Lô Borges, fundador do Clube da Esquina, morre aos 73 anos e deixa legado imortal na música brasileira

O cantor e compositor Lô Borges, fundador do Clube da Esquina, morreu aos 73 anos, em Belo Horizonte, vítima de falência múltipla de órgãos após intoxicação medicamentosa. Parceiro de Milton Nascimento, foi autor de clássicos como O Trem Azul e Paisagem da Janela. Com mais de 50 anos de carreira e influência internacional, lançou seu último álbum, Céu de Giz, em 2025, deixando um legado de lirismo, inovação e sensibilidade poética.
Ícone da MPB e cofundador do Clube da Esquina, Cantor e compositor Lô Borges marcou gerações com sua sonoridade única e influência atemporal.

O cantor e compositor Lô Borges, um dos nomes mais reverenciados da Música Popular Brasileira (MPB) e cofundador do movimento Clube da Esquina, morreu na noite de domingo (02/11/2025), em Belo Horizonte, aos 73 anos. Internado desde o dia 17 de outubro no Hospital Unimed, o artista enfrentava complicações decorrentes de uma intoxicação medicamentosa, que resultou em falência múltipla de órgãos, segundo boletim médico divulgado na manhã desta segunda-feira (3).

A morte do compositor mineiro encerra uma trajetória de mais de cinco décadas de produção musical, marcada por ousadia estética, lirismo poético e uma profunda ligação com as raízes culturais de Minas Gerais. Ao lado de Milton Nascimento, Lô Borges foi um dos pilares de um dos movimentos mais criativos da música brasileira — uma fusão singular entre o rock progressivo, o jazz, o folk, a psicodelia e a MPB.

Lula e Ministério da Cultura lamentam a morte de Lô Borges

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministério da Cultura manifestaram pesar pela morte do cantor e compositor Lô Borges, ocorrida no domingo (02/11/2025), em Belo Horizonte, aos 73 anos. Em publicação nas redes sociais, Lula destacou a importância do artista para a música popular brasileira, afirmando que suas canções ultrapassaram as fronteiras de Minas Gerais e marcaram gerações. O presidente lembrou ainda que conheceu melhor a obra do mineiro por influência da primeira-dama, Janja da Silva, admiradora de longa data.

O Ministério da Cultura também divulgou nota de pesar, exaltando o legado de Lô Borges e seu papel central no movimento Clube da Esquina, ao lado de Milton Nascimento, Beto Guedes e Fernando Brant. A pasta ressaltou que obras como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo e O Trem Azul permanecem entre os maiores clássicos da canção popular brasileira. A nota conclui afirmando que sua trajetória é parte indissociável da história cultural do país, e que o Brasil se despede de um de seus mais talentosos e sensíveis músicos.

Trajetória e contribuições do artista

O Clube da Esquina e a reinvenção da música brasileira

O Clube da Esquina surgiu no início dos anos 1970, em um ambiente de efervescência cultural e contestação política. Jovens músicos mineiros, reunidos nas esquinas do bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, criaram uma linguagem sonora inédita, que combinava influências estrangeiras — como Beatles, Crosby Stills & Nash e jazz norte-americano — com a melancolia mineira e a tradição da canção brasileira.

O álbum “Clube da Esquina”, lançado em 1972, é considerado um marco absoluto da MPB. Gravado por Lô Borges, Milton Nascimento, Beto Guedes, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Toninho Horta e Wagner Tiso, o disco apresentou composições imortais como “O Trem Azul”, “Tudo Que Você Podia Ser”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Nada Será Como Antes”.

A sonoridade plural e a poesia existencial das letras transformaram o Clube da Esquina em um símbolo de liberdade artística e espiritual, em contraste com a rigidez política e cultural do período da ditadura militar. Com apenas 19 anos, Lô Borges já figurava entre os principais compositores do país, desafiando convenções e abrindo caminho para uma nova estética musical brasileira.

A amizade e a parceria com Milton Nascimento

A relação entre Lô Borges e Milton Nascimento extrapolou a música. Iniciada ainda na infância — quando Lô tinha 10 anos e Milton, 20 —, a amizade evoluiu para uma das parcerias mais emblemáticas da cultura nacional.

Milton foi o primeiro a reconhecer o talento precoce de Lô, que ainda adolescente já compunha canções complexas e poéticas. A convivência se transformou em cumplicidade criativa, da qual nasceram algumas das obras mais marcantes da MPB.

Em publicação nas redes sociais nesta segunda-feira (3), Milton Nascimento lamentou a morte do amigo com palavras de profunda emoção:

“Lô Borges foi – e sempre será – uma das pessoas mais importantes da minha vida e da minha obra. Foram décadas de amizade e cumplicidade que resultaram em um dos álbuns mais reconhecidos da música no mundo: o Clube da Esquina.”

A mensagem, assinada pelo perfil oficial de Milton, destacou ainda que “Lô deixará um vazio e uma saudade enormes, e o Brasil perde um de seus artistas mais geniais, inventivos e únicos”. O texto foi acompanhado de uma foto antiga dos dois, abraçados, símbolo de uma parceria que moldou o espírito de uma geração.

