A Polícia Civil da Bahia detalhou, em coletiva realizada nesta quarta-feira (26/11/2025), os resultados da Operação Sinete, que desarticulou um amplo esquema de fraudes fundiárias, falsificação documental e lavagem de dinheiro, com atuação em Feira de Santana e municípios do entorno. Conforme explicaram os delegados Arislene Almeida e Alexandre Galvão, o grupo operava há pelo menos uma década e envolvia agentes públicos, empresários, advogados, corretores e servidores de cartórios.
Esquema atuava desde 2013 e envolvia três núcleos criminosos
A delegada Arislene Almeida, do Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (Draco), afirmou que a investigação identificou uma organização criminosa estruturada em três núcleos:
— “Tanto o primeiro quanto o segundo cartório de registro de imóveis de Feira de Santana passaram por correição extraordinária. Havia delegatários responsáveis por falsificar documentos, produzir matrículas duplicadas e legitimar ocupações irregulares.”
A polícia identificou também um núcleo composto por policiais civis e militares, apontados como responsáveis por coagir vítimas, impedir retomadas de propriedades e assegurar a permanência de grupos invasores nos terrenos. Esses agentes, segundo a delegada, atuavam armados e davam suporte direto ao esquema.
Além deles, um terceiro núcleo reunia empresários, corretores e operadores imobiliários, encarregados de invadir, comercializar e revender terrenos grilados, apropriando-se de áreas destinadas a moradores de baixa renda e posseiros.
Arislene relatou que os primeiros registros de vítimas remontam a 2013 e 2015, embora o esquema possa ser mais antigo. Interceptações telefônicas, diligências e análises telemáticas confirmaram a extensão das irregularidades.
Prisões, alvos estratégicos e bloqueios milionários
A operação cumpriu 47 mandados de busca e apreensão, resultou em sete prisões temporárias e determinou o bloqueio de valores que podem chegar a R$ 6 milhões por CPF e R$ 60 milhões por CNPJ. Entre os presos, estão integrantes considerados líderes da organização.
— “Tivemos decisão favorável para oito prisões. Sete foram cumpridas, uma pessoa permanece foragida. Dentre os custodiados, há alvos muito importantes, que articulavam todo o contexto delitivo”, afirmou Arislene.
Foram apreendidos 12 automóveis, três motocicletas, dinheiro, joias e grande volume de documentos e mídias eletrônicas, bens que, segundo a delegada, podem ser resultado da lavagem de capitais originada da venda ilegal de terrenos.
A magistrada Sebastiana Costa Bomfim e Silva, responsável pela decisão, ainda aplicou medidas cautelares de restrição de contato aos investigados com menor participação, em razão do risco de interferência na colheita de provas.
Alvos da Operação
Entre os alvos da operação, um dos nomes de maior relevância é um empresário do setor de construção civil e ex-presidente da Câmara Municipal de Feira de Santana, preso por suspeita de participação direta no núcleo de articulação das fraudes. A investigação, conduzida pela Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), identifica o grupo como responsável por manipular registros imobiliários, promover grilagem de terras urbanas e utilizar empresas de fachada para ocultar patrimônio.
A ordem judicial determinou a prisão temporária, por cinco dias, prorrogáveis por igual período, dos seguintes investigados, mencionados aqui pelas iniciais, conforme estabelece o processo que tramita sob segredo de justiça:
- A.N.M.
- G.B.F.
- O.F.
- L.C.F.C.
- L.C.F.C.
- P.H.R.F.
- J.M.V.S.
- V.O.E.
A juíza indeferiu a prisão temporária de:
- E.T.O.
- M.L.S. (Maj PM)
- R.S.V. (Sgt PM)
Para esses três, aplicou a medida cautelar prevista no art. 319, III, do Código de Processo Penal, impondo proibição de contato com pessoas específicas citadas no processo.
A decisão ressalta que o art. 1º da Lei nº 8.072/1990 não contempla o crime de organização criminosa, motivo pelo qual se aplicou o prazo ordinário de 5 dias para a prisão temporária, previsto na Lei nº 7.960/1989, em vez do prazo especial de 30 dias. Ao mesmo tempo, observa-se que os delegados identificaram a existência de uma organização criminosa estruturada (ORCRIM), com atuação prolongada e indícios de possível prática de homicídios no curso das ações.
