A morte de Carmen Oliveira da Silva, conhecida como Mãe Carmen do Gantois, aos 98 anos, na madrugada desta sexta-feira (26/12/2025), em Salvador, provocou ampla comoção no meio religioso, cultural e institucional da Bahia. Ialorixá do Terreiro do Gantois, uma das casas de candomblé mais tradicionais do país, Mãe Carmen esteve à frente da roça por 23 anos, consolidando-se como referência espiritual e guardiã de uma linhagem histórica que moldou o candomblé brasileiro.
Em nota oficial divulgada nesta manhã, a Associação de São Jorge Ebé Oxóssi, entidade mantenedora do terreiro, destacou a relevância histórica, espiritual e simbólica de Mãe Carmen. O comunicado a descreve como “mulher de axé, guardiã da ancestralidade e herdeira de uma linhagem que pavimentou a história do candomblé”, ressaltando seu papel central na preservação dos fundamentos religiosos e da vida comunitária do Gantois.
Formação religiosa e herança de Mãe Menininha
Filha direta de Mãe Menininha do Gantois, uma das maiores referências do candomblé no Brasil, Mãe Carmen teve sua formação iniciada ainda na infância. Segundo o terreiro, ela foi preparada desde cedo nos ritos, fundamentos e saberes tradicionais que sustentam a casa, em um processo contínuo de transmissão oral e prática religiosa.
A herança espiritual de Mãe Menininha permaneceu como eixo central de sua atuação. A condução do Gantois por Mãe Carmen foi marcada pela fidelidade aos orixás, pelo respeito às hierarquias internas e pela manutenção de práticas ancestrais, consideradas essenciais para a continuidade do axé.
Ao assumir a liderança do terreiro, Mãe Carmen deu sequência a um legado reconhecido não apenas no âmbito religioso, mas também na formação cultural e identitária de Salvador e da Bahia.
23 anos à frente do Terreiro do Gantois
Durante mais de duas décadas, Mãe Carmen conduziu uma das mais tradicionais roças de candomblé do país com amor, responsabilidade e firmeza, segundo a nota oficial do terreiro. Seu papel como ialorixá esteve associado ao cuidado com a comunidade, à orientação espiritual dos filhos e filhas de santo e à proteção do axé da casa.
O texto divulgado pelo Gantois descreve sua liderança como acolhedora e, ao mesmo tempo, sólida, definindo-a como “farol, colo, caminho e fortaleza”. A ialorixá foi reconhecida por articular tradição e continuidade, assegurando que os valores centrais da casa permanecessem vivos no cotidiano religioso.
Ao longo de sua gestão, Mãe Carmen contou com o apoio direto de suas duas filhas na condução da roça, compartilhando responsabilidades e conhecimentos, em um modelo que reforçou a dimensão familiar e matriarcal do axé do Gantois.
Família, sucessão e continuidade do axé
Além das filhas que a auxiliaram na liderança do terreiro, Mãe Carmen deixa três netos e quatro bisnetos, apontados pela comunidade como símbolos da continuidade da memória e do futuro espiritual da casa.
O comunicado do Gantois enfatiza que a morte física da ialorixá não representa o fim de sua presença espiritual.
“Hoje, nos despedimos de sua presença física, mas afirmamos com convicção: seu axé permanece”, afirma a nota, reforçando a ideia de permanência simbólica e religiosa que orienta o candomblé.
O texto também destaca o simbolismo de seu falecimento em uma sexta-feira, dia consagrado a Oxalá, orixá associado à criação, à serenidade e à ancestralidade.
Reconhecimento institucional e cultural
A Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA) divulgou nota de pesar ressaltando a importância dos terreiros na formação dos pilares da cultura afro-brasileira. Para a secretaria, lideranças como Mãe Carmen são fundamentais na preservação das tradições, da ancestralidade e das práticas de cuidado comunitário.
O secretário estadual de Cultura, Bruno Monteiro, afirmou que Mãe Carmen será lembrada pelo “legado de fé, espiritualidade e luta pelas religiões de matriz africana”, destacando que sua trajetória fortaleceu as ações por igualdade e reconhecimento cultural.
No âmbito municipal, o prefeito de Salvador, Bruno Reis, também lamentou a morte da ialorixá. Em nota, ressaltou a sabedoria, o amor ao próximo e o papel de Mãe Carmen na preservação da ancestralidade, afirmando que sua trajetória deixa um legado duradouro para a cidade.
A vice-prefeita e secretária municipal de Cultura e Turismo, Ana Paula Matos, destacou que o legado da ialorixá à frente de um dos mais antigos territórios de espiritualidade de matriz africana do Brasil permanece vivo e orgulha Salvador.
Tradição, memória e resistência
A morte de Mãe Carmen ocorre em um contexto em que os terreiros de candomblé seguem exercendo papel central na preservação da memória cultural afro-brasileira, frequentemente ameaçada por intolerância religiosa e pela descaracterização de práticas tradicionais. Sua trajetória evidencia a importância das lideranças religiosas na sustentação de vínculos comunitários e na transmissão intergeracional de saberes.
O reconhecimento institucional expresso por órgãos estaduais e municipais indica um avanço no diálogo entre o poder público e as religiões de matriz africana, ainda que persistam tensões históricas e desafios estruturais relacionados à proteção desses espaços e de seus líderes.
Ao encerrar um ciclo de 23 anos à frente do Gantois, Mãe Carmen deixa como principal legado a continuidade do axé ancorada na tradição, na família e na disciplina religiosa, elementos que historicamente garantiram a sobrevivência e a relevância do candomblé na formação social e cultural da Bahia.

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