A relação entre CPI e pizza | Por Luiz Holanda

A histórica expressão “termina em pizza”, nascida no futebol e incorporada à política brasileira, simboliza a descrença da população nas CPIs, que raramente produzem resultados concretos. O advogado e professor Luiz Holanda analisa a trajetória das comissões parlamentares de inquérito, mostra como a impunidade perpetua a corrupção e explica por que a atual CPMI do INSS tende a repetir o ciclo de promessas, disputas e frustrações políticas no Congresso Nacional.
Artigo de Luiz Holanda analisa a relação histórica entre as CPIs e a cultura da impunidade no Brasil, resgatando a origem da expressão “termina em pizza” e seu simbolismo político.

O relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), disse que será “duro e implacável” na condução dos trabalhos, e que lutará para que a comissão não frustre a expectativa da população. Nem ele mesmo acredita nessa hipótese. Segundo suas próprias palavras, “Começamos com uma pizza pronta no imaginário da população. Da minha parte não jogarei a minha história para proteger quem quer que seja. Serei duro e implacável com todos aqueles que cometeram crime, independente do governo que participaram.”

A relação entre CPI e pizza começou numa área que nada tem a ver com a política. A expressão “termina em pizza” foi tornada pública pelo jornalista Milton Peruzzi, da Gazeta Esportiva, quando, na década de 60, depois de uma reunião do Palmeiras, os dirigentes do clube, que estavam brigando entre si, se reuniram para discutir o que fazer. Depois de 14 horas de debates acalorados, foram para uma pizzaria para continuar a discussão. Após tomarem muitos chopes, vinhos… e pizzas, os desentendimentos sumiram e os dirigentes se tornaram amigos de novo. Milton Peruzzi, então, publicou na Gazeta que a “Crise do Palmeiras terminou em pizza”.

A expressão serviu como bordão para dizer que nada no Brasil, em matéria de corrupção, é apurado, nem seus autores punidos. O bordão passou a ser usado como sinônimo de impunidade. Segundo a Agência de Notícias da Câmara, “A expressão foi adaptada para CPI por Sandra Fernandes de Oliveira, que era secretária do empresário Alcides Diniz e desmontou a farsa da Operação Uruguai na CPI do Collor. Ela veio depor no Congresso, disse que trabalhou para forjar aqueles papéis, depois viu do que se tratava. Ela disse: ‘Eu sei que estou me arriscando, mas eu sei que tudo isso vai terminar em pizza’. Quando lhe perguntaram o que significava ‘terminar em pizza’, ela explicou que era quando todo mundo acabava tomando chope, comendo pizza, tudo numa boa”, conforme relato do então deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que acompanhava as CPIs no Congresso há mais de 40 anos.

Pouca gente sabe que a CPI é apenas um instrumento de investigação que serve como holofotes para seus componentes. O máximo que ela pode fazer é produzir um relatório para que outras autoridades, como o Ministério Público, possam agir na punição dos culpados. Pode, também, provocar uma desmoralização política, mas isso, no Brasil, tem muito pouca importância. As conclusões das CPIs são mandadas para os outros poderes, como o Judiciário e o Executivo, que podem ou não dar prosseguimento aos processos a partir dos dados encaminhados. O Ministério Público, por exemplo, pode pedir a abertura de um processo judicial se avaliar que tem provas suficientes para tanto. O que é feito depois do encerramento de uma CPI já não é mais responsabilidade dos deputados ou senadores. Depende da avaliação dos outros órgãos.

Das 361 CPIs que foram criadas na Câmara dos Deputados, de 1946 até os dias de hoje, 17 não foram instaladas e 118 terminaram sem conclusão.

Houve tempo em que as CPIs tinham consequências. No final da década de 80 o governo militar extinguiu dois importantes órgãos públicos devido às investigações das CPIs: a Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunaman) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Como atualmente a impunidade garante a corrupção, nada vai acontecer com a CPI do INSS. Os corruptos ficarão com o dinheiro e os velhinhos com o prejuízo.

As CPIs geralmente investigam membros da classe política, ou gente de poder econômico ou ligada a algum setor economicamente importante. Daí que nada é, realmente, apurado. Durante a elaboração do relatório final seus componentes trabalham para que nada seja muito rígido, ou seja, por questão de interesses políticos, na maioria das vezes é muito difícil chegar a um consenso, o que acaba trazendo como resultado um relatório superficial, incapaz de produzir algum efeito.

No âmbito das funções exercidas pelo Poder Legislativo, as CPIs deviam representar importante instrumento democrático e deliberativo das minorias, realizando investigações de fatos relevantes e de interesse público, em estrita observância aos limites formais e materiais positivados no texto constitucional. Existem matérias que não se submetem ao controle do Legislativo, mas todas podem terminar no Judiciário.

Não é sem razão que ninguém acredita nos resultados de uma CPI.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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