O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou nesta quinta-feira, (11/12/2025) a perda imediata do mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), anulou a deliberação da Câmara dos Deputados que havia rejeitado a cassação da parlamentar e determinou que a Mesa Diretora emposse o suplente em até 48 horas, abrindo um novo capítulo na crise entre os Poderes. A decisão foi proferida na Execução Penal (EP) 149, que executa a condenação de 10 anos de reclusão em regime inicial fechado por invasão de sistemas e falsidade ideológica no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e será submetida a referendo em sessão virtual extraordinária da Primeira Turma, convocada para esta sexta-feira (12), das 11h às 18h.
Decisão de Moraes reverte votação da Câmara e impõe posse do suplente
Na decisão, Alexandre de Moraes declara nula a votação do plenário da Câmara, realizada na madrugada de quarta (10), que rejeitou a perda de mandato de Zambelli por 227 votos, abaixo dos 257 necessários para a cassação por decisão política. A Câmara havia encerrado o processo disciplinar sob o argumento de que não havia maioria absoluta para a punição, preservando o mandato da deputada mesmo diante da condenação definitiva pelo STF.
Para o relator, a deliberação da Câmara viola os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, além de configurar “flagrante desvio de finalidade”. Moraes sustenta que, em casos de condenação criminal definitiva com pena em regime fechado superior ao tempo restante do mandato, a perda do mandato é automática, cabendo à Casa legislativa apenas declarar o ato, e não deliberar politicamente sobre sua validade.
Na prática, o ministro desloca o eixo da decisão: não cabe ao plenário “salvar” um mandato já alcançado pelos efeitos da sentença penal transitada em julgado, mas apenas à Mesa formalizar a vacância e convocar o suplente, nos termos do artigo 55, incisos III, IV e VI, da Constituição, combinado com o § 3º, e do artigo 241 do Regimento Interno da Câmara.
Condenação no STF, fuga para a Itália e prisão preventiva
Em maio de 2025, a Primeira Turma do STF condenou Carla Zambelli a 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes de invasão de dispositivo informático qualificada e falsidade ideológica, com concurso de pessoas e concurso material, em razão da inserção de dados falsos em sistemas do CNJ. No mesmo julgamento, o colegiado já havia decretado a perda do mandato parlamentar e determinado a comunicação à Mesa da Câmara para a declaração da vacância.
Em 6 de junho de 2025, a Primeira Turma rejeitou embargos de declaração de Zambelli e de Walter Delgatti Neto, qualificando-os como recursos de caráter meramente protelatório e reafirmando a cassação como efeito da condenação.
Antes do esgotamento das possibilidades de recurso, a deputada deixou o Brasil e, posteriormente, foi presa na Itália, onde se encontra em prisão preventiva, aguardando a decisão das autoridades italianas sobre o pedido de extradição formulado pela Justiça brasileira.
Votação esvaziada, Centrão dividido e derrota de Hugo Motta
A sessão que rejeitou a cassação do mandato de Zambelli ocorreu em plenário esvaziado, após intensas negociações. O parecer do relator Cláudio Cajado (PP-BA), que recomendava a perda do mandato para compatibilizar a decisão do STF com a separação de Poderes, obteve 227 votos favoráveis, 170 contrários e 10 abstenções – insuficiente para atingir o quórum de maioria absoluta exigido pelo artigo 55 da Constituição para decisões políticas de perda de mandato.
A articulação que garantiu o resultado favorável à parlamentar envolveu partidos do Centrão, que liberaram suas bancadas, permitindo votos divergentes dentro das siglas. Nos bastidores, a avaliação predominante entre deputados era de que a derrota simbólica foi do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que tentou elevar o quórum e dar caráter de decisão “institucional” à votação, mas não conseguiu reunir os 257 votos necessários.
