo de inventário fraudulento, com uso de certidão de óbito falsa.
Por conseguinte, foi reconhecida a legalidade da atuação da Corregedoria estadual em promover a anulação administrativa das matrículas, com base na Lei nº 6.739/79 e na Súmula 473 do STF.”
O cerne da controvérsia reside no fato de que as matrículas cartoriais nº 726 e nº 727, já reconhecidas como fraudulentas, permanecem ativas nos registros imobiliários e continuam sendo utilizadas como instrumento precário de afirmação de propriedade e exercício de posse sobre parte das terras da antiga Fazenda São José, localizada em Formosa do Rio Preto (BA). Tal situação beneficia diretamente o Grupo dos Okamoto, a empresa Bom Jesus Agropecuária e outros envolvidos, mesmo diante das decisões judiciais e administrativas que apontaram vícios insanáveis nos referidos registros.
Neste contexto, a seguir, será apresentada a decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, bem como uma análise das implicações jurídicas e políticas dessa medida sobre a disputa fundiária que deu origem ao Caso Faroeste, um dos maiores escândalos envolvendo o sistema de Justiça no Brasil.
Contexto do conflito fundiário
A controvérsia fundiária envolve a área da antiga Fazenda São José, localizada no município de Formosa do Rio Preto, no oeste da Bahia, e tem sido objeto de uma prolongada disputa judicial, incialmente entre dois grupos principais: de um lado, José Valter Dias e Joilson Gonçalves Dias; de outro, a empresa Bom Jesus Agropecuária, vinculada ao Grupo Okamoto, agora, associados. Atua como terceira parte interessada o advogado Domingos Bispo, que representa os herdeiros do casal Ribeiro de Souza, alegadamente legítimos proprietários das terras.
O litígio está diretamente vinculado às investigações da Operação Faroeste, conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, que apuram um amplo esquema de grilagem de terras públicas, falsificação de registros cartoriais e corrupção sistêmica no âmbito do Judiciário da Bahia.
Fundamentação do novo pedido e decisão do CNJ
No novo pedido de providências, Domingos Bispo solicitou a revisão da decisão plenária do CNJ no Processo nº 0007396-96.2016.2.00.0000, alegando que a Portaria CGJ nº 105/2015, que havia restaurado as matrículas anuladas, teria sido injustamente invalidada. Como base jurídica, o requerente citou:
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A ADPF nº 1056, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que validou a competência das Corregedorias estaduais para anular registros fundiários com base na Lei 6.739/79;
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A Súmula 473 do STF, que garante à Administração Pública o direito de autotutela para anular atos ilegais;
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O art. 98 do Regimento Interno do CNJ, que permitiria a revisão de atos administrativos em determinadas hipóteses.
Decisão do CNJ
O pedido foi analisado pelo ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça, que rejeitou a solicitação com base em quatro fundamentos principais:
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Consolidação da decisão anterior: a anulação das matrículas já havia sido decidida pelo Plenário do CNJ, com base em parecer técnico da CGJ/BA e solicitação do Ministério Público, em razão de fraude processual e uso de certidão de óbito falsa;
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Inadequação da via processual: o Pedido de Providências foi considerado instrumento inadequado para reabrir decisão plenária já consolidada;
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Ausência de legitimidade processual: Domingos Bispo não participou do processo original nem comprovou vínculo jurídico direto com os registros;
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Interpretação da ADPF 1056: a decisão do STF reforça a atuação das Corregedorias, confirmando sua competência para anular registros com vícios insanáveis, em conformidade com o princípio da autotutela administrativa.
A decisão foi registrada no sistema eletrônico do CNJ em 11/06/2025, determinando o arquivamento definitivo do pedido.
Destaque jurídico: análise de especialista
Jurista consultado pela reportagem, com experiência na análise de processos administrativos e judiciais submetidos ao CNJ, apontou dois aspectos relevantes da decisão. Em primeiro lugar, destacou que, embora o ministro Mauro Campbell tenha indeferido pedido de Domingos Bispo, ele reconheceu a legalidade da atuação da Corregedoria da Bahia ao anular administrativamente as matrículas nº 726 e 727, nos seguintes termos:
“Concluiu-se pela existência de vícios insanáveis nas matrículas, oriundos de processo de inventário fraudulento, com uso de certidão de óbito falsa.”
O jurista observa, contudo, que houve imprecisão na redação do voto do ministro Mauro Campbell, ao afirmar que o Pedido de Providências nº 0007396-96.2016.2.00.0000 teria mantido a legalidade da Portaria CGJ nº 105/2015. Na realidade, essa portaria foi anulada. Ainda assim, ressalta que a tese jurídica defendida por Domingos Bispo — a de que a portaria teria respaldo legal — foi considerada pertinente, embora inviável no plano processual adotado.