A trajetória solo e os caminhos do experimentalismo

Após o sucesso do álbum coletivo, Lô Borges lançou seu primeiro trabalho solo em 1972, conhecido como o “Disco do Tênis”, por conta da capa icônica com um par de tênis brancos. O disco é hoje considerado uma obra-prima do rock progressivo brasileiro, repleto de harmonias sofisticadas e arranjos ousados.

Desiludido com o ambiente da indústria musical, o jovem compositor afastou-se temporariamente dos palcos, viveu em comunidades alternativas e passou um período na Bahia, experiência que marcaria sua visão artística. Voltaria à cena em 1978 com o álbum “Clube da Esquina 2”, retomando parcerias e o diálogo criativo com Milton e outros amigos mineiros.

Na década de 1980, o artista lançou álbuns como “A Via Láctea” (1979) e “Nuvem Cigana” (1982), reafirmando seu talento como letrista introspectivo e músico de vanguarda. Nos anos 2000, após um hiato, Lô voltou ao grande público ao compor “Dois Rios” com Samuel Rosa e Nando Reis, sucesso gravado pela banda Skank, que apresentou seu nome a uma nova geração de ouvintes.

Produção recente e permanência criativa

Mesmo aos 70 anos, Lô Borges manteve intensa atividade artística. Lançou uma série de discos entre 2019 e 2025, reafirmando sua inquietude e vitalidade.

Em 2020, apresentou “Dínamo”, seguido por “Muito Além do Fim” (2021) e “Veleiro” (2022), este último com participações de Milton Nascimento, Beto Guedes e Paulinho Moska. No mesmo período, realizou apresentações com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, registradas no álbum “50 Anos de Música – Ao Vivo na Sala Minas Gerais” (2023).

Em agosto de 2025, lançou o disco “Céu de Giz”, em parceria com Zeca Baleiro, reunindo dez faixas inéditas e letras reflexivas. O álbum foi celebrado como um testamento musical de sua maturidade criadora — um trabalho de despedida, mesmo sem que o artista soubesse.

A influência internacional e o reconhecimento tardio

Embora sua fama tenha se consolidado no Brasil, o reconhecimento internacional de Lô Borges cresceu ao longo das últimas décadas. O artista foi citado como referência por Alex Turner, vocalista do Arctic Monkeys, e teve suas canções incluídas em produções estrangeiras, como a série Station Eleven, da HBO Max, que utilizou O Trem Azul em sua trilha sonora.

Críticos internacionais descrevem sua obra como “um diálogo entre o sublime e o cotidiano”, um exemplo de sofisticação harmônica rara na música popular contemporânea. Em 2023, o documentário Lô Borges – Toda essa água, dirigido por Rodrigo de Oliveira, foi lançado em festivais de cinema, consolidando sua importância histórica.

A biografia de um artista inquieto e atemporal

Salomão Borges Filho nasceu em 10 de janeiro de 1952, em Belo Horizonte, no seio de uma família numerosa e musical. Era o sexto dos onze filhos de Maricota e Salomão Borges, e cresceu em um ambiente onde a arte e a música faziam parte da rotina doméstica.

Nos anos 1960, reunia-se com amigos nas esquinas das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza, para tocar violão e conversar sobre Beatles, jazz e bossa nova. Daquele convívio espontâneo nasceria, anos depois, o espírito do Clube da Esquina — a tradução sonora da amizade, da liberdade e da experimentação.

Com apenas 18 anos, Lô foi convidado por Milton Nascimento a se mudar para o Rio de Janeiro, onde juntos criaram as primeiras parcerias e consolidaram a estética que marcaria o disco de 1972. O jovem mineiro se tornou símbolo de autenticidade artística, avesso ao estrelato, e sempre fiel ao som que brotava de sua introspecção.

Ao longo da vida, Lô Borges alternou momentos de reclusão e de intensa produção, movido por uma busca incessante pela liberdade criativa. Seus últimos anos foram marcados por uma serenidade madura e uma consciência de missão cumprida: “A música é o meu modo de respirar o mundo”, declarou em uma de suas últimas entrevistas.

Legado e permanência na cultura brasileira

A obra de Lô Borges transcende gerações e permanece viva na memória afetiva do país. Sua música expressa o que há de mais genuíno na alma mineira: a introspecção, a delicadeza e a profundidade emocional.

As harmonias complexas e a poesia de suas letras tornaram-se referência para músicos de diferentes estilos — do pop ao rock alternativo, da MPB ao indie. Universidades e escolas de música estudam sua contribuição para a harmonia moderna brasileira, comparando-a à de grandes mestres como Tom Jobim e Caetano Veloso.

Mais do que um compositor, Lô Borges representou a resistência da sensibilidade em tempos de dureza. Sua arte reafirma a importância da música como forma de transcendência, capaz de unir gerações e revelar, por meio do som, a espiritualidade de um povo.

Música brasileira de invenção

A morte de Lô Borges encerra um ciclo histórico da música brasileira de invenção, aquela que recusou fórmulas fáceis e buscou um equilíbrio entre técnica e emoção. Sua trajetória sintetiza o espírito do Brasil criativo e sonhador, que encontra na música um refúgio contra a brutalidade do cotidiano.

O legado de Lô não está apenas em suas melodias, mas no modo como viveu a arte — com liberdade, poesia e recusa à padronização comercial. O Clube da Esquina, nascido da fraternidade e da curiosidade, sobrevive como símbolo de uma época em que a canção era também filosofia, utopia e comunhão.


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