Com o arquivamento do processo disciplinar, a Mesa considerou a questão encerrada, criando um impasse jurídico imediato: o STF reiterava que a perda do mandato decorria automaticamente da condenação criminal transitada em julgado, enquanto a Câmara defendia que o plenário teria a palavra final com base no artigo 55, § 2º. A decisão de Moraes, ao anular a votação e impor a posse do suplente, intervém diretamente nesse conflito de interpretação constitucional.
Impasse constitucional: quem decide a perda do mandato?
No centro da controvérsia está a leitura do artigo 55 da Constituição. A Câmara sustenta que, em regra, a perda do mandato por condenação criminal deve ser decidida pelo plenário, por maioria absoluta. O STF, porém, tem consolidado o entendimento de que essa regra não vale quando a pena em regime fechado ultrapassa o tempo restante do mandato, situação em que há impossibilidade jurídica e fática de exercício do cargo, tornando a perda efeito automático da condenação.
Moraes cita precedentes como o mensalão (AP 470), os casos de Ivo Cassol (AP 396 e 565) e, de forma especial, o precedente que resultou na cassação do ex-deputado Paulo Maluf (AP 863), em que a Primeira Turma assentou que, havendo pena em regime inicial fechado superior ao prazo remanescente do mandato, a perda se dá “como resultado direto e inexorável da condenação”, cabendo à Mesa apenas declarar o fato.
O ministro também remete ao entendimento fixado na AP 694 e no MS 32.326, de relatoria do ministro Roberto Barroso, segundo o qual, em hipóteses semelhantes, a competência do STF para aplicar a pena principal traz consigo a imposição da pena acessória de perda do mandato, em respeito à coerência do sistema e à proteção da legitimidade do voto popular frente a condenações por ilícitos graves.
Situação processual de Zambelli e efeitos políticos imediatos
Preservada pela votação da Câmara, Zambelli permanecia formalmente no exercício do mandato, embora estivesse presa na Itália, sem comparecer a sessões, sem atuar em comissões e sem participar da atividade parlamentar ordinária. A situação foi qualificada por parlamentares como uma “ficção jurídica”, porque a titular do cargo nem sequer poderia estar no país para votar, discursar ou fiscalizar o Executivo.
Para o relator Cláudio Cajado, a cassação era a única resposta institucional compatível com a execução da pena imposta pelo Supremo e com os princípios da moralidade administrativa e do respeito ao mandato popular. Sua tese dialoga com precedentes como os casos Natan Donadon (2013) e Daniel Silveira (2022), em que o STF já havia reforçado que não cabe ao Legislativo revisar penalidades criminais impostas pela Corte.
Na outra ponta, a defesa de Zambelli, conduzida pelo advogado Fábio Pagnozzi, argumenta que a Câmara não estaria obrigada a cumprir automaticamente a determinação do STF e que o plenário deveria exercer uma decisão política soberana, sob pena de abrir precedente para cassações em série de parlamentares processados no Supremo. O argumento, contudo, caminha em sentido oposto à linha jurisprudencial que vem sendo reforçada pela Corte desde o julgamento dos ataques ao Estado Democrático de Direito e pela própria decisão da Primeira Turma na AP 2.428.
Próximos passos: referendo da Primeira Turma e extradição
Ao final da decisão, Alexandre de Moraes solicita ao presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, o agendamento de sessão virtual extraordinária para esta sexta-feira (12), das 11h às 18h, dedicada ao referendo da medida. Embora, na prática, a decisão produza efeitos imediatos, o referendo pelos demais ministros tende a consolidar o entendimento da Turma e a reforçar a tese da perda automática do mandato em hipóteses semelhantes.
Em paralelo, prossegue na Itália o processo relativo ao pedido de extradição de Carla Zambelli, que passa a ser analisado em um contexto no qual ela já não é mais detentora de mandato parlamentar no Brasil, mas permanece condenada em decisão transitada em julgado pelo STF. Esse elemento pode influenciar tanto a percepção política do caso quanto as discussões futuras sobre imunidade parlamentar, foro por prerrogativa de função e cooperação internacional em matéria penal.
