Acareação ou Intervenção? | Por Luiz Holanda

A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de marcar uma acareação inédita em pleno recesso do Judiciário, envolvendo o Banco Master, o BRB e o Banco Central, sem previsão legal e sob sigilo absoluto, provocou forte reação no mercado financeiro e entre órgãos institucionais, reacendendo o debate sobre os limites da atuação do STF, a autonomia do Banco Central e os riscos de intervenção judicial em decisões técnicas da autoridade monetária.
Decisão de Dias Toffoli sobre acareação no caso Banco Master, marcada em pleno recesso e sob sigilo, provoca reação do mercado, críticas à interferência judicial e alerta sobre riscos à autonomia do Banco Central.

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), sem amparo legal e sem precedentes na história judicial brasileira, marcou, para o dia 30 de dezembro, em pleno recesso do Judiciário, uma inusitada acareação entre o dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente Banco Regional de Brasília (BRB), Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton Aquino de Souza. Sem esclarecer muito bem o motivo dessa estarrecedora acareação, o ministro, com uma simples canetada, monopolizou todas as investigações sobre o Banco Master e ainda impôs um sigilo absoluto sobre o fato, deixando o mercado financeiro sem rumo. Para piorar, Toffoli, segundo a imprensa, teria viajado para o Peru para assistir à final da Libertadores entre Palmeiras e Flamengo com o advogado do Banco Master, isso sem mencionar o fato de que o banco é defendido pela mulher do também ministro Alexandre de Moraes.

A acareação seria para confrontar as versões sobre as tratativas de compra do Banco Master pelo BRB, barrada pelo Banco Central sob a justificativa de indícios de irregularidades. Atualmente o BC administra a liquidação extrajudicial do Master. O ato de Toffoli não tem previsão legal nem jamais aconteceu no Brasil. Acresça-se a isso o fato de que a acareação se dará no gabinete do ministro e será conduzida por um juiz instrutor, em pleno recesso do Poder Judiciário. A acareação, quando permitida em lei, pressupõe a existência de uma divergência em versões apresentada em declarações de testemunhas, peritos ou investigados, o que não é o caso do Master.

O dono do Master, Daniel Vorcaro, foi preso em novembro no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sob a suspeita de estaria fugindo devido às fraudes financeiras que levaram à liquidação do banco. Ficou menos de 15 dias preso. Foi solto por Toffoli, que, com essa inusitada decisão, deixou o mercado financeiro em pânico e feriu a autonomia do Banco Central. Algumas associações ligadas ao setor divulgaram uma nota em defesa da atuação do BC, chamando a atenção para o fato de que eventual “reversão das decisões técnicas” da autoridade monetária poderá criar um precedente desmoralizante para o BC, que tem independência técnica e operacional para decretar a intervenção em instituições financeiras.

Assinam a nota a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), a Associação Nacional das Instituições de Crédito (Acrefi), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Zetta, associação que representa empresas do setor financeiro e de meios de pagamentos. De acordo com a nota, a presença de um regulador técnico e institucionalmente independente é um dos pilares para a solidez e a resiliência do sistema financeiro, e que o Banco Central vem exercendo esse papel por meio de uma supervisão bancária preventiva, prudente e vigilante, garantindo níveis adequados de capital, liquidez e políticas de risco compatíveis com o perfil das instituições.

A nota ressalta que o baixo número de instituições com problemas de solvência e liquidez nos últimos anos, inclusive durante a crise financeira de 2008/2009 e a pandemia da Covid-19, demonstra a eficácia da atuação da entidade reguladora. O documento reconhece que a atividade financeira envolve riscos elevados, e que, em casos extremos, algumas instituições podem se tornar inviáveis, cabendo ao Banco Central cumprir seu dever legal e adotar regimes de resolução para proteger o sistema financeiro e evitar o seu contágio.

As associações alertam que uma possível hipótese de revisão ou reversão de decisões técnicas do Banco Central pode gerar instabilidade regulatória e insegurança jurídica, comprometendo a previsibilidade do mercado e afetando o equilíbrio legal até agora existente, pois a atividade financeira é um negócio de elevado risco, e mesmo sob supervisão, em determinadas situações e por diversas razões, algumas instituições financeiras podem enfrentar problemas de solvência que, a depender da sua gravidade, as impedem de seguir com sua atuação.

Integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do próprio BC reagiram com incômodo à decisão de Toffoli, classificando-a como “atípica” — para não dizer interventiva —, marcando a acareação em pleno recesso do Judiciário. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, a decisão de Toffoli colocou o Banco Central (BC) em uma “rota perigosa”, que representa um ataque à autonomia da autoridade monetária, considerada um pilar da estabilidade econômica do País. Se isso acontecer, o STF promoveu — pela primeira vez em nossa história — uma verdadeira intervenção no Banco Central do Brasil.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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