Guerra entre os poderes | Por Luiz Holanda

A crescente disputa entre Executivo, Legislativo e Judiciário coloca em xeque o equilíbrio democrático brasileiro. O fortalecimento do Congresso no orçamento, as decisões monocráticas do STF e a perda de autoridade do Executivo revelam uma crise estrutural das instituições. A falta de harmonia entre os poderes amplia a percepção de impunidade, fragiliza a legitimidade democrática e aprofunda a instabilidade política do país.
Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal ampliam embates institucionais, expondo fragilidades do equilíbrio democrático no país.

É consenso universal que quando os poderes se estranham a democracia entra em colapso. As três esferas de governo (Legislativo, Executivo e Judiciário), atuando com independência e autonomia, formam o tripé da democracia. Qualquer disputa entre elas causa instabilidade política com perda da qualidade da democracia. O equilíbrio entre os poderes é um dos princípios do nosso ordenamento jurídico, cuja separação não consiste na divisão do poder em si, pois este tem como característica a unidade, mas a uma divisão de funções, de modo que cada poder desempenha uma função específica, sem que haja concentração em um único órgão.

Essa separação tem como fundamento a especialização funcional e a independência orgânica, significando que, além da especialização, cada órgão é efetivamente independente dos outros, com total ausência de meios de subordinação. Trata-se de uma forma de organização jurídica das manifestações de cada poder, cujo princípio vem desde Aristóteles, que em sua obra “A Política” analisou a formação do Estado em busca da melhor forma de governo para os seus cidadãos. Daí a ideia de distribuir as funções do Poder para evitar sua concentração nas mãos de um único indivíduo.

No Brasil, por incrível que pareça, o conflito entre os poderes decorre da Constituição de 1988. Com ela o Congresso se apropriou de competências e prerrogativas que eram próprias do Executivo num regime presidencialista. Agora temos uma espécie de Parlamentarismo congressual no qual o presidente da Câmara tem mais poder que o presidente da República nas decisões sobre o orçamento do governo, como, por exemplo, no caso do veto do presidente Lula a 5,6 bilhões previstos para emendas de comissão. O veto mostrou o incômodo do presidente da República com a política do então presidente da Câmara, Arthur Lira e seus aliados, ao ampliar cada vez mais o chamado orçamento impositivo.

Com as decisões monocráticas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, corrupção generalizada, a impunidade institucionalizada e a ameaça constante do Supremo aos parlamentares, senadores e deputados tentam apresentar projetos de lei destinados a limitar os poderes desse tribunal. A impunidade institucionalizada deve ser o tom desses projetos, pois nossos representantes contam com a apatia do povo para praticar atos de efeitos danosos. O Senado já aprovou, no ano passado, limites à prática de decisões burocráticas dos ministros da Corte, algo que o próprio STF já tinha regulado, mas o Congresso quer ir além na limitação das prerrogativas do Supremo. Quer, inclusive, mudar a competência para julgar deputados e senadores. A premissa é de que o Supremo invadiu áreas de competência do Parlamento, como no caso do Marco Temporal, ameaças generalizadas contra parlamentares e questões relativas ao uso de drogas.

O STF tem autorizado ações da Polícia Federal quando existem indícios de crimes cometidos por parlamentares. Abre inquérito e julga ex-presidente da República desrespeitando a própria Constituição, que estipula que a competência para julgar criminalmente ex-presidente da República é da primeira instância. Se não houver um freio, o conflito pode se agravar. A quebra da harmonia entre os poderes não esconde, contudo, problemas reais do funcionamento das instituições democráticas. As decisões monocráticas, que permitem a um único ministro decidir pelo colegiado, é uma das insatisfações do povo e do próprio Congresso.

Veja-se, por exemplo, a decisão solitária do ministro Dias Toffoli suspendendo uma multa de R$ 2,7 bilhões que a Odebrecht tinha se comprometido a pagar em virtude da sua participação nos casos de corrupção na Petrobras. Os diretores da empresa confirmaram o conluio entre esta e o governo na corrupção descoberta pela Lava Jato. Mesmo assim, ficaram isentos do pagamento da multa. Recentemente, o beneficiado foi João Vaccari Neto, ex-secretário do PT. Toffoli anulou todos os atos da Lava Jato contra o petista. O próximo a ser beneficiado será o ex-governador Cabral, do Rio de Janeiro, aquele que disse que o poder e o dinheiro era um vício. Todos são inocentes. A roubalheira é invenção da Lava Jato. A decisão monocrática de Toffoli aumentou o descrédito e a desconfiança de parcelas majoritárias da população com instituições como o Judiciário. Agora, o conflito entre os poderes ameaça a sua eficiência e a sua capacidade de responder as críticas da opinião pública. Além disso, num contexto em que a democracia está em crise em toda parte do mundo, esse conflito reforça a tendência à perda de legitimidade, que é muito importante para a democracia ter capacidade de resolver em paz as desavenças de sociedades complexas e desiguais como o Brasil.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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