Linha do tempo do caso Carla Zambelli e a perda do mandato
– 3/6/2024 – Publicação do acórdão da Primeira Turma do STF na Pet 11.626, reconhecendo a responsabilidade penal de Carla Zambelli por invasão de sistemas e falsidade ideológica.
– 9 a 16/5/2025 – Sessão virtual da Primeira Turma julga procedente a ação penal, condenando Zambelli a 10 anos de reclusão em regime inicial fechado e aplicando pena de multa.
– 6/6/2025 – Sessão extraordinária rejeita os embargos de declaração de Zambelli e de Walter Delgatti, reafirmando a condenação e determinando a perda do mandato parlamentar.
– 7/6/2025 – O trânsito em julgado é certificado pela Secretaria Judiciária do STF na AP 2.428, consolidando a condenação e os efeitos dela decorrentes.
– Julho de 2025 (data aproximada) – Zambelli é presa em Roma, após inclusão em difusão vermelha da Interpol, e passa a aguardar decisão da Justiça italiana sobre o pedido de extradição.
– 10/12/2025 (manhã) – A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara muda sua composição, derruba parecer que absolvia Zambelli e aprova o parecer do deputado Cláudio Cajado pela cassação.
– 10/12/2025 (madrugada de 11/12) – O plenário da Câmara vota a Representação 2/2025: o parecer pela cassação recebe 227 votos a favor, 170 contra e 10 abstenções, abaixo dos 257 votos exigidos, resultando no arquivamento do pedido e na manutenção do mandato.
– 11/12/2025, 20h16 – Alexandre de Moraes profere decisão na Execução Penal 149, declara nula a rejeição da representação pela Câmara e decreta a perda imediata do mandato de Carla Zambelli, determinando a posse do suplente em até 48 horas.
– 12/12/2025 (previsto) – Primeira Turma do STF realiza sessão virtual extraordinária para referendar a decisão, em meio à escalada de tensão entre Supremo e Câmara.
Tensão recorrente entre STF e Câmara e o alcance da perda automática de mandato
STF, Câmara e a disputa pela “palavra final”
O caso Carla Zambelli explicita um ponto de fricção estrutural entre o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados: quem tem, em última instância, o poder de decidir sobre a perda de mandatos parlamentares decorrentes de condenações criminais. Desde o mensalão, o STF vem caminhando na direção de afirmar que, em determinadas hipóteses, a perda é consequência direta da sentença, não cabendo ao Legislativo relativizar ou reverter a decisão.
Ao anular a votação e impor a posse do suplente, Moraes reforça esse movimento de judicialização do desfecho do mandato eleitoral, esvaziando o espaço de discricionariedade política da Câmara. Em contrapartida, a reação do plenário – que tentou “salvar” o mandato – evidencia um esforço de preservar um núcleo de autonomia decisória, ainda que em choque com a jurisprudência da Corte. O resultado é uma escalada institucional que dificilmente se encerrará neste episódio.
Precedente para casos futuros e impacto sobre o sistema representativo
A decisão tende a se tornar referência obrigatória para casos futuros que envolvam condenações severas de parlamentares, sobretudo em crimes contra o Estado Democrático de Direito, corrupção e ataques a instituições. Ao consolidar a ideia de que penas em regime fechado, superiores ao restante do mandato, implicam perda automática, o STF cria um padrão de resposta que limita arranjos políticos de preservação de mandatos em situações extremas.
Ao mesmo tempo, o caso suscita debates sobre segurança jurídica, legitimidade democrática e limites do controle judicial sobre decisões do Legislativo. A tensão entre garantir que condenados não permaneçam formalmente no cargo e preservar a esfera de decisão política do Parlamento permanecerá no centro da agenda institucional, sobretudo em um cenário de forte polarização e de crescente uso de mecanismos penais na disputa política.
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