EUA redefinem estratégia e concentram poder nas Américas diante da multipolaridade global

Aumento da presença militar norte-americana na região intensifica atenção do Brasil.
Aumento da presença militar norte-americana na região intensifica atenção do Brasil.

A política externa dos Estados Unidos, reorientada no segundo mandato de Donald Trump, passou a priorizar as Américas, após o governo norte-americano reconhecer a consolidação de um sistema multipolar marcado pela força crescente de China e Rússia. A mudança estratégica amplia tensões regionais e coloca o Brasil em posição central no monitoramento da nova dinâmica internacional.

A movimentação de Washington foi percebida ao longo do ano por meio de medidas econômicas e militares. Em julho de 2025, o Brasil recebeu tarifas acumuladas de 50% sobre exportações estratégicas, como café e carne bovina. Canadá e México também enfrentaram novas taxações. Em setembro , a Casa Branca autorizou ações militares contra embarcações supostamente ligadas ao envio de drogas da Venezuela para a América do Norte, ampliando o foco de segurança dos EUA no Caribe.

A intensificação das pressões culminou no anúncio da operação Lança Austral, comunicada pelo secretário de Guerra, Pete Hegseth, direcionada ao suposto desmantelamento de organizações classificadas pela Casa Branca como narcoterroristas. Com milhares de soldados posicionados no Caribe e o envio dos navios USS Gerald R. Ford e USS Thomas Hudner, cresce o debate sobre o objetivo norte-americano de cercar politicamente e militarmente a região.

Avaliação de especialistas sobre a estratégia norte-americana

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o foco dos EUA não é direcionado exclusivamente ao Brasil, mas sim às Américas como área prioritária diante da perda de hegemonia global. Segundo Williams Gonçalves, professor aposentado da UERJ e pesquisador do INCT-INEU, o governo Trump opera sob lógica pragmática ao reconhecer que a hegemonia mundial tornou-se inviável.

Para o pesquisador, a ascensão de China, Rússia e Índia força um recuo estratégico: Washington reduz a ênfase na Europa e direciona sua capacidade de influência ao continente americano. Nesse cenário, o Brasil, pela relevância econômica, dimensão territorial e participação no BRICS, torna-se peça essencial. Gonçalves questiona como Brasília irá equilibrar sua posição caso haja pressão para rever alianças consolidadas com Pequim e Moscou.

Roberto Uebel, professor da ESPM, acrescenta que os EUA ainda mantêm presença ativa na Europa Ocidental, mas ampliam iniciativas destinadas a fragilizar governos considerados desfavoráveis aos seus interesses, como o de Nicolás Maduro. Essa pressão incrementa a atenção brasileira aos desenvolvimentos no Caribe e na Venezuela.

Monitoramento brasileiro e impacto regional

Segundo Uebel, duas áreas do governo brasileiro — Itamaraty e Forças Armadas — acompanham de perto os desdobramentos. A diplomacia observa riscos à integração regional, enquanto os militares monitoram possíveis violações territoriais em razão do avanço de tropas norte-americanas.

O especialista lembra que a região possui bases militares de França e Reino Unido, além das norte-americanas, sem que isso historicamente tenha sido interpretado pelo Brasil como ameaça direta. No atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a estratégia tem sido reforçar a imagem internacional por meio da atuação em fóruns como G20, G7 (como observador) e BRICS, além da aproximação entre União Europeia e Mercosul.

O cenário, no entanto, continua sujeito à instabilidade provocada pela política norte-americana para o Caribe, especialmente diante da operação Lança Austral e das ações classificadas como combate ao narcotráfico. Uebel explica que, internamente, essa pauta tem forte aceitação nos EUA, reduzindo questionamentos sobre sua legalidade no plano internacional.

Efeitos sobre a integração sul-americana

A resposta regional às movimentações de Washington é limitada. Países alinhados aos EUA, como Argentina e El Salvador, e possivelmente o Chile, reduzem a formação de um bloco coeso para contestar eventuais ingerências. Essa fragmentação enfraquece mecanismos multilaterais como Unasul e CELAC, criados para fortalecer a autonomia sul-americana e reduzir dependências externas.

A leitura predominante entre analistas é que a redefinição estratégica norte-americana deve seguir influenciando a política regional, exigindo do Brasil uma postura diplomática firme, mas calculada, a fim de preservar interesses econômicos e geopolíticos diante da multipolaridade em consolidação.

*Com informações da Sputnik News.


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