A Justiça Federal revogou a prisão na sexta-feira (28/11/2025) preventiva do banqueiro Daniel Vorcaro e de quatro sócios do Banco Master, menos de duas semanas após a deflagração da Operação Compliance Zero, que apura um esquema de fraudes que pode superar R$ 17 bilhões em créditos consignados e na tentativa de venda da instituição ao BRB.
A decisão da desembargadora Solange Salgado, do TRF-1, impôs tornozeleira eletrônica, proibiu o grupo de atuar no sistema financeiro e de deixar o país, reacendendo o debate nacional sobre o uso da prisão cautelar em crimes financeiros, a fragilidade da governança de fundos de previdência que investiram bilhões em papéis ligados ao Master e o impacto institucional da liquidação do banco sobre o sistema financeiro, o mercado de capitais e o rastreamento internacional de ativos do império corporativo da holding Titan.
Decisão do TRF-1 impõe medidas cautelares e afasta risco de fuga
A desembargadora Solange Salgado concedeu habeas corpus a Vorcaro e aos sócios Augusto Ferreira Lima, Luiz Antonio Bull, Alberto Feliz de Oliveira e Angelo Antonio Ribeiro da Silva, todos investigados por suposto envolvimento no esquema apurado pela Polícia Federal (PF).
No despacho, a magistrada reconsidera a decisão anterior que havia mantido a prisão preventiva e afirma que, embora Vorcaro tenha sido detido no Aeroporto de Guarulhos ao tentar embarcar em seu jatinho particular, a viagem ao exterior estaria previamente justificada, afastando o risco concreto de fuga.
Com a decisão, os investigados deverão usar tornozeleira eletrônica, estão proibidos de exercer atividades no setor financeiro, impedidos de manter contato com outros investigados e autorizados a permanecer no país sem passaporte, que seguirá retido. Para a defesa, a revogação da prisão confirma que nunca houve tentativa de fuga e que o banqueiro “sempre se colocou à disposição” para colaborar com as autoridades.
Operação Compliance Zero: fraudes bilionárias, BRB e liquidação do Banco Master
A Operação Compliance Zero, deflagrada pela PF em 18 de novembro, investiga um esquema sofisticado de venda de carteiras falsas de crédito consignado ao BRB, em operações que podem ter chegado a R$ 12 bilhões. As suspeitas incluem maquiagem de ativos, superavaliação de carteiras, ocultação de prejuízos e manipulação de dados para viabilizar transações sob aparência de regularidade.
As apurações levaram o Banco Central (BC) a decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master em 19 de novembro, medida que paralisou operações, travou recursos de investidores e desencadeou uma reação em cadeia sobre empresas e fundos ligados ao grupo.
Segundo relatórios preliminares, fundos de previdência de servidores públicos passaram a figurar entre os principais prejudicados: cerca de R$ 2 bilhões em papéis do Master teriam sido adquiridos por pelo menos 18 fundos municipais, muitos deles em condições controversas de governança, ausência de proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e decisões tomadas em períodos de baixa vigilância administrativa.
O papel do BRB e o impacto institucional das operações
O BRB, banco público vinculado ao governo do Distrito Federal, tornou-se peça central no inquérito ao adquirir carteiras de crédito consignado supostamente infladas ou inexistentes.
A PF apontou indícios de que o Banco Master vendeu carteiras falsas ao BRB, com valores bilionários, em operações marcadas por suspeitas de fraude documental, falhas de due diligence e possível conluio entre executivos das instituições.
Diante da gravidade das suspeitas, a Justiça Federal determinou o afastamento do então presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, enquanto a PF prossegue na análise de documentos, sistemas internos, celulares apreendidos e contratos financeiros. A investigação também avalia a participação de intermediários, consultorias financeiras e operadores do mercado, buscando mapear responsabilidades em diferentes níveis da cadeia decisória.
Titan: o império de Vorcaro e o colapso após a liquidação do Master
Paralelamente à atuação no Banco Master, Vorcaro edificou, por meio da holding Titan, um amplo portfólio de investimentos e participações empresariais, que se tornou símbolo de um estilo de vida ostensivo e de forte exposição na elite financeira da Avenida Faria Lima, em São Paulo.
