O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), por maioria de votos (14 a 8), rejeitou nesta quarta-feira (30/07/2025) a arguição de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 9.233/2017, que autoriza a Prefeitura de Salvador a desafetar e alienar áreas públicas com o objetivo de destinar os recursos à implantação de equipamentos de interesse coletivo e social.
A decisão foi proferida no processo nº 8003042-66.2024.8.05.0000, julgado pelo Órgão Especial do TJBA, tendo como relatora a Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia. A sessão de julgamento ocorreu no dia 30 de julho de 2025 e analisou pedido formulado no âmbito de ação popular proposta pelo ex-vereador e atual presidente da Conder, José Gonçalves Trindade.
Fundamentação: defesa da autonomia municipal e da discricionariedade administrativa
Em seu voto condutor, a desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia rejeitou os argumentos do autor e afirmou que a norma impugnada encontra respaldo na Constituição Federal (art. 30, I e VIII) e na Lei Orgânica do Município de Salvador, que conferem ao ente local competência para legislar sobre uso do solo e gestão de seu patrimônio.
A relatora destacou ainda que a desafetação de bens públicos, quando motivada e respaldada por lei aprovada pelo Legislativo municipal, constitui um instrumento legítimo de política urbana e não configura, por si só, violação a princípios constitucionais.
“A decisão de desafetar um bem público para posterior alienação, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento urbano, constitui ato administrativo discricionário, cabendo ao Judiciário apenas verificar se há violação direta à Constituição, e não substituir-se ao administrador público no juízo de conveniência”, argumentou Rosita.
Participação popular e transparência legislativa
Outro ponto sensível levantado pelo autor da ação foi a suposta ausência de participação popular efetiva no processo de formulação da norma. No entanto, o TJBA refutou essa alegação, destacando a realização de três audiências públicas promovidas por comissões da Câmara Municipal, com ampla participação da sociedade civil, representantes da UFBA, do Ministério Público da Bahia (MPBA) e de parlamentares da oposição.
Além disso, foi formalizado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o município e o MPBA, o que, na avaliação do TJBA, fortaleceu a legitimidade e a legalidade do processo legislativo, conforme reconhecido também pela Procuradoria de Justiça em parecer técnico.
Estudos técnicos e suficiência jurídica
Em relação à suposta insuficiência técnica dos estudos que embasaram a desafetação, o TJBA reconheceu a validade do documento elaborado pela Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz), denominado “Identificação das Áreas e Verificação das Condições”. O estudo foi considerado juridicamente adequado para avaliar o potencial de alienação patrimonial das áreas, ainda que não tenha sido subscrito por urbanistas ou especialistas ambientais.
“Exigir um Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para desafetação de áreas urbanas já consolidadas, sem previsão legal para tanto, equivaleria a impor formalidade indevida e a invadir a esfera administrativa do Município”, pontuou o voto-vista do desembargador Roberto Maynard Frank, ao acompanhar a relatora.
Impactos sociais e preservação da segurança jurídica
A Corte também levou em consideração os efeitos concretos já produzidos pela aplicação da lei, entre eles a construção do Hospital Municipal de Salvador e do Centro de Convenções de Salvador, considerados investimentos de interesse coletivo.
“Anular a lei neste momento geraria caos administrativo e grave prejuízo à população, com potencial para desestruturar políticas públicas consolidadas e afetar diretamente o erário e a estabilidade institucional”, alertou o TJBA.
A decisão reitera jurisprudência do STF e do STJ, que reconhecem a legitimidade do poder municipal para redefinir a destinação de bens públicos, desde que observados os princípios da legalidade, da função social da propriedade e da supremacia do interesse público.
Dispositivos questionados e conclusão do julgamento
A arguição de inconstitucionalidade questionava a conformidade da Lei 9.233/2017 com o artigo 225 da Constituição Federal, que trata da proteção ambiental, e com o artigo 214 da Constituição do Estado da Bahia, relativo à promoção da qualidade ambiental e à participação popular. No entanto, os desembargadores entenderam que não houve violação direta a tais dispositivos, tampouco indícios de dano ecológico concreto.
Com isso, o TJBA declarou a improcedência da arguição de inconstitucionalidade, reconhecendo a constitucionalidade da Lei 9.233/2017 em todos os seus termos.
DADOS DO PROCESSO
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Número do processo: 8003042-66.2024.8.05.0000
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Classe: Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível
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Relatora: Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia
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Órgão julgador: Órgão Especial do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA)
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Data do julgamento: 30 de julho de 2025
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Resultado: Arguição de inconstitucionalidade julgada improcedente (por maioria: 14 a 8)
PARTES ENVOLVIDAS
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Arguinte (autor): José Gonçalves Trindade (ex-vereador e atual presidente da Conder)
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Advogados do arguinte: Fernanda Andrade Carvalho, Pollyana Costa Regebe, Ana Carolina Pinto de Abreu, Bernardo Amorim Chezzi
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Arguido (réu): Município de Salvador
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Advogada do arguido: Lisiane Maria Guimarães Soares
LEI QUESTIONADA
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Lei Municipal nº 9.233/2017
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Autoriza a desafetação e alienação de áreas públicas em Salvador
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Objetivo: viabilizar investimentos de interesse coletivo e social
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Exemplos de áreas desafetadas: códigos A003, A005, A049, A050, A057 e A062
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FUNDAMENTOS DA DECISÃO
Fundamentos a favor da constitucionalidade
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Respeito à separação dos poderes
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Ato administrativo discricionário (não sujeito à análise de mérito pelo Judiciário)
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Estudo técnico apresentado pela Secretaria da Fazenda foi considerado suficiente
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Participação popular garantida por meio de 3 audiências públicas
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Celebração de TAC com o MP-BA
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Ato conforme à Lei Orgânica Municipal e à Constituição Federal (arts. 30 e 182)
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Observância à função social da propriedade e do interesse público
Argumentos da parte autora
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Suposta falta de estudos técnicos urbanísticos e ambientais adequados
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Alegação de ausência de participação popular efetiva
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Suposta violação ao art. 225 da CF/88 e art. 214 da Constituição da Bahia
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Questionamento sobre a alienação de áreas verdes e descaracterização do uso original
EFEITOS CONCRETOS DA LEI
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Construção do Hospital Municipal de Salvador
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Construção do Centro de Convenções de Salvador
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Viabilização de investimentos públicos vultosos
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Alienação de áreas urbanas sem função pública consolidada
JURISPRUDÊNCIA E PRINCÍPIOS INVOCADOS
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Princípio da segurança jurídica
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Princípio da função social da propriedade
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Competência municipal (CF, art. 30, I e VIII)
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Precedentes do STF e do STJ: deferência ao gestor público e controle limitado de constitucionalidade em atos discricionários
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STF: ADI 3.395/DF, ADI 4.029/DF
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STJ: REsp 302.906/SP, REsp 994.120/RS, REsp 1.367.923/RJ
DOCUMENTAÇÃO CONSIDERADA
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Estudo da SEFAZ: “Identificação das Áreas e Verificação das Condições”
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Ofícios e atas das audiências públicas
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Matérias da imprensa local (comprovação de divulgação)
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Termos de Ajustamento de Conduta nº 05/2017 com o Ministério Público
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