A análise do discurso em Michel Foucault constitui um marco teórico fundamental nas ciências humanas contemporâneas. Mais do que um estudo da linguagem, trata-se de um método genealógico-crítico voltado à compreensão de como os discursos produzem e legitimam relações de poder, operando na constituição de saberes, instituições e subjetividades. Essa abordagem rompe com concepções tradicionais do discurso como simples reflexo da realidade ou expressão da intenção do sujeito.
Fundamentos teóricos da análise do discurso em Foucault
Discurso como prática institucionalizada
Segundo Foucault, o discurso deve ser entendido como “um conjunto de enunciados que remetem a um mesmo sistema de formação” (A arqueologia do saber, 1969). Nesse sentido, ele não se reduz à fala ou à escrita, mas configura um conjunto de regras e práticas sociais que definem o que pode ser dito, por quem, e com qual autoridade.
Foucault afirma:
“Não há discurso que não se inscreva em um campo de poder; e não há poder que não se exerça por meio da produção e da ordenação de discursos.”
(Microfísica do poder, 1979)
A linguagem, portanto, é um instrumento de normatização social, sendo o discurso o local onde se produzem, regulam e disseminam verdades. A análise foucaultiana busca, assim, compreender as condições históricas de possibilidade dos enunciados.
Poder-saber: dupla operação do discurso
Na obra Vigiar e punir (1975), Foucault introduz o conceito de poder-saber, que articula a produção de conhecimento à manutenção de estruturas de controle social. O discurso, nesse contexto, não é apenas reflexo do poder, mas seu operador fundamental, pois é por meio dele que as instituições moldam comportamentos, identidades e corpos.
“O saber não é feito para compreender, mas para tomar o poder.”
(Microfísica do poder, p. 16)
Genealogia: método histórico-crítico
Em A vontade de saber (1976), Foucault propõe o método genealógico como alternativa à história linear e progressiva. Inspirado em Nietzsche, o filósofo procura desnaturalizar o discurso, mostrando que as verdades são efeitos históricos contingentes, produzidos por lutas e estratégias de dominação.
“A genealogia é cinza, paciente e meticulosa. Trabalha nos arquivos. Trabalha nos documentos.”
(Em defesa da sociedade, 1976)
A genealogia examina as rupturas, descontinuidades e transformações nos regimes de saber, buscando evidenciar os dispositivos que organizam o campo do dizível.
Formação discursiva, exclusão e normalização
Em A arqueologia do saber, Foucault conceitua formação discursiva como um conjunto de regras que delimitam a produção de enunciados em determinados domínios, como o jurídico, o científico ou o médico. Esses discursos excluem o que é considerado desautorizado, criando fronteiras entre o verdadeiro e o falso.
Entre os mecanismos de exclusão do discurso, Foucault identifica:
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Proibição: controle do que pode ou não ser dito;
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Divisão entre razão e loucura: separação entre o discurso autorizado e o desqualificado;
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Vontade de verdade: constituição de um discurso científico como normativo.
A escola, a clínica, a prisão e o hospício são analisados como espaços institucionais onde esses discursos operam a normalização dos corpos e das condutas.
Aplicações práticas e contribuições críticas
A análise foucaultiana do discurso tem sido aplicada a diversos campos de investigação:
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Educação: estudo das práticas pedagógicas como formas de disciplinamento e hierarquização de saberes;
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Mídia e comunicação: análise das narrativas jornalísticas como dispositivos de produção da verdade e reprodução de hegemonias;
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Saúde e medicina: crítica aos discursos biomédicos que patologizam o corpo e a mente;
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Justiça e direito: investigação das formas como o discurso jurídico legitima punições e sustenta a autoridade do Estado.
Obras como História da sexualidade, Vigiar e punir e A ordem do discurso têm servido como base teórica para a formulação de estudos discursivos críticos, com foco na desconstrução de normas sociais e na problematização da subjetividade.
Ruptura epistemológica
A análise do discurso em Michel Foucault representa uma ruptura epistemológica com as abordagens clássicas da linguagem, ao propor que o discurso não reflete a realidade, mas a constitui historicamente, sob a ação de dispositivos de poder. Com uma base teórica rigorosa, método genealógico e crítica à normatividade, a abordagem foucaultiana oferece ferramentas analíticas para a compreensão das formas sutis e difusas de dominação que operam por meio da linguagem. Trata-se de uma contribuição essencial para os estudos contemporâneos em ciências sociais, humanas e comunicacionais.
Autores e obras complementares
Para aprofundamento teórico e metodológico, destacam-se os seguintes autores e obras que expandem ou dialogam com a análise foucaultiana do discurso:
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Judith Butler – Problemas de Gênero (1990): articula discurso e performatividade na constituição de identidades de gênero;
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Stuart Hall – A identidade cultural na pós-modernidade (1992): discute o papel do discurso na construção cultural da identidade;
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Norman Fairclough – Language and Power (1989): desenvolve a Análise Crítica do Discurso, incorporando categorias marxistas à perspectiva foucaultiana;
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Teun van Dijk – Discourse and Power (2008): destaca a relação entre discurso, cognição e poder na produção de ideologias.
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