A manutenção das regras fiscais em 2026 dependerá diretamente da aprovação, pelo Congresso Nacional, de um conjunto de medidas consideradas essenciais para reforçar a arrecadação e conter brechas no arcabouço fiscal. A conclusão consta do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) nº 106, divulgado nesta quarta-feira (19/11/2025) pela Instituição Fiscal Independente (IFI), que também analisa o comportamento dos gastos tributários, as exceções às metas fiscais e a trajetória do mercado de trabalho brasileiro.
Segundo o documento, embora o país esteja distante de um ajuste fiscal capaz de estabilizar a dívida pública e recuperar a capacidade de investimento, é possível cumprir as metas fiscais no próximo ano. Essa viabilidade, porém, depende de decisões que envolvem diretamente o Legislativo, incluindo medidas aprovadas em novembro que podem elevar a arrecadação em cerca de R$ 19 bilhões já em 2026.
Dependência das regras fiscais de decisões políticas em 2025
A IFI é categórica ao afirmar que o cumprimento das metas fiscais em 2026 exige a aprovação, ainda este ano, de medidas estruturantes. Entre elas, destaca-se o Projeto de Lei Complementar 182/2025, que prevê a redução gradual e padronizada dos incentivos tributários, estimando impacto positivo de R$ 19,8 bilhões na receita do Executivo. O valor já foi incorporado pelo governo ao projeto de lei orçamentária para 2026.
O relatório também menciona o impacto da perda de eficácia de medidas provisórias anteriores que tratavam da tributação de ativos financeiros e operações de crédito, reduzindo a arrecadação prevista. Parte da recomposição dessas receitas tem avançado com a aprovação de projetos substitutivos em debate no Senado e na Câmara.
Arcabouço fiscal: flexibilidade excessiva e riscos à credibilidade
O RAF 106 dedica parte substancial à avaliação do novo arcabouço fiscal, criado pela Lei Complementar 200/2023. Embora a lei permita a utilização de bandas de tolerância para o resultado primário, a prática recorrente tem sido operar no limite mínimo da meta, e não no centro, como sugerem as boas práticas fiscais.
Essa postura, segundo a IFI, enfraquece a credibilidade das regras e permite interpretações mais permissivas da política fiscal. O relatório também registra que, desde 2020, sucessivas excepcionalizações — pandemia, calamidades climáticas, despesas emergenciais e decisões judiciais — retiraram centenas de bilhões de reais do cômputo oficial das metas.
Entre os destaques:
- Em 2023, deduções excepcionais somaram R$ 241,3 bilhões, contribuindo para o cumprimento formal da meta.
- Para 2024, foram deduzidos R$ 31,9 bilhões por razões de calamidade pública e decisões judiciais.
- Para 2025, estima-se dedução adicional próxima de R$ 43 bilhões, mantendo o padrão de excepcionalização.
A IFI alerta que, embora legais, tais práticas corroem o papel das regras fiscais como âncoras de previsibilidade e dificultam a gestão coordenada das expectativas dos agentes econômicos.
Crescimento dos gastos tributários e falta de transparência
O relatório dedica capítulo específico ao avanço dos gastos tributários, que incluem isenções, renúncias, incentivos e imunidades. Nos últimos anos, o custo dessas políticas cresceu significativamente, pressionando o Orçamento e reduzindo o espaço para despesas essenciais.
A IFI identificou divergências importantes entre os dados da Receita Federal (Demonstrativo de Gastos Tributários) e as informações fornecidas pelas empresas na declaração própria de renúncias tributárias. As inconsistências sugerem fragilidades na avaliação e no monitoramento dos benefícios.
O relatório recomenda:
- revisão periódica dos incentivos fiscais;
- maior transparência na concessão;
- avaliação de retorno econômico e social dos benefícios.
Desempenho das empresas estatais e riscos fiscais adicionais
O documento também analisa a situação das empresas estatais federais, que têm apresentado desempenho desigual. Desde 2023, as estatais acumulam déficits primários, compensados apenas pelo resultado positivo do governo central.
Caso os déficits se tornem recorrentes, algumas estatais podem ser reclassificadas como dependentes da União, o que obrigaria o governo federal a assumir seu custeio — ampliando, assim, a pressão fiscal.
Mercado de trabalho: recuperação com sinais estruturais de fragilidade
O RAF 106 traz ainda uma avaliação detalhada do mercado de trabalho. Embora o desemprego tenha recuado e o emprego formal siga em expansão, a taxa de participação permanece abaixo dos níveis anteriores à pandemia, influenciada por fatores demográficos e sociais.
De acordo com os dados mais recentes:
- População em idade de trabalhar: 174,1 milhões
- Força de trabalho: 108,6 milhões, sendo 102,3 milhões ocupadas
- Pessoas fora da força de trabalho: 65,5 milhões
- Emprego formal: 63,6 milhões
- Informalidade: 38,7 milhões
O relatório observa que o aumento da inatividade é influenciado por:
- envelhecimento populacional;
- problemas de saúde;
- desistência de ocupações precárias;
- efeitos marginalmente negativos de programas sociais sobre a oferta de trabalho.
Interações entre programas sociais e participação no mercado
A ampliação do Bolsa Família, tanto em número de famílias atendidas quanto no valor médio do benefício, também tem efeitos indiretos no mercado de trabalho.
A base de beneficiários passou de 13,7 milhões (2012–2019) para cerca de 19 milhões em 2025, enquanto o benefício médio subiu de R$ 166 para R$ 680.
A IFI aponta que, embora parte da literatura sugira redução da participação de alguns grupos, especialmente jovens e mulheres, outros estudos indicam que os programas permitem a substituição de ocupações precárias, sem necessariamente afastar trabalhadores do mercado.
O órgão destaca que a combinação entre mudanças demográficas, políticas sociais ampliadas e transformações na informalidade requer observação contínua, pois influencia o crescimento do PIB potencial e a sustentabilidade fiscal.
Desequilíbrios persistentes
O RAF 106 revela um quadro fiscal brasileiro marcado por desequilíbrios persistentes e pela crescente dependência de medidas extraordinárias para cumprir metas formais. Ao operar repetidamente no piso da meta e recorrer a sucessivas excepcionalizações, o arcabouço fiscal perde previsibilidade, e sua função de âncora econômica torna-se fragilizada.
A pressão exercida pelos gastos tributários, somada ao desempenho irregular das estatais e à baixa taxa de participação no mercado de trabalho, compõe um cenário estruturalmente desafiador. As exigências fiscais de 2026 estarão, portanto, diretamente condicionadas à capacidade política do Congresso de aprovar reformas e ajustes, em ano marcado por eleições nacionais.
Sem avanços consistentes, o país continuará a depender de soluções pontuais, produzindo equilíbrio fiscal apenas formal — e não sustentável.
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