Instalada em dois andares do chamado “prédio da baleia”, um dos ícones do centro financeiro paulistano, a Titan contava com 4 mil metros quadrados de área, ocupados por poucos funcionários, enquanto empresas do mesmo edifício costumam abrigar centenas de colaboradores por andar. O escritório possuía elevador privativo para o heliponto, academia, sauna, hidromassagem, adega com centenas de vinhos e um bar em estilo inglês com diversas safras de uísques raros, além de um fumódromo abastecido com charutos cubanos.
Esse cenário contrastava, mesmo na Faria Lima, com a média de escritórios de alto padrão. Com a liquidação do Banco Master, diversos ativos ligados à Titan passaram a enfrentar pressão financeira, revisões de participação societária, venda de posições estratégicas e perda acelerada de valor de mercado.
Portfólio da Titan: de Veste e Oncoclínicas a credenciamentos ligados ao Master
A Titan se apresenta como gestora dos investimentos pessoais de Vorcaro e reestruturadora de empresas, com histórico de atuação em varejo, saúde, energia e telecomunicações.
Entre os casos de sucesso exibidos no site da holding estão:
- Veste (antiga Restoque), dona de marcas como Le Lis, Bo.bô e Dudalina, cujo controle foi obtido após conversão de dívidas em ações por meio da WNT Capital, gestora da qual Vorcaro é um dos principais investidores;
- Oncoclínicas, rede de tratamento oncológico, alvo de um acordo de investimento de até R$ 1 bilhão em novas ações por fundos ancorados pelo Banco Master.
Com o agravamento da crise, a participação na Veste foi vendida ao BTG Pactual, e a Oncoclínicas viu seus papéis recuarem perto de 18% em novembro, ao informar que possuía R$ 433 milhões aplicados em CDBs do Master, dos quais R$ 217 milhões já vinham sendo provisionados e R$ 216 milhões representavam perda potencial imediata.
Entre os 29 negócios listados no portfólio da Titan, ao menos sete tinham ligação direta com o Banco Master, incluindo a corretora, o Credcesta (focado em crédito consignado para servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS) e o Will Bank, banco digital que segue em operação, em meio a negociações para venda. Constam ainda ativos já alienados, como o Fasano Itaim, a mineradora Itaminas e participação na empresa de energia Light, também repassada ao BTG em pacote de R$ 1,5 bilhão.
Investigações ligam negócios da Titan a outros grandes investidores
Diversas empresas listadas no portfólio da Titan estiveram associadas, em algum momento, ao investidor Nelson Tanure, conhecido por atuar na recuperação de empresas e em operações de ativos estratégicos. Entre elas estão a Light, a Alliança Saúde, a Emae e a Ligga (antiga Sercomtel), além da própria Oncoclínicas.
Em nota, Tanure negou qualquer vínculo com o escritório da Titan e afirmou manter, há mais de cinco décadas, “trajetória reconhecida no mercado, voltada à recuperação de ativos estratégicos e ao fortalecimento de empresas brasileiras”.
Um inquérito da PF investiga a ligação entre Tanure e o Banco Master, mas o investidor nega ser controlador da instituição, afirmando que o banco é “apenas uma entre tantas” instituições utilizadas para operações no mercado de capitais.
Mansões em Miami: expansão patrimonial e rastreamento internacional de ativos
O caso ganhou dimensão internacional com a revelação, pelo site americano The Real Deal, de que Daniel Vorcaro teria adquirido, em janeiro deste ano, uma mansão em Miami por US$ 85,2 milhões (cerca de R$ 460 milhões), em condomínio de alto padrão em Bay Point, além de um segundo imóvel na mesma região por US$ 6,9 milhões.
As propriedades foram registradas em nome da Goldbeach Properties LLC, sediada no estado de Delaware, jurisdição conhecida pela flexibilidade regulatória e pela possibilidade de estruturas societárias que dificultam a identificação de beneficiários finais.
Registros indicam ainda que empresas vinculadas ao mesmo endereço da Goldbeach teriam adquirido uma cobertura na torre Missoni Baia e um apartamento no edifício Asia, em Brickell Key, ambos em áreas valorizadas de Miami. No caso do Asia, o valor registrado chega a US$ 2,8 milhões. A reportagem afirma que as informações sobre a real titularidade dos imóveis foram confirmadas por fontes ligadas às negociações, embora não haja documentos públicos que liguem diretamente Vorcaro às propriedades.
