Filme Luta de Classes, de Spike Lee, adapta Kurosawa e encerra com final musical surpreendente na voz de Aiyana-Lee com audição de Denzel Washington

No epílogo, King abandona a Stackin’ Hits e inicia um novo selo independente. O filme se encerra com a descoberta de Sula (Aiyana-Lee), jovem cantora que interpreta a música-título Highest 2 Lowest, em uma cena que funciona como metáfora de redenção e reconciliação social.
Remake de Céu e Inferno, dirigido por Spike Lee, reúne suspense policial, dilemas éticos e música como redenção, com Denzel Washington e final marcante na Apple TV+.

O filme “Luta de Classes” (Highest 2 Lowest), dirigido por Spike Lee e lançado em 2025, apresenta-se como um ousado remake norte-americano de Céu e Inferno (1963), de Akira Kurosawa, inspirado também no romance O Resgate do Rei (1959), de Ed McBain. Estrelado por Denzel Washington, Jeffrey Wright, Ilfenesh Hadera e ASAP Rocky, o longa combina thriller policial e crítica social, explorando dilemas éticos, desigualdade e ambição, enquanto a música surge como ponte entre mundos em conflito.

Nas cenas finais, a narrativa abandona a tensão do sequestro para destacar a jovem cantora Sula, descoberta pelo filho de King, cuja interpretação de “Highest 2 Lowest” transforma o lar antes marcado pela ansiedade em espaço de esperança e renovação. Essa escolha estética encerra o filme com a música como símbolo de redenção e resistência, ampliando sua dimensão dramática e crítica. A produção, que estreou em Cannes e está disponível na Apple TV+, reafirma a capacidade de Spike Lee de reinterpretar clássicos com vigor contemporâneo.

Trama

O protagonista David King (Denzel Washington) é um magnata da música em Nova York, dono da gravadora Stackin’ Hits Records, considerado um dos melhores olheiros da indústria. Após vender sua participação majoritária, ele tenta recomprar o controle para impedir que uma gravadora rival assuma a empresa. Para levantar os recursos, oferece como garantia quase todos os seus bens, incluindo sua cobertura em Dumbo e uma valiosa coleção de arte negra contemporânea.

O plano sofre um abalo quando o filho de seu motorista, Kyle Christopher, é sequestrado por engano no lugar de Trey King, filho do magnata. O criminoso exige US$ 17,5 milhões em resgate. King e sua esposa, Pam King (Ilfenesh Hadera), concordam inicialmente em pagar, mas a revelação de que o refém não é seu herdeiro o coloca em um dilema ético: salvar a vida de uma criança que não lhe pertence ou preservar o futuro de seu império musical.

Após hesitar, King entrega o dinheiro seguindo instruções detalhadas que envolvem metrô, mochila com GPS e uma perseguição pelas ruas do Brooklyn durante a Parada do Dia de Porto Rico. O plano da polícia fracassa e o dinheiro desaparece, mas Kyle é libertado. Embora celebrado pela opinião pública como herói, King enfrenta cobranças legais por ter violado os termos do contrato de recompra da gravadora.

A trama avança quando Kyle lembra de uma música ouvida no cativeiro. King identifica a faixa como sendo do rapper Yung Felon, ex-presidiário e aspirante a artista de sua gravadora. A investigação oficial descarta a pista, mas King decide agir por conta própria. O confronto final se dá em um estúdio improvisado e culmina em perseguição de metrô, tiroteio e o colapso de Felon, que termina condenado a 25 anos de prisão.

Epílogo: a revelação de Sula e a música como redenção

Nas cenas finais de Luta de Classes, a narrativa abandona a tensão policial e retorna ao espaço íntimo da cobertura de David King. Ali, ele, sua esposa Pam (Ilfenesh Hadera) e o filho Trey recebem Sula (Aiyana-Lee), jovem cantora e compositora descoberta pelo herdeiro. O ambiente fechado, antes marcado pela ansiedade das negociações financeiras e do sequestro, transforma-se em palco de renovação. A performance de Sula, interpretando a canção “Highest 2 Lowest”, não apenas encanta a família King, mas simboliza a possibilidade de um recomeço artístico e humano.