Participação dos cartórios e afastamento de delegatários
A delegada confirmou que os dois cartórios de registro de imóveis de Feira de Santana, do 1º e do 2º Ofício, passaram por correição extraordinária, que resultou no afastamento de suas delegatárias. Como o processo tramita em segredo de justiça, os nomes das servidoras e a designação exata de cada ofício não foram informados na coletiva.
A omissão, explicou Arislene, segue determinação institucional para evitar prejuízo às investigações e resguardar dados sensíveis sobre a cadeia documental.
Terras de posseiros eram alvo preferencial, afirma delegado Alexandre Galvão
Durante a coletiva, o delegado Alexandre Galvão destacou que o esquema se alimentava da vulnerabilidade de famílias de baixa renda.
— “Eram terrenos de pessoas pobres, posseiros. Sofriam ameaças para deixar os imóveis. Depois disso, indivíduos em parceria com cartórios maquiavam novas matrículas e viravam, entre aspas, ‘proprietários legitimados’. A partir daí, surgiam condomínios, empresas e loteamentos inteiros.”
Galvão confirmou que há indicativos de homicídios relacionados ao ciclo de disputas fundiárias, embora as informações não possam ser detalhadas neste momento. Ele ressaltou que o Draco já prepara novas operações, com base no grande volume de provas apreendidas.
— “Certamente teremos desdobramentos ainda maiores dentro do município.”
Possibilidade de recuperação de imóveis
O delegado informou que, com o avanço da investigação, é possível que propriedades griladas retornem aos seus donos originários.
— “No curso das apurações, matrículas podem ser canceladas. Canceladas as matrículas, os imóveis retornam aos antigos proprietários, regra geral posseiros que perderam suas terras com base em documentos fraudados.”
Galvão afirmou que as prisões temporárias garantem o andamento seguro das diligências e que mais pedidos de prisão poderão ser feitos à medida que o material apreendido seja analisado.
Obstrução de provas e poder econômico do grupo
Questionado sobre tentativas de destruição de documentos durante a operação, o delegado foi cauteloso, mas reconheceu que indícios podem surgir.
— “Toda investigação de alto nível lida com organizações de grande poder econômico. É natural que tentem destruir provas. Essa tentativa apenas demonstra a culpabilidade dos envolvidos.”
Apreensões, sequestro judicial e metodologia de investigação
A Operação Sinete mobilizou estruturas de quatro órgãos de fiscalização e controle:
- FORCE – Força Correcional Especial Integrada
- Corregedoria da Polícia Militar da Bahia
- Corregedoria da Polícia Civil da Bahia
- Corregedoria-Geral de Justiça do TJBA
O inquérito utilizou interceptações autorizadas, diligências de campo, rastreamento de matrículas suspeitas e análises financeiras. A combinação desses elementos permitiu confirmar que o grupo inseria documentos falsos em processos judiciais para “lavar” cadeias dominiais, criando aparência de legitimidade.
Desdobramentos e fragilidades institucionais
A Operação Sinete expõe falhas estruturais na segurança jurídica dos cartórios baianos. A presença de agentes públicos — inclusive policiais — no núcleo do esquema indica vulnerabilidade nos mecanismos de controle administrativo.
Além disso, os impactos urbanos e econômicos são significativos. A grilagem de áreas urbanas afeta diretamente o planejamento municipal, gera disputas judiciais prolongadas e compromete investimentos legítimos.
A decisão da magistrada Sebastiana Costa Bomfim e Silva, ao impor bloqueios milionários e restrições a agentes públicos, demonstra uma postura mais rigorosa do Judiciário baiano diante de crimes sistemáticos envolvendo a máquina cartorial e operadores financeiros.
Riscos institucionais e consequências de longo prazo
Os detalhes apresentados pelos delegados mostram que o esquema possuía raízes profundas e operava com alto grau de organização. A articulação entre agentes públicos, delegatários de cartórios e empresários indica fragilidades históricas no controle do sistema fundiário brasileiro. A ausência de fiscalização constante permitiu que documentos falsificados fossem incorporados às cadeias dominiais por anos, criando um passivo jurídico de difícil reparação.
A investigação também revela a precarização da posse rural e urbana, sobretudo para famílias vulneráveis, historicamente dependentes da regularização fundiária para garantir segurança sobre seus imóveis. A possibilidade de homicídios associados a disputas reforça a gravidade social do fenômeno.
Por fim, a Operação Sinete pode se tornar marco na revisão dos modelos de fiscalização de cartórios e no estabelecimento de novas práticas de auditoria permanente, necessárias para restaurar a confiança pública na integridade dos registros imobiliários.
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