A megaoperação policial realizada na terça-feira (28/10/2025) no Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, repercute fortemente na imprensa internacional e acirra o debate político nacional. Com pelo menos 121 mortos, o episódio foi descrito pelos jornais Libération e Le Parisien, da França, como o “maior massacre da história do Brasil”, reacendendo tensões entre o governo Lula e a extrema direita ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Repercussão internacional e impacto político
O jornal francês Libération publicou reportagem de página inteira afirmando que o “banho de sangue da operação antidrogas reacendeu as tensões entre Lula e a extrema direita”. A correspondente Chantal Rayes, em São Paulo, observa que o tema da segurança pública volta ao centro do debate político a um ano da eleição presidencial de 2026, num país onde as mortes violentas anuais “se comparam às de uma guerra civil”.
Segundo o periódico, o governador Cláudio Castro, aliado de Bolsonaro — condenado a 27 anos de prisão por conspiração golpista —, tenta reforçar seu discurso de endurecimento contra o crime, mas o efeito político pode ser inverso. O especialista Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas, declarou ao jornal que a operação “não favorece nem a extrema direita, nem a esquerda no poder”, pois expõe “a falta de profissionalismo e a violência descontrolada das forças estaduais”.
Já o Le Parisien buscou compreender as causas do massacre, destacando a reação armada do Comando Vermelho e a perda de controle da operação policial. O diário cita o ativista Paulo Cesar Carbonari, que denunciou a “violência arbitrária e sem justificativa” e relacionou o episódio ao contexto político eleitoral, em que ações midiáticas e de forte impacto visual podem “preparar o terreno para as eleições de 2026”.
ONU cobra investigação e alerta para violações
Em Nova Iorque, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou “profunda preocupação” com o número de vítimas. Seu porta-voz, Stéphane Dujarric, enfatizou que “o uso da força deve respeitar o direito internacional e os direitos humanos” e pediu uma investigação rápida e independente. A declaração antecede a COP30, que será sediada em Belém (PA), a partir de 10 de novembro, ampliando o constrangimento diplomático do Brasil diante da comunidade internacional.
Mais de 30 ONGs, incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, classificaram a ação como um “estado de terror imposto aos moradores do Rio”. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos declarou-se “horrorizado” com o episódio.
Reação do governo e confronto de narrativas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou estar “chocado com o número de vítimas” e convocou uma reunião de emergência com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e outros auxiliares. O governo federal disse não ter sido informado previamente sobre a operação conduzida pelo governo estadual.
O governador Cláudio Castro, por sua vez, classificou a ação como um “sucesso”, alegando que as únicas vítimas foram “criminosos armados” e quatro policiais. Já a Defensoria Pública do Estado apresentou um balanço divergente, contabilizando 132 mortos, incluindo civis, e denunciou indícios de execuções sumárias.
Violência urbana e contexto histórico
O episódio reacende o debate sobre a política de segurança pública no Rio de Janeiro, marcada por operações letais e ineficazes. A socióloga Carolina Grillo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmou à AFP que “as incursões armadas nas favelas nunca reduziram o poder das facções”, mas aumentaram o sofrimento das comunidades e reforçaram o controle do crime sobre os presídios.
A tragédia remete ao massacre do Carandiru (1992), quando 111 detentos foram mortos, e supera em letalidade todos os confrontos anteriores no país. A imprensa europeia e australiana destacou o contraste entre a imagem internacional do Brasil, que se prepara para eventos como o C40 Global Summit e a COP30, e a realidade interna de violência estrutural e desigualdade.
Sociedade civil e papel das ONGs
Em meio ao luto, líderes comunitários e organizações não governamentais reforçam o papel da sociedade civil nas áreas mais afetadas. A professora e ativista Letícia Portella, que trabalhou em projetos sociais nas favelas cariocas, declarou à RFI que a violência “é parte cotidiana da vida de muitos territórios”, mas que as ONGs “mantêm viva a esperança e a possibilidade de transformação”.
Ela destacou o impacto psicológico da violência sobre as crianças e a rotina escolar interrompida por tiroteios, lembrando que “a força de seguir resistindo é o que ainda sustenta o tecido social”.
Colapso da política de segurança pública
A operação no Complexo da Penha expõe o fracasso crônico das estratégias de enfrentamento ao crime no Brasil. A insistência em ações militarizadas — sem inteligência, sem controle e sem planejamento social — reflete décadas de ausência de Estado efetivo nas periferias. O resultado é a reprodução do ciclo de violência, a erosão da confiança nas instituições e a fragilização da democracia. A morte em massa de cidadãos, sob a retórica de “combate ao crime”, escancara a crise federativa entre União e estados, em meio a uma disputa política polarizada e a um contexto internacional de observação crítica.
*Com informações da RFI.

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