O Brasil dos desiguais | Por Luiz Holanda

Debate constitucional reacende críticas ao desequilíbrio entre os Poderes, com Legislativo fragilizado e Supremo concentrando decisões de alto impacto institucional.
Em meio a sucessivas crises políticas e institucionais, o Brasil assiste ao enfraquecimento do Congresso Nacional e à ampliação do protagonismo do Supremo Tribunal Federal, cuja atuação tem tensionado a separação dos Poderes, relativizado o princípio da igualdade perante a lei e levantado questionamentos sobre limites constitucionais, controle democrático e segurança jurídica.

Nossa Carta Magna dispõe, em seu artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Infelizmente, esse dispositivo não vigora mais entre nós, pois os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são totalmente diferentes dos demais.

O artigo 2º da Constituição, seguindo a vontade do constituinte, dispõe que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si, cada um com suas funções próprias e específicas estabelecidas no Título IV — Da Organização dos Poderes, a partir do artigo 44 até o artigo 75. Trata-se, portanto, da separação (ou especificação) dos poderes para evitar excessos e delimitar as atribuições de cada poder, sem que haja invasão nas áreas constitucionalmente reservadas aos demais.

Não há dúvida de que eventuais abusos cometidos pelo Legislativo ou pelo Executivo podem ser corrigidos pelo Judiciário, em especial pelo STF, que poderia fazê-lo sem cometer os abusos e desmandos atualmente existentes, desequilibrando a harmonia pregada pela Constituição. Isso acontece porque os ministros do Supremo sabem que os presidentes do Legislativo (Senado e Câmara) nada podem fazer, pois, na atual conjuntura, nenhum deles tem força para enfrentá-los. Para os que não se recordam, o senador Jarbas Passarinho, no tempo do regime militar, chamava a atenção para a baixa popularidade e a falta de poder do Congresso, decorrentes dos privilégios, da ausência no trabalho por parte dos parlamentares e de sua histórica vulnerabilidade diante da fraqueza de seus representantes.

Que o Congresso trabalha pouco é um fato. No máximo dois dias por semana. Não é sem razão, pois, o retardamento excessivo do processo legislativo complementar à Constituição, além do acúmulo de milhares de projetos de lei que tramitam moderadamente por suas comissões técnicas. Acresça-se a isso uma eterna crise institucional, motivada por denúncias de irregularidades dos congressistas, tanto no Senado como na Câmara, agravada por suspeitas do uso indevido das verbas oriundas das emendas parlamentares.

Por fim, o ano termina com o agravamento da crise diante do caso envolvendo o líder da oposição, deputado Sóstenes Cavalcante, alvo de operação da Polícia Federal que encontrou R$ 430 mil em espécie em sua casa. Segundo o deputado, a quantia é oriunda da venda de um imóvel de sua propriedade. Em entrevista a jornalistas, ele disse que recebeu o dinheiro recentemente e que não o depositou em um banco em razão da “correria de trabalho”, afirmando tratar-se de “um lapso”.

Outro escândalo ocorreu quando a Polícia Federal pediu a prisão do senador Weverton Rocha (PDT-MA) por suspeita de envolvimento nas fraudes do INSS, mas a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestou contra, e o STF negou o pedido. A PF identificou o senador como o “núcleo político que viabilizaria as atividades” de Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS. A investigação aponta que o parlamentar teria recebido recursos e “benefícios por meio de interpostas pessoas”. Tudo isso enfraquece o Legislativo e fortalece o Judiciário, que agora legisla justamente diante desses fatos e da inércia do Congresso.

O Supremo tem se colocado à frente de uma série de decisões que demonstram os superpoderes dos 11 ministros da Corte, um perigo para o sistema democrático. O fato de um só ministro suspender a eficácia de uma Emenda Constitucional por liminar só existe no Brasil. Dizem que a origem desses superpoderes é o chamado inquérito do fim do mundo, aberto pelo próprio STF, com centenas de prisões, suspensão de contas em redes sociais e até mesmo o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, sob a justificativa de conter ataques à Corte e ao Estado Democrático de Direito.

As investigações concentradas no gabinete de Moraes sobre o pretenso golpe de Estado tiveram origem nesse inquérito, alvo de controvérsia jurídica desde o seu início, em 2019, por decisão direta do então presidente do STF, Dias Toffoli. Tudo isso foi feito à revelia da Procuradoria-Geral da República, ou seja, sem a participação do Ministério Público, instituição responsável por investigar e denunciar fatos dessa natureza, segundo a Constituição Federal. Não é sem razão, portanto, que os 11 ministros do STF são, realmente, diferentes dos demais.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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