Operação Contenção: Mais de 130 mortos expõem guerra interna no Rio de Janeiro, colapso do Estado, crise federativa e poder bélico das facções

Moradores reúnem dezenas de corpos na Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após a Operação Contenção — a mais letal da história do país.
Infográfico apresenta dados da Operação Contenção, realizada no Rio de Janeiro, destacando o balanço de mais de 130 mortos, 81 prisões, 100 fuzis apreendidos e a mobilização de 2.500 agentes nos complexos do Alemão e da Penha, em 29 de outubro de 2025.

A Operação Contenção, deflagrada na terça-feira (28/10/2025) pelo governo do estado contra o Comando Vermelho, deixou mais de 130 mortos e expôs o grau de anomia e descoordenação federativa que marca a política de segurança pública no Brasil. Planejada ao longo de um ano, a ação mobilizou 2.500 agentes das polícias Civil e Militar, resultou em 81 prisões e mais de 100 fuzis apreendidos, mas terminou com denúncias de execuções sumárias, corpos abandonados em praças e protestos populares nas comunidades da Penha e do Alemão.

A tragédia projetou o Brasil no cenário internacional como um país em colapso de governança sobre o crime organizado, ao mesmo tempo em que revelou o esgarçamento da autoridade estatal e a ausência de coordenação entre os poderes federais e estaduais. O episódio dividiu o país entre defensores de uma resposta militarizada à criminalidade e críticos que veem na operação a prova de um Estado que perdeu o monopólio legítimo da força e adota práticas de guerra interna contra sua própria população.

Confronto armado e caos urbano

A operação teve como objetivo prender líderes do Comando Vermelho que, segundo a inteligência fluminense, comandavam ataques e execuções a partir das comunidades da Penha e do Alemão. O confronto foi intenso: drones foram usados para lançar explosivos, ônibus e caminhões foram incendiados e barricadas bloquearam 35 ruas. Em poucas horas, o Rio de Janeiro viveu um cenário de guerra urbana, com paralisação de transportes, escolas e comércio.

Durante a madrugada seguinte, moradores retiraram cerca de 70 corpos da área de mata, local apontado pelo governo como “zona segura para confrontos”, o que provocou indignação e acusações de execuções extrajudiciais. A advogada Flávia Fróes afirmou que muitos corpos apresentavam tiros na nuca e facadas nas costas, indícios que sugerem morte à curta distância. O governo, por sua vez, alegou que o objetivo era evitar danos colaterais em áreas residenciais e que “a maioria dos mortos estava armada e em combate”.

O discurso do poder e a politização da violência

O governador Cláudio Castro (PL) afirmou que a operação foi “um sucesso”, declarando que “de vítimas, só tivemos os policiais”. Em tom triunfalista, defendeu que a ação representou “um duro golpe contra o narcoterrorismo” e criticou o governo federal por não oferecer blindados nem apoio logístico. A declaração gerou imediata reação de ministros e parlamentares, que acusaram o governo estadual de desprezar protocolos de uso progressivo da força e violar tratados internacionais de direitos humanos.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, respondeu afirmando que não houve pedido formal de apoio federal, e ressaltou que “combater o crime não se faz com improviso nem com espetáculo de sangue”. Diante da repercussão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada, com participação de Rui Costa, José Múcio, Gleisi Hoffmann e Anielle Franco, para avaliar os desdobramentos da operação e discutir um plano nacional de enfrentamento às facções, cuja atuação já se estende a 26 estados e ao Distrito Federal.

Repercussão internacional e pressão diplomática

O impacto da Operação Contenção ultrapassou fronteiras. A Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou “horror” diante do número de mortos e cobrou investigações independentes e rápidas, lembrando o Brasil de suas obrigações perante o direito internacional dos direitos humanos. Entidades como a Human Rights Watch e a Amnesty International anunciaram que enviarão missões de observação ao Rio.

A imprensa estrangeira classificou o episódio como um dos mais sangrentos da América Latina. O The Guardian descreveu “o dia mais violento da história do Rio de Janeiro”; o El País relatou “uma jornada de caos colossal”; o New York Times chamou a ação de “ataque contra narcoterroristas”; e o Clarín, da Argentina, estampou: “Não é Gaza, é o Rio”. A repercussão diplomática coloca o governo federal sob pressão de organismos multilaterais e pode impactar negociações comerciais e cooperação internacional em direitos humanos.

