STF suspende revalidação de emendas do Orçamento Secreto e impõe freio a gasto de até R$ 3 bilhões

Plenário do Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, em Brasília, no contexto do embate institucional sobre a revalidação de restos a pagar das emendas de relator, em dezembro de 2025.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu neste domingo (21/12/2025) os efeitos do Artigo 10 do Projeto de Lei nº 128/2025, aprovado pelo Congresso Nacional, que autorizava a revalidação e o pagamento de restos a pagar vinculados às emendas de relator (RP 9), mecanismo associado ao chamado orçamento secreto. A decisão tem caráter liminar e será submetida ao referendo do plenário da Corte.

O dispositivo suspenso permitia o pagamento, até o fim de 2026, de despesas empenhadas desde 2019 e posteriormente canceladas por legislação aprovada em 2023, incluindo valores oriundos de emendas parlamentares. A estimativa de impacto fiscal apresentada no processo aponta para cerca de R$ 3 bilhões em despesas adicionais aos cofres públicos.

A medida foi tomada no âmbito de ação ajuizada por deputados federais e pelo partido Rede Sustentabilidade, que sustentam que, dos aproximadamente R$ 1,9 bilhão em restos a pagar de emendas parlamentares inscritos no orçamento desde 2019, cerca de R$ 1 bilhão teria origem direta em emendas de relator, já declaradas inconstitucionais pelo STF.

Artigo 10 e o impasse sobre restos a pagar

Na decisão, Flávio Dino afirma que a revalidação de restos a pagar não processados ou cancelados referentes às emendas de relator é incompatível com o regime jurídico vigente. Segundo o ministro, trata-se de uma tentativa de “ressuscitar modalidade de emenda cuja própria existência foi reputada inconstitucional” pelo Supremo.

O magistrado também determinou prazo de dez dias para que a Presidência da República preste esclarecimentos formais sobre a compatibilidade da reativação desses pagamentos com a responsabilidade fiscal e com o plano de trabalho homologado anteriormente pelo plenário do STF.

O Projeto de Lei nº 128/2025 foi aprovado pelo Senado Federal na última quarta-feira (17) e encaminhado à sanção presidencial. O prazo final para manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é 12 de janeiro de 2026. Caso o trecho suspenso seja vetado, a decisão deverá ser comunicada oficialmente ao ministro relator no Supremo.

Histórico das emendas RP 9 e decisões do STF

O conflito institucional em torno das emendas de relator teve início em dezembro de 2022, quando o STF declarou inconstitucionais tanto as emendas RP 8 (de comissão) quanto as RP 9, por ausência de critérios de transparência, rastreabilidade e controle público.

Após a decisão, o Congresso Nacional aprovou resolução alterando as regras de distribuição dos recursos para atender às exigências da Corte. No entanto, o PSOL, autor de uma das ações, apontou que o novo modelo permanecia em descumprimento parcial da decisão judicial.

Em agosto de 2024, Flávio Dino determinou a suspensão dos repasses e estabeleceu que as emendas só poderiam ser executadas mediante critérios rigorosos de identificação dos parlamentares responsáveis e dos beneficiários finais. No início de 2025, o STF homologou o plano de trabalho apresentado pelo Congresso, liberando os pagamentos que estavam suspensos, desde que observadas as exigências pactuadas.

Limites do plano de trabalho e afronta constitucional

Na avaliação do relator, o plano homologado pelo Supremo não prevê a possibilidade de revalidação de restos a pagar já cancelados, o que, segundo ele, evidencia extrapolação dos parâmetros institucionais acordados entre os três Poderes.

Dino sustenta que o Artigo 10 do projeto aprovado pelo Congresso promove violação ao devido processo constitucional orçamentário, à Lei de Responsabilidade Fiscal e a cláusulas pétreas da Constituição Federal, especialmente aquelas relacionadas à separação dos Poderes e à garantia de direitos fundamentais.

Para o ministro, a tentativa de reativar despesas à margem do ciclo orçamentário regular compromete a previsibilidade fiscal e enfraquece os mecanismos de controle estabelecidos após a declaração de inconstitucionalidade do orçamento secreto.

Impacto fiscal e contexto do Orçamento de 2026

Além da controvérsia envolvendo os restos a pagar, o PL nº 128/2025 trata de um amplo pacote fiscal considerado estratégico pelo governo federal para equilibrar o Orçamento de 2026. A proposta prevê o corte de incentivos fiscais e a elevação de tributos sobre empresas de apostas on-line, fintechs e grandes companhias que remuneram sócios por meio de juros sobre capital próprio (JCP).

Segundo estimativas oficiais, as medidas têm potencial de elevar a arrecadação em R$ 22,4 bilhões no próximo exercício, compondo o principal eixo da política fiscal do governo para conter o crescimento da dívida pública.

Colaboração entre Poderes e responsabilidade fiscal

Na decisão liminar, Flávio Dino enfatizou que o país enfrenta graves dificuldades fiscais e que todos os Poderes da República têm o dever constitucional de colaborar ativamente para a preservação do equilíbrio das contas públicas. O ministro afirmou que o poder público não pode criar ou ampliar despesas de caráter abusivo, desproporcional ou dissociado da capacidade fiscal do Estado.

Nesse contexto, Dino citou práticas que, segundo ele, demandam contenção, como a proliferação de penduricalhos remuneratórios no Judiciário e nas funções essenciais à Justiça, além da concessão reiterada e pouco transparente de benefícios fiscais sem avaliação consistente de impacto orçamentário.

Para o relator, a mesma lógica de contenção deve incidir com rigor sobre tentativas de reativação de recursos oriundos de emendas parlamentares fora do ciclo orçamentário regular, reafirmando o dever constitucional de fidelidade à responsabilidade fiscal e à ética no exercício de cargos públicos.

Legado institucional do orçamento secreto

A decisão do STF recoloca no centro do debate o legado institucional do orçamento secreto e os limites da atuação do Congresso na gestão de restos a pagar. Ao suspender o Artigo 10, o Supremo reafirma a autoridade de suas decisões anteriores e busca impedir a reintrodução indireta de mecanismos já considerados incompatíveis com a Constituição.

O caso evidencia a persistente tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário em torno do controle do Orçamento, especialmente em um contexto de forte restrição fiscal e pressão por recursos parlamentares. A tentativa de revalidação de despesas canceladas desde 2019 expõe fragilidades no processo orçamentário e levanta questionamentos sobre previsibilidade, transparência e responsabilidade na alocação de recursos públicos.

Do ponto de vista institucional, a liminar sinaliza que acordos previamente homologados pelo STF não podem ser unilateralmente ampliados pelo Legislativo, sob pena de ruptura do equilíbrio entre os Poderes. O desfecho dependerá tanto do referendo do plenário quanto da decisão presidencial sobre a sanção ou veto do projeto.


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.