CNJ reforça limites legais da Polícia Militar e orienta juízes a rejeitarem pedidos diretos de diligência sem aval do Ministério Público

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou que juízes criminais não aceitem pedidos diretos de diligência da Polícia Militar sem prévia manifestação do Ministério Público, reafirmando que a PM não tem competência investigativa fora do âmbito militar. A decisão baseia-se em precedentes do STF e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, buscando preservar a legalidade, evitar abusos e garantir a separação constitucional das funções policiais.
CNJ aprova recomendação que impede a Polícia Militar de pedir diligências diretamente à Justiça sem aval do Ministério Público, reforçando limites constitucionais e precedentes do STF e da CIDH.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira (28/10/2025), uma recomendação unânime para que juízes da área criminal não aceitem pedidos de diligência feitos diretamente pela Polícia Militar (PM) sem o conhecimento e a manifestação prévia do Ministério Público (MP).

O texto reforça que a Polícia Militar não possui atribuição para conduzir investigações ou solicitar mandados de busca e apreensão, exceto em casos de crimes militares praticados por seus próprios membros. A medida busca garantir o cumprimento das competências constitucionais das forças policiais e a integridade dos processos judiciais.

Contexto e origem da recomendação

A iniciativa surgiu após denúncia da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP), que relatou ao CNJ casos em que magistrados paulistas deferiram diligências solicitadas pela PM-SP sem consulta ao MP. Entre os exemplos citados estão investigações na Cracolândia, na capital paulista, e buscas realizadas em Bauru (SP), com prisões e apreensões efetuadas diretamente a partir de pedidos da PM.

Nos autos apresentados, a ADPESP sustentou que tais práticas configuram usurpação de competência, já que a Polícia Civil é a responsável constitucional pela investigação criminal. O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, representante da entidade, afirmou que a atuação da PM nesses casos “gera efeitos deletérios” e viola a separação de funções no sistema de segurança pública.

“A PM deve cumprir sua missão de prevenir delitos com presença ostensiva nas ruas. Não pretendo levar clientes para depor em quartéis”, declarou Mariz de Oliveira durante a sessão.

STF já havia fixado entendimento em 2022

O CNJ lembrou que, em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legitimidade de pedidos formulados pela Polícia Militar apenas quando validados previamente pelo Ministério Público. O novo texto do Conselho reforça essa interpretação e estabelece diretrizes administrativas para prevenir decisões judiciais que burlem a supervisão do MP.

O relator do processo, conselheiro Pablo Coutinho Barreto, destacou que todas as atividades de segurança pública devem obedecer estritamente aos limites legais. Ele lembrou que a Constituição Federal reserva as funções de investigação e condução de inquéritos exclusivamente às Polícias Civil e Federal, sendo indevida qualquer tentativa da PM de exercer atribuições de polícia judiciária.

Nova regra para mandados e acompanhamento das diligências

Segundo a recomendação aprovada, mesmo quando o juiz autorizar mandados solicitados pela PM — desde que com parecer favorável do MP — o cumprimento das diligências deve ser acompanhado por agentes da Polícia Civil ou Federal e por representantes do Ministério Público.

O objetivo é assegurar transparência, controle institucional e respeito ao devido processo legal, evitando abusos e nulidades processuais que possam comprometer investigações e julgamentos.

Fundamento internacional: o Caso Escher e a condenação do Brasil

O CNJ também fundamentou sua decisão em precedentes internacionais, especialmente no Caso Escher, julgado em 2009 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O caso envolveu a interceptação ilegal de ligações telefônicas de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pelo Batalhão de Polícia Militar do Paraná, em 1999, com autorização judicial sem participação do Ministério Público.

Partes das conversas foram divulgadas pela imprensa, o que resultou em perseguição e violência contra os integrantes do movimento. A CIDH condenou o Brasil por violar direitos fundamentais como privacidade, honra, liberdade de associação e garantias judiciais.

A menção ao caso Escher reforça o caráter preventivo e institucional da recomendação do CNJ, que pretende evitar a repetição de práticas ilegais de vigilância e investigação por órgãos sem competência legal.

Reforço da legalidade e tensão entre forças policiais

A recomendação do CNJ representa um marco de reafirmação das fronteiras legais entre as corporações policiais, em meio a crescentes disputas institucionais entre a Polícia Militar e a Polícia Civil em diversos estados. Ao reforçar o papel exclusivo do Ministério Público na supervisão de investigações, o Conselho busca restabelecer a hierarquia constitucional do sistema de segurança pública, frequentemente tensionado por iniciativas paralelas e por interpretações locais da lei.

O episódio evidencia também a necessidade de uniformização das práticas judiciais e de controle mais rigoroso sobre decisões que autorizem diligências sem fundamento técnico ou jurídico adequado. O caso paulista serve de alerta sobre os riscos de militarização indevida da investigação criminal e o impacto disso sobre garantias individuais e a credibilidade das instituições de justiça.


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