O drama das famílias e a dignidade negada

Enquanto o governo comemorava “resultados positivos”, centenas de famílias enfrentavam a dor do reconhecimento de corpos no Instituto Médico-Legal (IML), no centro do Rio. Moradores de cidades como Cabo Frio, Arraial do Cabo e Duque de Caxias relataram o abandono e a falta de informações. “Nem animal se trata assim”, disse um parente à Agência Brasil.

Entre as vítimas, estava Vitor, de 27 anos, identificado pela jovem Carol Malícia, mãe de uma menina de um ano. Ela contou que se despediu dele por telefone enquanto ele estava “encurralado na mata”. Horas depois, o corpo foi encontrado com ferimentos de bala nas pernas. Organizações de direitos humanos afirmam que o IML está sobrecarregado e que mais de 130 corpos ainda aguardam identificação.

Crise federativa e erosão da legitimidade institucional

A Operação Contenção escancarou uma crise federativa sem precedentes. Governos estaduais, pressionados por índices de violência e por expectativas eleitorais, têm recorrido a ações militares autônomas, muitas vezes sem integração com o Ministério da Justiça. Essa fragmentação compromete o planejamento estratégico e abre espaço para disputas políticas entre governadores e Brasília, convertendo o tema da segurança em instrumento de retórica populista e polarização.

Além disso, a ofensiva expõe a erosão da legitimidade das forças policiais, que enfrentam baixa confiança pública e denúncias de corrupção. A militarização da segurança, sem acompanhamento judicial ou civil efetivo, cria um círculo vicioso de violência: comunidades sob domínio armado se tornam palco de operações massivas, que por sua vez alimentam a retórica do confronto e justificam novos ciclos repressivos. Trata-se de um modelo de autodefesa estatal, em que o próprio Estado se torna o vetor do medo.

Estado de Direito e o Estado de Exceção

A Operação Contenção sintetiza o dilema do Brasil contemporâneo: um país que oscila entre o Estado de Direito e o Estado de Exceção. A escolha por uma estratégia de aniquilação revela não apenas o fracasso da política de segurança, mas a normalização da barbárie como método de governo. Ao celebrar a morte de suspeitos como “sucesso”, o poder público abdica do princípio da legalidade e institucionaliza a violência como instrumento político.

O episódio inaugura uma nova fase da crise institucional brasileira: um Estado que combate facções armadas com métodos próprios de facções, em meio à ausência de coordenação nacional e à falência do pacto federativo. A pressão internacional, somada ao desgaste interno, impõe ao Brasil a urgência de reconstruir a autoridade da lei, fortalecer a inteligência policial e restaurar o valor da vida humana como fundamento da política pública.

O diagnóstico de especialistas: um Estado em colapso

O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, autor do filme Tropa de Elite, afirmou que o Brasil vive uma situação de “conflito armado não internacional”, comparável à Síria ou Burkina Fasso, e que as facções criminosas já ameaçam a soberania nacional. Segundo ele, “há quatro milhões de brasileiros vivendo atrás de barricadas, sob leis paralelas e domínio armado”, o que caracteriza uma guerra civil de baixa intensidade.

A professora Jacqueline Muniz, da UFF, avaliou que a operação foi uma “lambança político-operacional”, sem integração entre as forças e sem planejamento tático. “Segurança não se faz com sangue”, afirmou. Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a estratégia adotada pelo governo fluminense reforça o ciclo de violência e mascara o fracasso de políticas estruturais de segurança, educação e assistência social nas periferias.

Alta letalidade dos criminosos e a lógica da guerra interna

O número recorde de mortos na Operação Contenção não resulta apenas da intensidade do aparato policial, mas da letalidade crescente das facções criminosas, que atuam sob um modelo de guerra irregular. O uso de armamento pesado, drones adaptados, táticas de emboscada e domínio territorial transformou o confronto urbano em um campo de batalha, aproximando a realidade fluminense de um cenário de insurgência armada. O Estado, portanto, enfrenta forças paramilitares organizadas, e não apenas grupos de delinquência comum.