O impacto da cena final ultrapassa a dimensão dramática: ao convidarem Sula para integrar a nova gravadora, os Kings confirmam uma ruptura com o passado corporativo e desigual que sustentava a Stackin’ Hits. A música, antes pano de fundo da trama, assume papel central de reconciliação e esperança. A escolha de Spike Lee de encerrar o filme com um ato performático e musical transforma a obra em uma reflexão sobre a arte como espaço de encontro, redenção e resistência frente às contradições sociais que atravessaram toda a narrativa.

“Highest 2 Lowest”: a canção que encerra o filme de Spike Lee

A música “Highest 2 Lowest”, interpretada pela jovem Sula (Aiyana-Lee) no desfecho de Luta de Classes, sintetiza a essência do filme ao transformar dor e conflito em arte. A letra, que fala de juventude subestimada, resistência frente ao desprezo e renascimento após a queda, ecoa o dilema central vivido por David King: a escolha entre preservar a riqueza ou valorizar a vida humana. A canção funciona como metáfora da superação das desigualdades sociais retratadas ao longo da narrativa.

Ao adotar versos que transitam entre vulnerabilidade e afirmação, a composição amplia o alcance simbólico do longa. O refrão, marcado pela oposição entre “mais alto e mais baixo”, reafirma a ideia de que a experiência humana se constrói entre extremos, mas pode encontrar sentido na resistência e na arte. Mais que um simples encerramento musical, “Highest 2 Lowest” torna-se uma chave de leitura para compreender a mensagem crítica de Spike Lee: a música como espaço de redenção, reconciliação e esperança.

Trecho da letra da música Highest 2 Lowest

Remember the tears, remember my cries,
But now I’m standing, no more lies.
From highest to lowest, I’ve walked through the flame,
I found my voice, and reclaimed my name.

Lembre das lágrimas, lembre-se dos meus gritos,
Mas hoje eu me ergo, sem mais mentiras.
Do mais alto ao mais baixo, caminhei através das chamas,
Encontrei minha voz e recuperei meu nome.

Ascensão e autenticidade de Aiyana-Lee

Aiyana-Lee desponta como uma das vozes mais promissoras da nova geração, unindo força vocal, herança musical e uma narrativa pessoal de superação. Nascida em Londres e hoje radicada em Los Angeles, a artista britânica-americana construiu sua trajetória saindo de uma situação de vulnerabilidade social para o reconhecimento internacional. Seu single viral “My Idols Lied to Me” sintetiza essa jornada e consolidou sua presença digital, atraindo mais de 769 mil seguidores e elogios de figuras de peso como Elton John e Diane Warren.

Carregando o DNA da soul music, Aiyana-Lee é neta de Jimmy Ruffin e sobrinha de David Ruffin, lendário vocalista do The Temptations. Essa linhagem musical reforça a autenticidade de sua obra, que une tradição e inovação. Descoberta por Spike Lee, fez sua estreia no cinema em “Higher to Lowest”, contracenando com Denzel Washington e assinando a poderosa faixa-título da produção. Além disso, brilhou em eventos de grande visibilidade, como a abertura para Lil Wayne e a performance no jantar de 25 anos do BET, consolidando-se como símbolo de resiliência e ascensão artística.

Produção

As filmagens ocorreram em Nova York entre março e maio de 2024, com direção de fotografia de Matthew Libatique e montagem de Barry Alexander Brown e Allyson C. Johnson. A produção envolveu A24, Apple Studios, Escape Artists, Mandalay Pictures e a histórica 40 Acres and a Mule Filmworks, produtora de Spike Lee.

O longa estreou fora de competição no Festival de Cannes em 19 de maio de 2025, foi lançado nos cinemas dos Estados Unidos em 15 de agosto e disponibilizado no Apple TV+ em 5 de setembro de 2025. Com 133 minutos de duração, arrecadou US$ 1,5 milhão em bilheteria inicial.

