Nesta sexta-feira (31/10/2025), após 29 anos à frente do Jornal Nacional, William Bonner encerrou um dos ciclos mais longos e simbólicos da história do telejornalismo brasileiro, passando o comando a César Tralli, que assumirá a bancada ao lado de Renata Vasconcellos a partir da próxima segunda-feira, 3 de novembro. Em entrevista conjunta, Bonner e Tralli refletiram sobre a transformação da comunicação informacional no século XXI, marcada pela expansão das redes sociais, pelo impacto da inteligência artificial e pela proliferação das fake news. Ambos defenderam a preservação da credibilidade, da imparcialidade e da profundidade analítica como fundamentos inegociáveis do Jornal Nacional. Para Bonner, o telejornal é um “patrimônio dos brasileiros”, enquanto Tralli ressaltou que o desafio atual é traduzir a complexidade do mundo digital sem abrir mão do rigor jornalístico que consagrou o programa.
O fim de um ciclo e a continuidade de uma marca
Lançado em 1969, o Jornal Nacional é um dos programas mais longevos e influentes da televisão mundial, alcançando cerca de 30 milhões de telespectadores diários — aproximadamente 14% da população brasileira. Bonner, que iniciou sua trajetória no JN em 1996, consolidou-se como o mais duradouro apresentador da história do noticiário, superando o recorde de Cid Moreira.
Durante 26 anos, acumulou também a função de editor-chefe, definindo o tom editorial e a estrutura de um noticiário reconhecido pela busca da imparcialidade, rigor e credibilidade. Em 2026, Bonner fará dupla com Sandra Annenberg na apresentação do Globo Repórter, programa de jornalismo documental da emissora.
A trajetória de um âncora e o legado de credibilidade
Bonner estreou no Jornal Nacional ao lado de Lillian Witte Fibe, com quem apresentou o telejornal até 1998. Em seguida, formou uma das duplas mais emblemáticas da TV brasileira com Fátima Bernardes, de 1998 a 2011. Depois, compartilhou a bancada com Patrícia Poeta e, desde 2014, com Renata Vasconcellos.
A marca pessoal de Bonner sempre esteve associada à defesa de um jornalismo humanista e legalista, distante da opinião individual e voltado à apresentação rigorosa dos fatos.
“O Jornal Nacional é uma instituição tão forte que nem mesmo os acionistas da Globo agem como donos dele. É um patrimônio dos brasileiros”, afirmou o jornalista em entrevista ao O Globo, pouco antes da última edição.
César Tralli assume a bancada e reforça a neutralidade editorial
César Tralli, de 55 anos, assume o posto com o compromisso de preservar o perfil institucional e neutro do Jornal Nacional.
“Vamos seguir o legado do Bonner. O JN representa a voz da empresa e o compromisso com a informação pública”, declarou.
Tralli iniciou a carreira na Rádio Jovem Pan, passou pelo SBT e ingressou na TV Globo em 1993, tornando-se correspondente em Londres dois anos depois. No retorno ao Brasil, destacou-se em reportagens investigativas e na cobertura do Caso Eloá, que lhe rendeu indicação ao Emmy Internacional.
Nos últimos anos, comandou o SPTV 1ª Edição e o Jornal Hoje, além de atuar na GloboNews. Casado com a apresentadora Ticiane Pinheiro, Tralli afirma que encara o novo desafio com senso de responsabilidade e continuidade:
“O Jornal Nacional é maior que qualquer um de nós.”
O jornalismo em tempos de inteligência artificial e fake news
Durante a entrevista de despedida, Bonner e Tralli refletiram sobre os desafios do jornalismo contemporâneo, em meio à desinformação e ao avanço da inteligência artificial.
Bonner destacou a importância da transparência nos processos de apuração: “Se queremos mostrar a verdade, precisamos mostrar como chegamos a ela.” Já Tralli reforçou o papel do JN na explicação dos fatos, com uso de gráficos, especialistas e reportagens mais longas — hoje com média de três minutos, em contraste com o formato breve das décadas anteriores.
Ambos reconhecem o impacto das redes sociais, mas reafirmam que o Jornal Nacional mantém sua curadoria editorial independente, priorizando fatos verificados e temas de relevância nacional e internacional.
Mudanças na audiência e no papel do telejornal
Bonner lembrou que, no passado, o JN era a principal fonte de informação diária para milhões de brasileiros, enquanto hoje o público é bombardeado por dados em tempo real via celular.
“Nosso papel deixou de ser mostrar tudo. Passou a ser mostrar o que realmente importa, com profundidade e contexto”, observou.
Tralli complementou: “Vivemos a era da economia da atenção. É preciso prender o público pela qualidade da explicação, não pela velocidade.”
A dupla também abordou o uso ético de avatares e vozes sintéticas, tendência emergente no jornalismo digital. Bonner foi categórico:
“O apresentador de um jornal não faz discurso — ele conversa com o espectador. Isso não pode ser substituído por uma máquina.”
A relação do Jornal Nacional com o poder e a sociedade
Bonner reafirmou a influência simbólica do Jornal Nacional na esfera pública:
“Quando seu sobrenome é Jornal Nacional, as coisas acontecem. Ele não é mais da Globo; é um patrimônio nacional.”
Durante a pandemia de Covid-19, o telejornal adotou postura firme em defesa da ciência, condenando o negacionismo e a desinformação sobre vacinas. Bonner explicou que, nessas situações, o JN publicou editoriais representando a posição do Grupo Globo em defesa da democracia e da saúde pública: “Quando o que está em jogo é o direito à vida e à democracia, não existem dois lados.”
