A presença econômica da China no Brasil passa por transformação estrutural. Se antes predominavam megafusões bilionárias em energia e infraestrutura, agora ganha força um movimento mais discreto, mas disseminado, com investimentos menores, porém mais numerosos, concentrados em projetos novos (greenfield) e na formação de uma cadeia industrial local. O levantamento da Araújo Fontes mostra que, entre 2007 e 2023, o país recebeu US$ 73 bilhões em capital chinês distribuído em 265 projetos, evidenciando uma ocupação consistente e de longo prazo.
Nos últimos dez anos, o cenário mudou. As operações chamativas — como a compra da CPFL pela State Grid em 2017 por R$ 14,2 bilhões, ou a aquisição dos ativos da Duke Energy pela China Three Gorges por R$ 3,1 bilhões — deram lugar a um formato de investimento fragmentado e estratégico.
Segundo Marcio Santiago, sócio da Araújo Fontes, o ciclo de grandes compras abriu terreno para um exército de empresas menores, envolvidas em engenharia, logística, manufatura e fornecimento industrial. São empreendimentos que, diferentemente das estatais, entram para construir, operar e gerar valor de longo prazo, reforçados por linhas de crédito de bancos chineses.
Em 2021, metade dos investimentos chineses no Brasil era voltada para projetos novos. Em 2023, esse índice saltou para 90%. A curva revela que o capital chinês deixou de ser apenas comprador para se tornar produtor, instalando fábricas e hubs logísticos, sobretudo em energia, mobilidade elétrica e infraestrutura de exportação.
Números da expansão chinesa
Entre 2007 e 2023, o Brasil recebeu:
- US$ 73 bilhões investidos
- 265 projetos confirmados
- 45% dos valores em energia
- 30% em petróleo e gás
- Demais setores: manufatura, mineração, infraestrutura, agricultura e logística
A queda no valor médio dos projetos também confirma a mudança de perfil. Entre 2010-2014, cada investimento valia em média US$ 507 milhões. De 2020 a 2024, o valor médio recuou para US$ 112 milhões, acompanhado por volume maior de operações corporativas.
Estratégia chinesa: soft power, indústria e presença geopolítica
A presença econômica chinesa no Brasil opera com lógica de Estado, articulando:
- energia → transmissão → equipamentos → mobilidade elétrica
- infraestrutura → portos → ferrovias → exportação agrícola
- usinas → fábricas → fornecedores → reinvestimento local
Esse encadeamento alimenta softpower comercial, ampliando capilaridade e influência política. As empresas chinesas se fixam no Brasil como polo continental, com efeitos sobre a América Latina.
O país já conta com 15 montadoras chinesas, impulsionadas pela corrida global da transição energética. A GWM assumiu a planta da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP); a BYD comprou o complexo industrial da Ford em Camaçari (BA) e se torna peça-chave no mercado de carros elétricos e híbridos.
Casos recentes que ilustram o movimento
- Concremat adquirida pela CCCC → plataforma de engenharia na América Latina
- CRRC + Comporte vencem o TIC São Paulo–Campinas → construção de fábrica em Araraquara
- CTG compra ativos da Duke Energy → energia e transmissão
- Porto TCP vendido à CMPort → logística portuária e exportação
Essas operações se conectam em uma cadeia industrial integrada, alimentada por fornecedores chineses e reinvestimento da margem obtida no país.
O fator geopolítico e o contexto global
A ofensiva chinesa coincide com disputa estratégica com os Estados Unidos. O tarifaço de Donald Trump criou entraves às empresas americanas no Brasil, enquanto Pequim avançou com aportes e reestruturações industriais.
De 2007 a 2016, os investimentos chineses globais cresceram de US$ 24,8 bilhões para US$ 170,1 bilhões e se mantêm desde então acima da casa dos US$ 110 bilhões anuais. Parte desse montante migra para o Brasil com reinvestimento local de dividendos, sem remessa imediata para matriz — estratégia rara no capitalismo ocidental.
Com o setor de energia vivendo incertezas diante do curtailment elétrico, a China amplia presença mirando hidrogênio verde, baterias de larga escala e infraestrutura. A expectativa é que empresas chinesas tenham presença majoritária no leilão de baterias da Aneel ainda este mês.
O avanço silencioso que molda o futuro industrial brasileiro
A presença chinesa no Brasil já não é episódica: é estrutural, duradoura e planejada a longo prazo. A substituição de megafusões por projetos pulverizados reduz alarde midiático, mas aumenta a capilaridade e a influência setorial, especialmente em energia e mobilidade elétrica.
Há ganhos evidentes — capital produtivo, geração de empregos, reativação de parques industriais — mas também surgem pontos sensíveis. O Brasil pode tornar-se dependente de componentes, tecnologia e crédito chinês, enquanto a indústria nacional corre risco de assimilar mais do que competir. A abertura de fábricas locais é positiva, desde que acompanhada de políticas industriais sólidas, transferência tecnológica real e fortalecimento de fornecedores brasileiros.
O avanço da China no território econômico brasileiro não é invasivo por força, mas por método, com paciência e planejamento estatal. Os impactos, positivos ou não, serão sentidos por décadas.
Principais Dados
Volume de Investimentos Chineses no Brasil
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US$ 73 bilhões investidos entre 2007 e 2023
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265 projetos confirmados no período
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Em 2021, 50% dos recursos eram greenfield
-
Em 2023, 90% dos recursos passaram a ser greenfield
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Valor médio por projeto:
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2010–2014 → US$ 507 milhões
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2015–2019 → US$ 313 milhões
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2020–2024 → US$ 112 milhões
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Distribuição por Setores
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Energia elétrica: 45%
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Petróleo e gás: 30%
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Outros setores (com participação menor):
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Manufatura
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Mineração
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Infraestrutura logística
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Agricultura
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Indústria automotiva (carros elétricos e híbridos)
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Investimentos Globais da China
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2007 → US$ 24,8 bilhões
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2016 (pico) → US$ 170,1 bilhões
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Após 2016 → mantendo acima de US$ 110 bilhões/ano
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Mais de 60% pulverizados entre diferentes países
Marcos e Fusões Bilionárias Anteriores
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State Grid compra CPFL (2017): R$ 14,2 bilhões
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CTG compra Duke Energy (2016): R$ 3,1 bilhões
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CMPort adquire o TCP (Porto de Paranaguá) por R$ 2,9 bilhões
Projetos e Movimentos Corporativos Estratégicos
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Concremat → adquirida pela CCCC, base de engenharia da China na América Latina
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TIC SP–Campinas (CRRC + Comporte) → fábrica de trens em Araraquara
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CTG → ativos da Duke Energy
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GWM → assume planta da Mercedes-Benz em Iracemápolis
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BYD → compra fábrica da Ford em Camaçari
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Mota-Engil (com CCCC) vence leilão do túnel Santos–Guarujá
Mobilidade e Indústria Automotiva Chinesa
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15 montadoras chinesas atuando no Brasil
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Forte presença em veículos elétricos e híbridos
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País torna-se hub industrial para América Latina
Tendências e Estratégia Estrutural
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Prioridade em energia, infraestrutura, transição energética e indústria
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Crescimento acelerado de cadeias de fornecedores
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Empresas chinesas tendem a reinvestir dividendos localmente
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Expansão combinada com softpower e influência geopolítica
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China mira longo prazo: planejamento econômico projetado em 50 anos
Próximos movimentos esperados
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Presença no leilão de baterias da Aneel
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Entrada forte em hidrogênio verde
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Avanço contínuo em transmissão, logística e manufatura energética
*Com informações do Estadão.
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