De acordo com a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, mais de 700 integrantes do Comando Vermelho participaram dos combates, equipados com fuzis de calibres 7.62 e 5.56, granadas e artefatos explosivos improvisados. Esse arsenal aumentou de forma exponencial o potencial destrutivo dos confrontos e a probabilidade de mortes em larga escala. A ofensiva policial, diante desse poder de fogo, tornou-se uma ação de sobrevivência tática, em que o risco bilateral se traduz em estatísticas de guerra.

Especialistas apontam que o Brasil vive uma nova etapa do crime organizado, marcada pela militarização das facções, o uso de tecnologias de comunicação criptografada e o domínio físico de territórios urbanos. O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel define o fenômeno como um “Conflito Armado Não Internacional”, conceito que descreve situações em que forças regulares e irregulares disputam o controle de populações e espaços. Nessa lógica, o confronto se torna inevitavelmente letal, pois as forças de segurança reagem com intensidade equivalente à ameaça, reduzindo drasticamente as chances de rendição ou prisão.

A alta letalidade entre os criminosos deriva, portanto, de duas forças simultâneas: a sofisticação bélica das facções e a resposta policial de caráter militarizado em áreas densamente povoadas. Essa simetria de poder transforma o policiamento em combate e faz da morte um desfecho previsível. O Estado, confrontado com um inimigo armado e territorializado, atua reativamente, com ênfase na neutralização, não na captura.

Por fim, o modelo de enfrentamento expõe as limitações estruturais da política de segurança pública. A ausência de inteligência integrada, controle pericial e protocolos de preservação de provas impede a distinção entre combate legítimo e execução extrajudicial. O resultado é paradoxal: ao tentar restaurar a ordem, o Estado internaliza a lógica da guerra, perdendo o papel de mediador da lei e consolidando um ciclo de violência que alimenta sua própria perda de autoridade.

Principais dados da Operação Contenção

Local da operação:
Complexos do Alemão e da Penha, zona norte do Rio de Janeiro.

Data:
Deflagrada em 28/10/2025, com desdobramentos até 29/10/2025.

Forças envolvidas:

  • 2.500 agentes das Polícias Civil e Militar.
  • Apoio de unidades especializadas (Bope, CORE, Choque e helicópteros blindados).

Resultados operacionais:

  • 81 prisões e 10 apreensões de menores.
  • Mais de 100 fuzis apreendidos, além de granadas e explosivos.
  • 69 mandados de prisão expedidos e 180 endereços alvos da ação.

Táticas dos criminosos:

  • Drones equipados com lançadores de bombas, adaptados com garras de R$ 120.
  • Ataques coordenados e uso de barricadas e veículos incendiados.
  • Armamento pesado e munição de uso restrito das Forças Armadas.

Balanço de mortos:

  • Mais de 130 vítimas no total.
  • 4 policiais mortos.
  • Cerca de 120 suspeitos mortos, segundo estimativas oficiais e comunitárias.

Repercussão internacional:

  • ONU e Human Rights Watch pediram investigação independente.
  • The Guardian, El País, The New York Times e Clarín compararam o episódio a zonas de guerra.

Contexto político:

  • Governador Cláudio Castro (PL) chamou a operação de “sucesso”.
  • Governo federal, por meio do ministro Ricardo Lewandowski, negou ter sido informado e criticou a falta de coordenação.
  • O presidente Lula reuniu ministros da Justiça, Defesa, Casa Civil e Direitos Humanos para avaliar a crise.
Com mais de 130 mortos, a Operação Contenção tornou-se símbolo de um país em guerra consigo mesmo. O episódio revelou a descoordenação entre União e estados, provocou reação da ONU e expôs o colapso da segurança pública no Rio. A tragédia reacende o debate sobre o limite da força e a erosão do Estado de Direito diante da expansão das facções armadas.
Moradores da Penha reúnem dezenas de corpos na Praça São Lucas, zona norte do Rio de Janeiro, após a Operação Contenção, em um cenário de comoção, desespero e denúncia do colapso da segurança pública.

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