Corregedoria do TJBA identifica “repositório de irregularidades” em cartório de Barreiras e abre processo disciplinar contra delegatária

Em decisão assinada pelo Corregedor Geral da Justiça da Bahia, desembargador Roberto Maynard Frank, no processo nº 0001892-07.2025.2.00.0805, o Tribunal de Justiça da Bahia instaurou processo administrativo disciplinar contra a delegatária Noêmia Bispo de Brito, titular do Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Barreiras, por supostas irregularidades em registros públicos, omissão de comunicações financeiras e manipulação documental.

A Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), sob a liderança do desembargador Roberto Maynard Frank, instaurou o Processo Administrativo Disciplinar nº 0001892-07.2025.2.00.0805 em desfavor de Noêmia Bispo de Brito, titular do Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Barreiras, para apurar irregularidades graves em registros imobiliários, falhas em comunicações obrigatórias ao SISCOAF e manipulação de fichas cartorárias. A decisão, datada de 16 de outubro de 2025, descreve a existência de um “repositório de irregularidades” dentro da serventia.

Contexto e origem da apuração

A investigação teve início após petição da empresa Atlanta Consultoria e Participações Societárias Ltda., que relatou inconsistências nos registros da Matrícula nº 3.289 do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Barreiras.

A empresa apontou ausência de registros antecedentes, incompatibilidade entre documentos antigos e novos e falta de rastreabilidade das matrículas, o que motivou a abertura do expediente disciplinar.

Durante a correição, a Corregedoria constatou a existência, no gabinete da delegatária, de fichas originais de matrículas duplicadas, incompletas e adulteradas, além de bilhetes instruindo a eliminação de registros e a retirada de documentos do arquivo.

O relatório descreve o ambiente como um “repositório de irregularidades” mantido sob controle direto da titular, que decidia seletivamente quais registros permaneceriam em desacordo com a lei.

Defesa e rejeição das preliminares

Na defesa prévia, a delegatária alegou nulidade do processo por falta de comissão processante e por suposto impedimento da autoridade designada, além de prescrição e inimputabilidade de atos anteriores a 2012 — quando os cartórios ainda eram administrados pelo Estado.

A Corregedoria rejeitou todas as alegações, esclarecendo que a Lei de Organização Judiciária da Bahia (Lei nº 10.845/2007) não exige a formação de comissão processante para servidores e delegatários, e que a autoridade correicional tem competência exclusiva para conduzir processos disciplinares.

O despacho também destacou que, embora a delegatária tenha assumido formalmente a serventia em 2012, a responsabilidade pela manutenção e saneamento do acervo registral é permanente, abrangendo os atos pretéritos sob sua guarda.
Assim, a omissão em corrigir registros viciados constitui infração atual e dolosa, mesmo que o vício tenha origem em gestões anteriores.

Falhas na prevenção à lavagem de dinheiro

A decisão destacou ainda o descumprimento de obrigações legais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT).
De acordo com o relatório, a delegatária deixou de comunicar ao SISCOAF uma transação imobiliária no valor de R$ 399 mil, registrada na Matrícula nº 1.430, envolvendo o filho de uma magistrada com atuação correicional na comarca.

O pagamento foi realizado em espécie e apresentava diferença de quase R$ 300 mil em relação ao valor fiscal do imóvel, o que impunha comunicação obrigatória à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), conforme o art. 162, VI, do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (CNN/CN/CNJ-Extra).

A Corregedoria concluiu que a comunicação só foi feita após intimação expressa, três meses depois do registro do ato, afastando a alegação de falha técnica no sistema cartorário.

Segundo o desembargador Roberto Maynard Frank, “a busca por justificativa técnica ocorreu apenas a posteriori, constituindo medida reativa e não causa da omissão original”.

Fundamentação jurídica e precedentes

A decisão cita precedentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal Pleno do TJBA, confirmando que não há nulidade por ausência de comissão processante e que a Corregedoria possui autonomia para instaurar e conduzir PADs contra delegatários.

O texto também recorda que a mesma titular já havia sido punida em dois processos anteriores (PADs nº 0002897-69.2022.2.00.0805 e nº 0002174-16.2023.2.00.0805), um dos quais resultou em multa de R$ 15 mil substituindo suspensão de 90 dias.

Possíveis sanções

Com a rejeição das preliminares, o processo segue para fase de julgamento de mérito, na qual serão analisadas as irregularidades apuradas e a eventual aplicação de sanções.

As penas previstas na Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) incluem advertência, multa, suspensão e perda da delegação, conforme a gravidade das infrações.

O caso também poderá ensejar comunicação ao Ministério Público da Bahia (MPBA), caso sejam confirmados indícios de crime funcional, fraude registral ou omissão deliberada em comunicações financeiras obrigatórias.

Ausência de controle

A decisão da Corregedoria do TJBA revela problemas estruturais de fiscalização e integridade nos serviços extrajudiciais da Bahia. O episódio de Barreiras demonstra como a ausência de controle contínuo e digitalizado pode permitir práticas seletivas e dolosas dentro de cartórios privatizados, transformando delegações públicas em espaços vulneráveis a manipulações e omissões.
O caso também reacende o debate sobre responsabilidade funcional de registradores perante o sistema financeiro e a necessidade de auditorias periódicas independentes nas serventias.


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