Por fim, o especialista sublinha que a decisão do ministro Mauro Campbell não contradiz os fundamentos trazidos pela ADPF 1056, mas reafirma que a atuação administrativa da CGJ/BA no caso foi legítima e está em consonância com a jurisprudência consolidada do STF.
Entenda a Fundamentação Jurídica
O Pedido de Providências nº 0002930-44.2025.2.00.0000 apresentado por Domingos Bispo baseou-se em três pilares jurídicos centrais:
1. Decisão vinculante do STF na ADPF nº 1056
O requerente sustentou que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1056 consolidou a competência das Corregedorias dos Tribunais de Justiça para anular registros imobiliários com base na Lei nº 6.739/79, sempre que constatada a existência de vícios insanáveis. A decisão possui eficácia “erga omnes” e, portanto, deveria ser observada por todos os órgãos administrativos e jurisdicionais, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça.
A tese sustentada por Bispo é a de que, com base nessa decisão do STF, seria possível a revisão administrativa de atos anteriormente praticados pelo próprio CNJ, especialmente em casos em que a atuação das corregedorias estaduais tenha sido posteriormente respaldada por entendimento da Corte Constitucional.
2. Aplicação da Súmula 473 do STF
Outro fundamento apresentado foi a Súmula 473 do STF, que reconhece o poder da Administração Pública de anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, independentemente de decisão judicial, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. O requerente alegou que, diante da evidência de que a Portaria CGJ nº 105/2015 estaria em consonância com os critérios fixados pela ADPF 1056, haveria justificativa legal e jurisprudencial para a revalidação da portaria, pelo exercício legítimo da autotutela administrativa.
3. Reinterpretação da decisão anterior do CNJ
O pedido também requeria a revisão do julgamento anterior do CNJ no Pedido de Providências nº 0007396-96.2016.2.00.0000, que anulou a Portaria 105/2015. O objetivo era obter alinhamento da jurisprudência administrativa do Conselho com o entendimento firmado pelo STF, permitindo, inclusive, a revisão de atos já apreciados se estes estiverem em contradição com decisões de eficácia geral do Supremo Tribunal Federal.
Voto do ministro Mauro Campbell e repercussão jurídica
Embora o ministro Mauro Campbell tenha rejeitado o pedido, reconheceu expressamente a legalidade da anulação das matrículas 726 e 727, destacando que a Corregedoria da Bahia atuou com base em parecer técnico e requerimento do Ministério Público, que apontaram fraude no inventário e uso de certidão de óbito falsa. No voto, afirmou:
“Foi reconhecida a legalidade da atuação da Corregedoria estadual em promover a anulação administrativa das matrículas, com base na Lei nº 6.739/79 e na Súmula 473 do STF.”
O ministro também apontou que a decisão do STF na ADPF 1056 não invalida, mas sim reforça, a legitimidade da atuação da Corregedoria no caso concreto:
“A superveniência da ADPF nº 1056 não tem o condão de invalidar o que foi decidido no PP nº 0007396-96.2016.2.00.0000. Ao contrário, a decisão do STF reforça os fundamentos que embasaram a atuação da Corregedoria no caso concreto.”
No entanto, conforme destaca jurista consultado pela reportagem, o voto de Mauro Campbell apresenta uma imprecisão técnica, ao afirmar que a decisão anterior teria mantido a validade da Portaria 105/2015, quando na verdade ela foi anulada. Ainda assim, o reconhecimento da tese jurídica de que a portaria se amparava em base normativa sólida e em fundamentos que seriam posteriormente confirmados pelo STF representa um avanço argumentativo significativo para o requerente.
Possibilidade de submissão ao STF
Diante da rejeição administrativa pelo CNJ, Domingos Bispo poderá apresentar recurso judicial ao Supremo Tribunal Federal, com base em suposta violação à eficácia vinculante da ADPF 1056. A ação poderia sustentar que a decisão administrativa do CNJ ignora os efeitos vinculantes da decisão da Suprema Corte e, portanto, carece de legitimidade constitucional, configurando hipótese de controle jurisdicional de ato administrativo em desarmonia com precedente vinculante.
A submissão ao STF também poderá suscitar debate sobre a extensão do princípio da segurança jurídica em relação a atos administrativos anulados com base em fatos supervenientes — tema sensível em matéria fundiária, especialmente quando vinculado a grilagens, registros fictícios e corrupção sistêmica no Judiciário, como investigado na Operação Faroeste.
Repercussão
Procurado pela reportagem, Domingos Bispo afirmou que pretende recorrer da decisão, argumentando que houve desvio de finalidade e violação de princípios processuais no julgamento do CNJ. Ele ainda reiterou que buscará a revisão da decisão em instâncias superiores ou, eventualmente, no próprio STF, com base na eficácia vinculante da ADPF 1056.

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