Às vésperas do ano eleitoral, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estrutura um amplo conjunto de medidas fiscais e creditícias para 2026, com impacto estimado superior a R$ 220 bilhões, parte relevante fora da meta fiscal. Paralelamente, o Planalto intensifica a reaproximação com o Congresso Nacional, após meses de atritos, enquanto a crise política migra progressivamente para o Supremo Tribunal Federal, alvo de crescente tensão com parlamentares.
O governo federal prepara ao menos uma dezena de iniciativas voltadas à renovação ou ampliação de programas sociais, linhas de crédito e estímulos econômicos com vigência em 2026, ano em que Lula pretende disputar um quarto mandato. Segundo estimativas de consultorias privadas e da Instituição Fiscal Independente (IFI), mais de R$ 80 bilhões dessas ações devem ficar fora da meta de resultado primário, ainda que impactem diretamente a dívida pública.
No conjunto, as medidas alcançam aproximadamente R$ 220,9 bilhões, incluindo operações com financiamento privado e instrumentos extraorçamentários. A IFI calcula que, ao longo do terceiro mandato de Lula, as despesas excluídas da meta fiscal já somam R$ 170 bilhões, incorporando também resultados de estatais.
Embora o arcabouço fiscal aprovado em 2023 preveja, para 2026, um superávit primário de 0,25% do PIB, a margem de tolerância de igual proporção abre espaço para um resultado próximo de zero. Analistas avaliam que esse desenho amplia a flexibilidade para gastos em ano eleitoral, sem descumprimento formal das regras.
Impactos sobre a dívida pública e críticas à transparência
Mesmo não computadas na meta fiscal, as despesas extraordinárias pressionam a dívida pública. Projeções indicam que a dívida bruta pode crescer cerca de 10 pontos percentuais ao longo do Lula 3, alcançando aproximadamente 82,5% do PIB. Entre países emergentes, o Brasil mantém uma das maiores proporções de endividamento, atrás apenas da China, segundo dados do Fundo Monetário Internacional.
Especialistas apontam riscos à credibilidade do regime fiscal. Marcos Pestana, diretor-executivo da IFI, avalia que a regra atual se tornou insustentável diante de mudanças frequentes e da multiplicação de exceções. Já economistas da consultoria BRCG destacam práticas contábeis pouco transparentes, como o uso prolongado de fundos privados criados durante a pandemia, que deveriam ter retornado ao Tesouro Nacional.
Entre as medidas classificadas como expansionistas por bancos internacionais, como o Barclays, estão linhas de crédito subsidiadas para habitação e programas financiados por fundos específicos, a exemplo do Reforma Casa Brasil, com estimativa de R$ 7,3 bilhões em juros subsidiados.
Isenção do IR e estímulo ao consumo
A iniciativa de maior impacto político e econômico é a isenção total do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais, com redução parcial até R$ 7.350. A medida beneficia cerca de 15,5 milhões de contribuintes e entra em vigor em 2026. Para analistas, o aumento da renda disponível tende a estimular o consumo, mas pode gerar pressões inflacionárias e limitar o espaço para a redução da taxa básica de juros, atualmente em 15% ao ano.
Sem superávits primários consistentes — inexistentes desde 2014 —, o Tesouro Nacional segue dependente da emissão de títulos para financiar déficits, elevando o custo do endividamento. Apenas em 2025, o pagamento de juros da dívida deve se aproximar de R$ 1 trilhão.
Reaproximação política com o Congresso Nacional
No plano político, o Palácio do Planalto atua para distensionar a relação com o Legislativo após uma sequência de conflitos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), adotou a estratégia de “limpar a pauta” antes do recesso, aprovando matérias econômicas prioritárias e reduzindo o volume de projetos polêmicos para 2026.
A movimentação cria um ambiente legislativo mais previsível no próximo ano e desloca o foco para a disputa eleitoral. Entre os gestos de reaproximação estão conversas diretas entre Lula e Motta, a recomposição do diálogo com lideranças partidárias e a reorganização ministerial para atender interesses do centrão.
Apesar disso, nem todas as pautas avançaram conforme a orientação do Executivo. Projetos sensíveis, como o PL da Dosimetria, foram aprovados contra a posição do governo, evidenciando que a estabilidade política permanece condicionada a negociações permanentes.
Tensão institucional migra para o STF
Enquanto o Executivo e o Legislativo ensaiam uma trégua, a tensão institucional se desloca para o Supremo Tribunal Federal. Operações da Polícia Federal autorizadas por ministros da Corte atingiram parlamentares da base governista, do centrão e da oposição, alimentando críticas no Congresso sobre suposta interferência do Judiciário.
As investigações envolvem suspeitas de irregularidades no uso de emendas parlamentares e no manejo de recursos públicos, ampliando o mal-estar entre deputados e senadores. A crise institucional, nesse contexto, deixa de ser um embate direto com o Planalto e passa a concentrar-se na relação entre Congresso e STF.
Fiscalismo flexível e pragmatismo político
A estratégia do governo Lula para 2026 combina flexibilização fiscal, estímulo ao consumo e engenharia política voltada à redução de riscos no Congresso. O uso recorrente de exceções ao arcabouço fiscal preserva formalmente as regras, mas fragiliza sua credibilidade no médio prazo, ao deslocar o foco do resultado primário para a dinâmica da dívida.
Do ponto de vista político, a reaproximação com a Câmara sinaliza pragmatismo e leitura realista do calendário eleitoral. Ao “desarmar” a pauta legislativa, o governo reduz incertezas e evita confrontos que poderiam comprometer a agenda eleitoral.
Por outro lado, a migração da crise para o STF expõe tensões institucionais latentes. A sobreposição entre política, Justiça e orçamento público sugere um cenário em que a estabilidade aparente pode ocultar conflitos estruturais, com impacto direto sobre a governabilidade e a confiança dos agentes econômicos.
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