A Bahia registrou 6.036 Mortes Violentas Intencionais (MVI) em 2024, com uma taxa de 40,6 por 100 mil habitantes, segundo o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O estado ocupa a segunda posição nacional, atrás apenas do Amapá, e quase dobra a média nacional (20,8). Embora tenha havido uma redução de 8,4% em relação a 2023, os dados confirmam a persistência de um cenário estruturalmente violento.
Principais fatores que explicam a violência na Bahia
1. Alta taxa de homicídios e mortes violentas intencionais
Com 4.308 homicídios dolosos, 97 latrocínios e 1.556 mortes por intervenção policial, a Bahia permanece entre os estados mais violentos do país. Cinco das dez cidades com maiores taxas de homicídio estão localizadas em território baiano:
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Jequié: 77,6 por 100 mil
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Juazeiro: 76,2 por 100 mil
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Camaçari: 74,8 por 100 mil
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Simões Filho: 71,4 por 100 mil
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Feira de Santana: 65,2 por 100 mil
Em Salvador, a taxa foi de 52,0 por 100 mil habitantes, posicionando a capital como a 10ª mais violenta entre as capitais brasileiras.
2. Letalidade policial e uso desproporcional da força
A taxa de mortes por intervenção policial chegou a 10,5 por 100 mil habitantes, uma das mais elevadas do país, correspondendo a 25,8% de todas as MVIs no estado. Esse percentual permanece estável desde 2023.
Em municípios como Jequié, mais de 34% das mortes violentas foram causadas por agentes do Estado. O perfil das vítimas demonstra uma realidade estrutural:
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99,2% são homens
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82% são negros
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77,2% foram mortos por arma de fogo
3. Expansão e interiorização de facções criminosas
Facções como o Bonde dos Malucos (BDM), Comando Vermelho (CV) e seus dissidentes, como o grupo Honda, ampliaram sua atuação, impulsionando disputas territoriais pelo tráfico de drogas, especialmente em cidades do interior e da Região Metropolitana de Salvador. Esse fenômeno explica o aumento da violência em municípios distantes, como Juazeiro, a 500 km da capital.
4. Predominância da violência armada
73,8% das vítimas de MVI foram assassinadas com armas de fogo, refletindo o alto índice de circulação de armamento ilegal. A ausência de políticas eficazes de controle de armas é um fator que perpetua esse padrão.
5. Perfil das vítimas revela desigualdade estrutural
Os dados demográficos demonstram o impacto concentrado sobre grupos vulneráveis:
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91,1% são homens
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79% são negros
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48,5% têm até 29 anos
Esse perfil reforça a conexão entre racismo estrutural, exclusão social e vitimização juvenil.
6. Violência contra crianças e adolescentes
Ao contrário da tendência nacional, a Bahia registrou aumento nas mortes violentas de crianças e adolescentes. Casos de abuso sexual, maus-tratos e aliciamento de menores também cresceram, evidenciando falhas sistêmicas na rede de proteção infantojuvenil.
7. Criminalidade patrimonial e violência urbana
Salvador figura entre as quatro capitais com maior índice de furtos e roubos de celulares. Os crimes contra transeuntes, estabelecimentos comerciais e residências permanecem em níveis elevados, refletindo deficiências no policiamento ostensivo e preventivo.
8. Déficits estruturais na segurança pública
Apesar do aumento de recursos destinados ao setor, a Bahia enfrenta baixa eficiência na gestão da segurança pública, marcada pela falta de integração entre polícias, sistema judiciário e setor socioeducativo. A fragilidade na articulação institucional contribui para impunidade e reincidência criminal.
Diagnóstico da violência na Bahia e propostas de soluções estruturais
A leitura dos dados do Anuário evidencia que a Bahia vive uma crise estrutural na segurança pública, alimentada por fatores históricos, sociais e institucionais. O estado lidera indicadores negativos e carece de uma resposta estratégica e intersetorial.
Diagnóstico da Violência na Bahia
1. Letalidade policial elevada
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Problema: Quase 26% das MVIs decorrem de ações policiais.
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Implicação: Revela uso excessivo da força e ausência de controle externo efetivo.
2. Atuação de facções e disputas territoriais
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Problema: Facções controlam territórios urbanos e periféricos.
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Implicação: A violência é organizada e territorializada, com foco no tráfico.
3. Interiorização da violência
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Problema: Municípios distantes da capital concentram altos índices de homicídios.
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Implicação: Expansão do crime sem contrapartida do Estado.
4. Perfil concentrado das vítimas
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Problema: Juventude negra e periférica é maioria entre as vítimas.
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Implicação: Confirma padrões de exclusão estrutural e seletividade da violência.
5. Acesso facilitado a armas de fogo
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Problema: Quase 3/4 das MVIs envolvem armamento ilegal.
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Implicação: Falência do sistema de fiscalização e controle de armas e munições.
6. Ineficiência da gestão da segurança pública
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Problema: Falta de integração e foco excessivo no confronto armado.
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Implicação: O policiamento é reativo, pouco preventivo e ineficaz.
Soluções para Reduzir a Violência na Bahia
I. Reforma da política de segurança pública
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Criação de um Plano Estadual de Segurança e Prevenção Social, com metas e indicadores.
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Integração operacional entre as polícias Civil e Militar.
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Formação com ênfase em direitos humanos e técnicas de desescalada.
II. Controle de armas e munições
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Fiscalização intensiva do comércio e circulação de armas.
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Sistema de rastreamento de munições, com transparência pública.
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Campanhas de desarmamento voluntário, com incentivos.
III. Política de combate às facções
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Forças-tarefa integradas entre MP, PF, polícias e sistema penitenciário.
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Isolamento de lideranças criminosas em presídios federais.
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Presença qualificada do Estado em áreas dominadas por facções.
IV. Prevenção social e proteção à juventude
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Expansão de escolas de tempo integral com atividades extracurriculares.
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Políticas de inclusão e qualificação para jovens negros e periféricos.
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Reforço da rede de proteção à infância, incluindo CREAS e Conselhos Tutelares.
V. Revisão e controle da atuação policial
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Autonomia e estrutura para a Ouvidoria da Polícia e o MP.
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Transparência nas ações policiais, com uso de câmeras corporais e perícia independente.
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Valorização da carreira policial, com foco em meritocracia e saúde mental.
VI. Combate à desigualdade racial e social
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Metas de equidade racial nas políticas públicas.
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Requalificação urbana de bairros periféricos.
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Fortalecimento da participação comunitária no controle social da segurança.
Reflexo de uma crise estrutural
A violência na Bahia é reflexo de uma crise estrutural que não será solucionada apenas com repressão policial. A superação do quadro exige a retomada de territórios dominados por facções, o controle do uso da força, a proteção da juventude negra e a criação de um modelo de segurança centrado na prevenção, justiça e cidadania. Sem isso, a queda pontual nos indicadores será apenas circunstancial e não uma inflexão real no padrão de violência vigente.
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