A CPI da pelegada | Por Luiz Holanda

Polícia Federal e CGU revelam fraude de R$ 6,3 bilhões em aposentadorias; Congresso instala CPI sob comando da oposição, com foco em entidades sindicais e ligação política sensível.
Polícia Federal e CGU revelam fraude de R$ 6,3 bilhões em aposentadorias; Congresso instala CPI sob comando da oposição, com foco em entidades sindicais e ligação política sensível.

O termo “pelego”, em nossa história, teve origem no governo de Getúlio Vargas (1930-1945), quando o Estado incentivou a formação de sindicatos sob a liderança de sindicalistas que se beneficiavam da estrutura de poder criada por Vargas. Seus líderes ocupavam posições praticamente em todos os ministérios e órgãos governamentais, usufruindo das benesses do poder e agindo sob as ordens do ditador para evitar qualquer greve ou movimento que pudesse desestabilizar o regime. Nesse contexto, “pelego” designava os líderes que atuavam a favor do governo como “amaciadores” da classe trabalhista.

Registre-se que nem todo sindicato é composto por pelegos. Mas os que são aumentaram muito, principalmente depois que o PT chegou ao poder. Seus dirigentes estão incrustados nos 16720 sindicatos com registro ativo, sendo 11478 de trabalhadores e 5242 de empregadores, fora as confederações, federações e centrais sindicais. Só em 2017 foram abertos 289 novos sindicatos no país. De lá para cá diminuiu um pouco por causa da desobrigação da famigerada contribuição obrigatória retirada do salário do trabalhador. Esse excessivo volume de entidades era sustentado pela Contribuição Sindical (imposto) recolhida obrigatoriamente pelos empregadores no mês de janeiro, e pelos trabalhadores no mês de abril de cada ano. Foi extinta pela reforma trabalhista que entrou em vigor em novembro de 2016, mas já está de volta. Os sindicatos, segundo dados publicados, receberam nesse ano R$ 3,5 bilhões dos trabalhadores. Em 2017, a soma chegou a R$ 3,54 bilhões.

Agora, a Polícia Federal e a CGU (Controladoria Geral da União) descobriram um golpe de até R$ 6,3 bilhões em aposentados e pensionistas praticado pela pelegada, enquadrando 11 entidades de classe e mais de 31 suspeitas de cobrarem “mensalidade associativa” sem autorização. Esse tipo de mensalidade é descontado na folha de pagamento do INSS a aposentados e pensionistas. Consta que inúmeras associações assinaram Acordos de Cooperação Técnica com o INSS permitindo o desconto nos proventos dos beneficiários que, em troca, teriam auxílio jurídico e assistência médica. O débito era autorizado no aplicativo “Meu INSS” por meio de assinatura eletrônica e biometria.

Entre essas associações está a do irmão de Lula, José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, diretor vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), um dos alvos da operação da Polícia Federal contra fraudes no INSS. Esses descontos vêm de anos. Entre 2016 e 2024 foram 1.374 com base em autorizações que jamais foram dadas. A CGU procurou os beneficiários entrevistando presencialmente 1.273 aposentados ou pensionistas para perguntar se eles teriam autorizado a cobrança. Descobriram que centenas de milhares de aposentados jamais haviam dado qualquer autorização para descontos em suas aposentadorias. Das 33 entidades que efetuaram os descontos, 31 são suspeitas de cobrarem mensalidade irregular. Para 21 entidades, 100% dos entrevistados disseram não ter autorizado o desconto. Para sete entidades, esse percentual variou de 71% a 99%, e, para as três restantes, essa proporção variou de 17% a 33%. A CGU realizou auditoria em 29 das 31 entidades. A auditoria antecedeu as entrevistas em campo.

Diante disso, o Congresso resolveu criar uma CPI para investigar o caso. Quem vai comandá-la é a oposição, que derrotou o indicado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e elegeu o senador Carlos Viana (Podemos-MG) como presidente da CPMI. O indicado para o cargo, com apoio do Palácio do Planalto, era o senador Omar Aziz, mas a escolha não foi bem-recebida pela oposição, que articulou horas antes o lançamento de uma candidatura alternativa. Sem consenso, a eleição, que tradicionalmente ocorre de forma simbólica, precisou ser feita por cabines de votação. O resultado foi uma derrota para o Planalto e para Alcolumbre: Carlos Viana foi eleito por 17 votos a 14. O problema é que essa CPMI, como as demais, deve terminar em pizza. Veja-se, por exemplo, como terminou a CPMI da Covid: solicitaram o arquivamento das denúncias, que virou alvo de críticas por parte de membros da CPI. Após a decisão da vice-procuradora-geral da República optando pelo arquivamento, sete senadores integrantes da Comissão solicitaram a abertura de um inquérito para investigar a ação. A CPI da Pandemia é um exemplo emblemático do potencial e das contradições desse mecanismo de investigação. Embora sejam instrumentos formais de fiscalização, nem sempre resultam em responsabilização dos envolvidos. Daí um questionamento recorrente na opinião pública: afinal, as CPIs acabam sempre em pizza? Pelo visto, sim.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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