Música

A trilha sonora, lançada pela A24 Music em 15 de agosto de 2025, foi composta por Howard Drossin, com colaborações de Fergus McCreadie e participação vocal de Aiyana-Lee. São 20 faixas que transitam entre orquestra, jazz e rap, criando paralelos sonoros entre o luxo dos arranha-céus e a dureza das ruas.

Entre os destaques:

  • “Somebody Got Trey”, trilha do sequestro;
  • “Father 2 Son”, momento íntimo entre David e Trey;
  • “The Chase”, cena de perseguição no Brooklyn;
  • “Highest 2 Lowest”, encerramento com interpretação da cantora Aiyana-Lee como a jovem cantora Sula.

Recepção

A crítica internacional recebeu o filme de forma positiva, destacando:

  • Denzel Washington em um de seus papéis mais densos desde Inside Man (2006);
  • a direção de Spike Lee, que atualiza Kurosawa com crítica social aos EUA contemporâneos;
  • a ousadia do final musical, que une teatro, rap e soul em tom brechtiano.

Alguns críticos apontaram que o ritmo irregular da segunda metade prejudica a tensão policial, mas o consenso é que a obra expande o diálogo entre cinema clássico e contemporâneo.

Tensões do capitalismo global

“Luta de Classes” combina thriller policial e comentário social em um exercício que resgata Kurosawa sem abrir mão da identidade autoral de Spike Lee. O dilema de David King reflete de forma aguda as tensões do capitalismo global, em que a vida humana frequentemente é colocada abaixo do lucro, do poder e da reputação.

A escolha de encerrar a narrativa com a música como linguagem de reconciliação social é o gesto mais ousado do diretor. Ao final, entre “céu e inferno”, o filme lembra que apenas a arte pode funcionar como ponte — não apenas como entretenimento, mas como resistência e como possibilidade de transformação diante das contradições que moldam o mundo contemporâneo.

Spike Lee projeta na figura de King o retrato de uma elite cultural e empresarial marcada pelo esgotamento moral: um homem que domina o mercado fonográfico, mas que, diante de uma crise humana, precisa confrontar o vazio ético de sua própria trajetória. A decisão de arriscar tudo para salvar o filho de outro é apresentada não como gesto altruísta imediato, mas como processo doloroso, atravessado por hesitação e cálculo. Essa ambiguidade revela como o capitalismo global reduz o valor da vida a ativos, contratos e cifras, colocando o indivíduo diante da constante negociação entre humanidade e mercadoria.

Ao mesmo tempo, o sequestro e sua resolução expõem a precariedade da justiça em um sistema que privilegia os interesses corporativos. O antagonista Yung Felon, jovem artista marginalizado e criminalizado, simboliza o outro lado dessa engrenagem: talento aprisionado pela exclusão social, que reage com violência à estrutura que o rejeita. A música final de Sula, ao emergir como gesto de redenção, contrapõe-se a esse ciclo de opressão, lembrando que, mesmo em um contexto dominado por desigualdade e poder financeiro, a criação artística pode abrir brechas para imaginar novos horizontes sociais.

Elenco principal

  • Denzel Washington – David King, magnata da música

  • Ilfenesh Hadera – Pam King, esposa de David

  • Viola Davis – Margaret King (participação como conselheira da família)

  • Jeffrey Wright – Paul Christopher, motorista e confidente

  • Aubrey Joseph – Trey King, filho de David

  • Michael Potts – Patrick Bethea, sócio de King

  • LaChanze – Detetive Bell

  • Elijah Wright – Kyle Christopher, vítima do sequestro

  • Rick Fox – Treinador Fox

  • Andy McQueen – Larry Friday, associado do submundo

  • ASAP Rocky – antagonista ligado ao sequestro

  • John Douglas Thompson, Dean Winters, Princess Nokia e Ice Spice em participações especiais

  • Aiyana-Lee – Sula, jovem cantora revelada no final

Confira vídeo


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