A defesa do banqueiro foi procurada por veículos de imprensa brasileiros, mas não se manifestou sobre as aquisições. Em petições apresentadas à Justiça, contudo, advogados afirmaram que Vorcaro “corre risco de morte” no sistema carcerário, alegando vulnerabilidade em razão do perfil econômico e social do empresário.
Fundos de previdência sob pressão: o caso Maceió Previdência
Entre os casos que evidenciam o impacto da crise do Banco Master, o Maceió Previdência, fundo responsável pela aposentadoria de servidores da capital alagoana, tornou-se exemplo de risco para o sistema de Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).
Atas do Conselho de Administração mostram que a política de investimentos de 2024, que permitiu aportes de R$ 97 milhões em papéis do Master sem proteção do FGC, foi aprovada em reunião de 27 de dezembro de 2023, em período de baixa atividade institucional — entre o Natal e o Ano-Novo.
A legislação municipal exige quórum mínimo de sete conselheiros para instalação das sessões, mas a ata registra apenas seis participantes, dos quais só quatro assinaram o documento. Apesar das inconsistências, a política foi considerada aprovada, permitindo aplicações em produtos de maior risco, em um cenário em que já existiam sinais públicos de dificuldades da instituição.
Governança falha, representações à PF e impacto sobre aposentadorias
Diante da ausência de quórum e de assinaturas, o vereador e ex-prefeito Rui Palmeira (PSD) apresentou representação à Polícia Federal, pedindo a abertura de investigação sobre a conduta dos gestores do Maceió Previdência. Ele aponta “operações financeiras extremamente temerárias” e a tomada de decisão em ambiente de risco já conhecido no mercado.
Em resposta, o Maceió Previdência afirmou que o Conselho de Administração não delibera sobre investimentos específicos, atribuindo essa responsabilidade ao Comitê de Investimentos, que teria aprovado, em maio de 2024, um aporte de R$ 17 milhões em Letras Financeiras do Master. Segundo a nota, todos os investimentos respeitaram limites legais de diversificação, e o banco estava “plenamente habilitado” pelo BC, pela CVM e pelo Ministério da Previdência à época das aplicações.
O instituto também sustenta que a gestão atual (2021–2025) promoveu reestruturação de processos, elaborando políticas de investimentos anuais, regularizando demonstrativos obrigatórios (DPIN, DAIR) e rompendo com práticas de desorganização administrativa da década anterior. A autarquia diz estar em contato com Banco Central, Ministério da Previdência e empresa liquidante, buscando recuperar os recursos investidos e defender os interesses de aposentados e pensionistas.
Atuação da consultoria Crédito e Mercado e controvérsias sobre recomendações
A Crédito & Mercado Gestão de Valores Mobiliários aparece nas atas como empresa de consultoria contratada para apoiar a elaboração da política de investimentos do Maceió Previdência. Em reunião de dezembro de 2023, o representante da consultoria, Renan Calamia, conduziu a apresentação da política, descrevendo a gestão de recursos como “conservadora” e alinhada a princípios de “boa governança, segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência”.
Posteriormente, em encontros do Comitê de Investimentos, Calamia teria apresentado relatórios de realocação de carteira que, segundo críticos, influenciaram aportes em ativos ligados ao Banco Master. A consultoria, porém, nega qualquer recomendação direta de investimentos no Master.
Em nota, a empresa afirma que sua atuação é estritamente técnica e opinativa, limitada à análise de risco, retorno e enquadramento regulatório, sem indicação de instituições específicas. Sustenta ainda que não mantém vínculo societário ou contratual com o Banco Master, não intermedeia operações e que a decisão final sempre cabe aos gestores públicos, conforme exigem a Lei nº 9.717/98 e as normas aplicáveis aos RPPS.
Quem é a desembargadora Solange Salgado, do TRF-1
A decisão que libertou Daniel Vorcaro e seus sócios foi assinada pela desembargadora Solange Salgado, magistrada com trajetória extensa no Judiciário e no Ministério Público.
Formada em Direito em 1985 pela Faculdade de Direito Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, Solange possui mestrado em Direito Penal pela Universidade Gama Filho e pós-graduações em instituições como a Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal e a Universidade de Brasília (UnB).
Sua carreira inclui passagens como promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (1987–1989) e breve atuação como defensora pública no Rio de Janeiro, antes de retornar ao MP mineiro. Em 1992, ingressou como juíza de Direito no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cargo que ocupou por curto período, até ser nomeada juíza federal da 1ª Região, inicialmente na Seção Judiciária do Maranhão, com posterior remoção para o Distrito Federal, onde atua até hoje.
