Senado impõe sigilo de 100 anos sobre visitas do Careca do INSS; Suposto crime é recompensado com proteção

Na sexta-feira (25/07/2025), o Senado impôs sigilo de 100 anos aos registros de entrada de Antonio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, alegando proteção de dados pessoais. A decisão contraria parecer da CGU e ocorre em meio a investigações da PF sobre fraudes bilionárias contra aposentados. O caso escancara como o poder político utiliza dispositivos legais para proteger operadores influentes, reforçando uma cultura de impunidade e cleptocracia institucionalizada no Brasil.
Investigado por fraudes bilionárias no INSS, o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como "Careca do INSS", teve seus registros de entrada no Senado colocados sob sigilo, em decisão que contraria a CGU e impede o acesso público às informações.

Na sexta-feira (25/07/2025), o Senado Federal comunicou, por meio de resposta à Lei de Acesso à Informação (LAI), a imposição de sigilo de 100 anos sobre os registros de entrada do lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS, nas dependências da Casa. O argumento utilizado foi o de que os dados solicitados têm “caráter pessoal”, amparado na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e no Decreto nº 7.724/2012.

Sigilo legal x interesse público

A solicitação foi realizada com base na LAI no dia 2 de julho. Em resposta, o Senado alegou que os registros se referem a pessoa natural identificada, invocando dispositivos da LGPD e do Decreto 7.724/2012, o que justificaria a imposição de sigilo por 100 anos.

“Os dados solicitados consistem em informações de caráter pessoal”, afirmou a Casa, citando os artigos 55 e seguintes do decreto, além dos artigos 5º e 7º da LGPD.

A justificativa contraria o entendimento da Controladoria-Geral da União (CGU), que considera haver interesse público evidente na divulgação de registros de entrada em órgãos públicos. Segundo a CGU:

“O cotejamento dos registros de entrada/saída com a publicação das agendas de autoridades permite identificar irregularidades e indicar conflitos de interesse.”

Encontros com autoridades e favorecimento político

O lobista já foi recebido pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA) em pelo menos três ocasiões, conforme o próprio parlamentar reconheceu à imprensa. Em 13 de março de 2023, Adroaldo da Cunha Portal, atual secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, também recebeu o lobista em reunião fora da agenda oficial.

Adroaldo alegou desconhecimento da identidade de Careca do INSS e justificou o encontro como um atendimento espontâneo, a pedido de uma assessora.

Importa destacar que Adroaldo foi chefe de gabinete de Weverton Rocha, o mesmo parlamentar que indicou André Fidélis, ex-diretor de Benefícios do INSS, afastado em 2024 sob suspeita de participação no esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões.

Câmara dos Deputados divulga dados; Senado recua

Diferentemente do Senado, a Câmara dos Deputados atendeu à mesma solicitação da imprensa, informando que não há registros de entrada de Antonio Antunes desde 1º de janeiro de 2019. A divergência de conduta institucional reforça o debate sobre transparência ativa e accountability no Legislativo Federal.

Operação Sem Desconto e demissões

As denúncias envolvendo o “Careca do INSS” foram reveladas pelo portal Metrópoles a partir de dezembro de 2023, levando à abertura de inquérito pela Polícia Federal e à operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril de 2025.

Com base nas apurações, foram exonerados o presidente do INSS e o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. A PF listou 38 reportagens do Metrópoles como peças indiciárias da atuação do esquema.

Patrimônio suspeito e continuidade das atividades

Em maio, a PF apreendeu carros de luxo do lobista, como BMW M135i e Porsche 911 Carrera GTS, estacionados em edifício no Setor Bancário Norte, em Brasília. A frota foi denunciada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF).

Apesar do cerco policial, Antunes montou nova empresa de call center, voltada para crédito consignado a aposentados, no mesmo endereço onde funcionavam suas empresas anteriores (Truetrust e Callvox). A atuação empresarial prossegue, mesmo sob investigação.

Além disso, três entidades investigadas ingressaram com ações no TJDFT contra o lobista, cobrando R$ 647,4 mil por desfiliações de associados.