Bonner, o símbolo de uma era
Ao longo de quase 30 anos, William Bonner se tornou o rosto mais reconhecido do telejornalismo brasileiro. Sua condução durante momentos de crise — como o impeachment de presidentes, desastres ambientais e tragédias nacionais — consolidou sua imagem de serenidade e precisão.
Questionado sobre o futuro, Bonner declarou que pretende “entregar-se” ao novo desafio no Globo Repórter e valorizar o tempo pessoal. “O Jornal Nacional é uma entrega total. Agora, é hora de uma nova forma de contribuição”, disse.
Do poder da TV à era digital: a despedida de William Bonner e o desafio de César Tralli
A despedida de William Bonner do Jornal Nacional simboliza mais do que o encerramento de uma trajetória pessoal de sucesso: representa o fim de um paradigma do telejornalismo tradicional, forjado em um contexto de centralização midiática e autoridade narrativa. Durante quase três décadas, Bonner foi o rosto da era da televisão como mediadora absoluta da opinião pública, quando a credibilidade do noticiário equivalia à legitimidade da verdade. Seu estilo — técnico, ponderado e avesso à personalização da notícia — consolidou o Jornal Nacional como um ritual informativo diário, no qual o país se reconhecia e interpretava a si mesmo.
Sob sua condução, o JN consolidou-se como o centro nervoso da narrativa institucional do Brasil, moldando percepções políticas, culturais e até morais. Bonner exerceu um papel editorial que ultrapassava a leitura de notícias: foi um curador da verdade televisiva, em um país em que a palavra dita na Globo ainda carregava peso de sentença. O controle de tom, o equilíbrio de enunciação e a distância emocional com que narrava tragédias e crises políticas se tornaram parte da identidade de um jornalismo voltado à estabilidade — uma virtude rara em tempos de polarização.
Com César Tralli, o Jornal Nacional tenta agora reinventar-se sem romper com o próprio mito. Tralli representa o perfil técnico, urbano e disciplinado de uma nova geração que entende a importância da mediação institucional, mas enfrenta o desafio de se manter relevante em um ecossistema digital onde a velocidade substitui a verificação e o engajamento suplanta a credibilidade. A sua promessa de “seguir o legado de Bonner” revela tanto o respeito à tradição quanto o temor de uma ruptura inevitável.
A entrevista conjunta entre ambos expôs um diagnóstico lúcido: o jornalismo enfrenta a erosão da confiança e o descrédito das instituições mediadoras. Bonner defende o jornalismo como patrimônio público, uma espécie de bem comum que precisa ser protegido da corrosão do sensacionalismo e da manipulação algorítmica. Sua frase — “mostrar a verdade é mostrar como se chegou a ela” — sintetiza o ponto de virada ético que a profissão precisa assumir na era da inteligência artificial generativa, quando a aparência de verdade é facilmente fabricada.
O discurso sobre a “neutralidade” reforçado por Tralli deve, contudo, ser lido com cautela. Neutralidade, no jornalismo, não é ausência de posição, mas compromisso com a proporcionalidade e a honestidade intelectual. O JN, historicamente, sempre oscilou entre a objetividade técnica e a defesa de valores institucionais — democracia, legalidade, estabilidade econômica —, o que o torna menos neutro e mais representante do consenso civilizatório. Preservar esse equilíbrio sem ceder à pressa ou ao ruído digital é o novo desafio.
Bonner sai no momento em que a televisão perde centralidade, mas não relevância. A diferença é que agora a autoridade é disputada por influenciadores, algoritmos e avatares. A televisão — e, por extensão, o JN — precisa reconquistar o público pela explicação e pela profundidade, não pela exclusividade da notícia. Como o próprio Bonner afirmou, “nosso papel deixou de ser mostrar tudo; passou a ser mostrar o que realmente importa”. Essa mudança de paradigma é crucial: o telejornal deixa de ser o cronista do dia e se transforma em intérprete do tempo.
A relação do Jornal Nacional com o poder sempre foi ambígua — simultaneamente fiscalizadora e guardiã da ordem institucional. Bonner conduziu o noticiário durante momentos de ruptura democrática, mantendo a liturgia do equilíbrio. Sua despedida marca o fim de uma geração de jornalistas que acreditava na força pedagógica da televisão e no pacto de confiança com o espectador. A Globo, ao mantê-lo no Globo Repórter, tenta preservar a aura de credibilidade associada ao seu nome, deslocando-o para o terreno da reflexão documental — onde a urgência dá lugar à profundidade.
O episódio, portanto, não é apenas sobre um profissional que se despede. É sobre a metamorfose de um modelo de comunicação. O JN de Bonner foi o espelho da nação; o de Tralli precisará ser o espelho da era digital, sem perder a alma que o torna reconhecível. Se Bonner simbolizou o auge do telejornalismo clássico, Tralli assume o desafio de provar que a televisão ainda pode ser o espaço do entendimento num mundo de ruído e desinformação.
Em termos históricos, o que se encerra é a fase monolítica da televisão como oráculo da verdade. O que começa é um tempo em que o jornalista precisará disputar, minuto a minuto, a atenção e a confiança de um público fragmentado. O Jornal Nacional pode não mais unificar o país diante de uma tela, mas ainda pode oferecer aquilo que a internet mais raramente entrega: contexto, hierarquia e serenidade. E isso, em tempos de histeria informacional, talvez seja o seu novo papel civilizatório.
*Com informações do Jornal O Globo e Jornal Nacional.

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