Investigações passadas e atuação acadêmica
A trajetória de Solange inclui a presidência da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer), período no qual seu nome foi citado em inquérito sobre empréstimos fraudulentos contratados pela entidade entre 2000 e 2009. A Corte Especial do TRF-1 recebeu a denúncia relativa ao suposto esquema, mas rejeitou a acusação em relação à magistrada por falta de provas, afastando qualquer participação sua nas irregularidades.
Além da atuação jurisdicional, Solange exerceu funções administrativas, como a Diretoria do Foro, foi convocada diversas vezes para atuar no próprio TRF-1 e construiu carreira acadêmica, lecionando em instituições como CEUMA, CEJUMA, AEUDF e UNICEUB, além de participar de seminários e publicar artigos sobre Direito Processual Civil e temas correlatos.
A decisão que revogou a prisão preventiva de Vorcaro insere a magistrada no centro de um debate sensível: os critérios para decretação e manutenção de prisões cautelares em crimes financeiros complexos, em que a gravidade econômica frequentemente contrasta com a necessidade de respeito às garantias processuais.
PF adia depoimentos, STF entra no radar e investigação segue em curso
A Polícia Federal decidiu adiar, sem nova data definida, os depoimentos do ex-presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e de outros investigados no inquérito que apura irregularidades na tentativa de venda do Banco Master ao banco público.
Os interrogatórios estavam previstos para esta segunda-feira (1º), mas foram suspensos no momento em que a defesa de Vorcaro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que assumisse o caso, após a apreensão de documentos relacionados a uma transação imobiliária entre o banqueiro e o deputado federal João Carlos Bacelar. A eventual presença de parlamentar na trama pode atrair a competência do STF, em razão do foro por prerrogativa de função.
A PF segue analisando o material apreendido na Operação Compliance Zero, incluindo contratos, registros contábeis, comunicação interna e arquivos digitais. O ex-presidente do BRB, que estava em viagem ao exterior no dia da operação, retornou ao Brasil e entregou seu celular às autoridades, que agora buscam reconstruir a cadeia de decisões que levaram à exposição do banco público a carteiras suspeitas.
Prisões cautelares, governança pública e responsabilização de elites financeiras
O caso Daniel Vorcaro/Banco Master explicita uma tensão recorrente no sistema de justiça brasileiro: como equilibrar a preservação das garantias individuais com a necessidade de assegurar a eficácia de investigações complexas envolvendo altas cifras, múltiplas camadas societárias e reflexos sobre o sistema financeiro e a previdência pública.
A decisão do TRF-1, ao substituir a prisão preventiva por medidas cautelares, reafirma o entendimento de que a privação de liberdade antes da condenação deve ser excepcional e fundamentada em indícios concretos de risco, como fuga ou obstrução de provas. Por outro lado, a magnitude das suspeitas — fraudes bilionárias, liquidação de banco, impacto sobre fundos de aposentadoria e expansão patrimonial no exterior — alimenta a percepção de que elites financeiras frequentemente conseguem responder em liberdade, enquanto outros perfis de acusados permanecem presos em situações muito menos complexas.
No campo da governança pública, o episódio revela fragilidades estruturais de fundos de previdência de servidores, expostos a decisões tomadas com quórum insuficiente, em datas atípicas e com dependência excessiva de consultorias privadas. A alegação de que o Master estava “plenamente habilitado” pelos órgãos reguladores é relevante do ponto de vista formal, mas não elimina a necessidade de análise crítica de risco, sobretudo em instituições de porte médio e com sinais prévios de estresse financeiro.
Por fim, a dimensão internacional do caso, marcada pela aquisição de imóveis de altíssimo padrão nos Estados Unidos, pela utilização de estruturas societárias em Delaware e pela possível necessidade de cooperação jurídica internacional, reforça a importância de um sistema que não apenas sancione formalmente os envolvidos, mas seja capaz de rastrear, bloquear e recuperar ativos. Sem isso, fraudes sofisticadas tendem a produzir um padrão conhecido: perdas sociais espalhadas entre contribuintes e servidores, enquanto parte relevante do patrimônio migra para jurisdições de difícil acesso.
*Com informações Estadão.
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