Quando o poder garante impunidade

O episódio envolvendo o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, traz à tona uma prática recorrente no sistema político-institucional brasileiro: a instrumentalização das estruturas estatais para a proteção de interesses ilícitos. A imposição de sigilo de 100 anos sobre os registros de entrada do investigado no Senado Federal, sob o argumento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), representa não apenas um obstáculo à transparência, mas também um sintoma da cleptocracia institucionalizada que corrói os fundamentos republicanos.

A simbiose entre poder e corrupção

A permanência de vínculos políticos e empresariais de indivíduos sob investigação criminal é reveladora da tolerância estrutural ao crime quando associado ao poder. A resposta do Senado à solicitação via Lei de Acesso à Informação (LAI) não só ignora o princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos, como também banaliza o acesso à informação em nome da proteção de interesses particulares — neste caso, de um lobista investigado por fraudes bilionárias contra o INSS.

A proteção jurídica alegada pode ser formalmente legítima, mas revela-se politicamente disfuncional e eticamente questionável. O argumento da privacidade é invocado para resguardar figuras privilegiadas, desviando-se da finalidade original da LGPD, que foi concebida para proteger os dados pessoais dos cidadãos comuns — não para blindar operadores de esquemas ilícitos em estruturas estatais.

Sigilo como estratégia de blindagem institucional

A recusa em divulgar os registros de entrada de Antunes no Congresso Nacional, mesmo em contexto de investigação criminal conduzida pela Polícia Federal e CGU, revela uma prática estatal recorrente: o uso seletivo do sigilo como instrumento de proteção das elites políticas e econômicas. Não se trata de preservar a integridade da administração pública, mas de blindar conexões sensíveis entre lobistas e parlamentares, ministros e altos funcionários do Estado.

Esse padrão de comportamento configura o que especialistas denominam cleptocracia estrutural, um regime informal em que os mecanismos legais são utilizados para assegurar a impunidade dos bem relacionados. O crime, nesse contexto, não apenas compensa: ele se sustenta pela cumplicidade tácita entre os poderes da República.

O enfraquecimento da ética pública

O caso do “Careca do INSS” é apenas uma manifestação de um processo mais amplo de degradação da ética pública no Brasil. A naturalização da impunidade e a captura das instituições por interesses corporativos e políticos resultam em um Estado patrimonialista, onde a distinção entre público e privado se dissolve em alianças de conveniência.

Enquanto a maioria dos cidadãos enfrenta exposição midiática, repressão judicial e ausência de garantias legais, os agentes conectados às estruturas do poder contam com uma rede de proteção interinstitucional que inclui congressistas, juízes, procuradores e assessores. Trata-se de uma aplicação seletiva do direito, em que a lei atua com rigor sobre os vulneráveis e com condescendência sobre os privilegiados.

A crise da moralidade administrativa

A não responsabilização efetiva de figuras centrais em esquemas de corrupção — como Antunes —, combinada com o silêncio institucional do Senado, demonstra que a moralidade administrativa cedeu espaço a pactos de autopreservação entre as elites dirigentes. O sigilo de 100 anos é, nesse contexto, símbolo e ferramenta da manutenção do status quo, uma forma de apagar rastros e impedir o escrutínio público sobre as relações promíscuas entre agentes públicos e operadores do sistema.

Mais do que uma simples decisão administrativa, esse tipo de ato compromete os valores republicanos fundamentais, como a transparência, a accountability e o interesse público. Ao invés de ser exceção, o sigilo torna-se regra tácita de governabilidade paralela, sustentando uma lógica de poder baseada na impunidade endógena.

Caminhos para reconstrução institucional

A superação desse estado de coisas exige reformas estruturais profundas, com foco na ampliação dos mecanismos de controle social, revisão dos critérios de sigilo, fortalecimento das instituições de fiscalização e responsabilização objetiva dos envolvidos em práticas ilícitas. O acesso à informação pública, sobretudo em casos que envolvem recursos estatais, políticas sociais e atores influentes, deve ser tratado como direito fundamental e elemento constitutivo da democracia.

Não basta modificar leis; é necessário transformar a cultura política de conivência, restaurar o compromisso com a ética republicana e reverter a lógica perversa segundo a qual o poder é escudo contra a justiça.

*Com informações do site Metrópoles.


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