Na minha primeira consulta do dia, entra uma paciente em tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia para câncer de pulmão. Enquanto reviso exames, avalio sintomas e ajusto condutas, algo me chama atenção quase automaticamente — mais até do que os dados clínicos. Ao lado dela está o filho, presente em todas as consultas. Ele organiza os documentos com cuidado, ajuda na locomoção, escuta atentamente cada orientação, faz perguntas no momento certo. Não interrompe, não se impõe. Apenas está. É o cuidado em sua forma mais silenciosa: a presença constante.
Em outra consulta, ainda no mesmo dia, atendo uma paciente com câncer de mama. Ela nunca chega sozinha. Sempre está acompanhada da sobrinha. A cumplicidade entre as duas é tão natural, tão cheia de afeto, que muitas vezes me pego esquecendo que não se trata de uma filha. Há carinho nos gestos, delicadeza no olhar, respeito no silêncio. A relação transborda amor, mesmo sem palavras.
Mais adiante no dia, encontro um paciente com câncer de próstata em estágio avançado, já com acometimento ósseo. Ele também nunca vem desacompanhado. A esposa está sempre ao seu lado — companheira de uma vida inteira. Escuta tudo com atenção, segura sua mão durante a consulta, compartilha o peso daquele momento difícil. Não é apenas apoio prático; é parceria, história e compromisso.
Uma das coisas mais bonitas do meu dia a dia como oncologista é observar essas cenas se repetirem. O filho que nunca deixa a mãe sozinha. As filhas que se revezam para garantir que sempre haja alguém presente na consulta. O irmão, a esposa, o neto, a sobrinha — quem quer que esteja ali, oferecendo suporte, atenção e acolhimento. É quase como assistir ao amor ganhando forma concreta, ocupando uma cadeira ao lado do paciente.
Essas situações, tão frequentes que acabam se tornando parte da rotina, sempre me fazem lembrar de uma frase que ouvi do meu pai durante um almoço de família, quando eu ainda era criança — e que carrego comigo até hoje:
“A família é o que temos de mais importante.”
É claro que cada pessoa traz sua própria história, seu contexto, suas vivências. Nem todos vivem a família da mesma forma, e nem todas as relações são simples. Mas, para mim, além de todas as alegrias e aprendizados que a medicina me proporciona, o exercício diário da oncologia reforça algo fundamental: no meio de diagnósticos difíceis, tratamentos complexos e incertezas, são os vínculos humanos que sustentam.
*Thiago Vieira, médico oncologista clínico, atua no diagnóstico e tratamento de diversos tipos de câncer. Comprometido com a assistência integral ao paciente oncológico, dedica-se também à educação em saúde e à divulgação científica, com o propósito de tornar a informação médica mais acessível e próxima da comunidade.
*Contato através do e-mail: thiagosanvieira@hotmail.com
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