O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, termina na noite desta sexta-feira (14/04/2023) a agenda oficial de sua visita à China e deixa o país com dezenas de acordos assinados com o gigante asiático. Após uma estadia marcada por muita pompa, com passagem por Xangai e Pequim, onde se reuniu com o chefe de Estado chinês Xi Jinping, o líder brasileiro confirmou a importância da parceria estratégica entre os dois países.
“Nós temos que trabalhar muito para que a relação Brasil China não seja de interesse meramente comercial”, disse Lula durante seu discurso no Palácio do Povo diante do presidente chinês Xi Jinping. O presidente brasileiro defendeu mais trocas no campo da ciência e tecnologia, intercâmbios entre universidades dos dois países e disse que “conta com a China na nossa luta pela preservação do planeta terra”.
Essa vontade de reforçar as relações sino-brasileiras era palpável na diversidade de acordos anunciados no final do dia. Atores do setor empresarial dos dois lados confirmaram a assinatura de 20 novos contratos e parcerias, que vão de áreas como agronegócio – já bastante presente na relação entre Brasil e China -, indústria automotiva, tecnologia da informação, saúde, infraestrutura, energias renováveis e linhas de crédito verde. Esses compromissos somam-se àqueles anunciados durante o Seminário Econômico Brasil-China, realizado em 29 de março, totalizando mais de 40 novas parcerias.
No setor público, compromissos foram assinados entre governos estaduais, como o do Ceará, que firmou três acordos com empresas chinesas, entre eles um contrato para a realização de estudos de viabilidade de projetos na produção de energia eólica onshore e offshore, solar, hidrogênio azul e verde e combustíveis dentro do Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Já o Rio Grande do Norte se uniu com a Associação Sino-Brasileira de Mineração (ASBM) para possibilitar investimentos no setor mineral.
A Fundação Osvaldo Cruz assinou memorando para estabelecer um laboratório da Fiocruz na Academia Chinesa de Ciências e um laboratório da Academia de Ciências na Fiocruz. O objetivo é o desenvolvimento conjunto de vacinas, diagnósticos e tratamentos, com foco especial em doenças infecciosas.
A ApexBrasil, agência que promove o Brasil no exterior, formalizou uma parceria com a Venture Cup Chinae e com a Beijing Hycore Innovation para apoiar startups brasileiras a desenvolverem negócios na China. Já o ministério brasileiro de Minas e Energia assinou um acordo para realizar estudos de viabilidade para construção e operação de pequenas usinas de energia solar, complementadas por miniturbinas eólicas, baterias e purificadores de água, em áreas remotas da floresta amazônica, com foco em comunidades isoladas.
Mas a maior parte dos acordos firmados envolvem direta ou indiretamente a iniciativa privada. A mineradora Vale confirmou oito compromissos com parceiros chineses, que vão desde a Universidade Tsinghua para intercâmbio de conhecimento técnico até contratos com instituições bancárias chinesas como o Industrial and Commercial Bank of China (o ICBC) e o Bank of China, para cooperação financeira envolvendo linhas de crédito abrangentes para mineração.
A Odebrecht, a Power China e a Sete Partners firmaram parceria para trazer soluções conjuntas a projetos de infraestrutura no Brasil e a JBS e o Banco da China confirmaram parceria para concessão de crédito para exportação para a gigante das carnes. Empresas brasileiras como Suzano, Furnas, Friboi, Seara e até os Correios e o Banco do Brasil completam, entre outros, a lista de instituições que assinaram acordos com entidades e empresas chinesas.
Mudanças climáticas
A questão do meio ambiente e a importância do desenvolvimento sustentável aparecem como um pano de fundo discreto durante essa visita, mas sempre foi citada. Lula disse que conta com a China para a preservação do planeta e frisou a urgência de se produzir mais energia limpa.
Em uma declaração conjunta, Lula e Xi Jinping reconheceram que a mudança climática “representa um dos maiores desafios de nosso tempo e que o enfrentamento desta crise contribui para construir um futuro compartilhado de prosperidade equitativa e comum para a humanidade”. Brasil e China também se comprometem a ampliar, aprofundar e diversificar a cooperação bilateral sobre o clima.
Ucrânia, Taiwan e Estados Unidos
A guerra na Ucrânia também foi lembrada na declaração final divulgada pelos dois chefes de Estado. Brasil e China afirmaram que “diálogo e negociação são a única saída viável para a crise” e que “todos os esforços conducentes à solução pacífica da crise devem ser encorajados e apoiados”.
Lula havia indicado, antes de embarcar para a China, a vontade de promover uma mediação alternativa ao conflito lançado pela Rússia, aliada histórica de Pequim. Sem citar diretamente a iniciativa, o governo chinês informou que “recebeu positivamente os esforços do Brasil em prol da paz”.
Já sobre a situação de Taiwan, fruto de tensões entre a China e o Ocidente, o governo brasileiro foi mais direto. Na declaração conjunta divulgada pelos dois países, os representantes de Brasília disseram que “aderem firmemente ao princípio de uma só China, e que o governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China, enquanto Taiwan é uma parte inseparável do território chinês”. A posição foi saudada por Pequim.
Outra fonte de tensão, com os Estados Unidos, foi mencionada de forma indireta durante o discurso de Lula no Palácio do Povo. Ao comentar a visita que fez na véspera em Xangai na gigante da tecnologia Huawei, empresa visada por Washington, o presidente brasileiro disse que a passagem pela firma foi “uma demonstração de que nós queremos dizer ao mundo que não temos preconceito na nossa relação com os chineses e que ninguém vai proibir que o Brasil aprimore a sua relação com a China”.
Entrada do Brasil na Cinturão e Rota
Antes de viajar, Lula declarou a jornalistas que vai convidar o líder chinês Xi Jinping para visitar o Brasil, acrescentando que deseja “fazer investimentos que signifiquem algo novo, como rodovias, hidrelétricas”. Para a China, um aspecto crucial da pauta bilateral é a negociação sobre a inclusão do Brasil no megaprojeto chinês Cinturão e Rota, conhecido como Nova Rota da Seda, mas o tema é alvo de divergências dentro do próprio governo.
Quase todos os países da América Latina, incluindo Argentina e Chile, já fazem parte do plano de investimentos em infraestruturas para facilitar o escoamento da produção e a conexão entre os continentes.
“Tem muito preconceito e desconhecimento sobre o que significa de fato a iniciativa. Ela deve ser entendida como um mecanismo de promoção do poder econômico chinês. Vários países tiraram benefícios dela”, afirma. “Eu vejo com bons olhos que se possa cogitar a possibilidade de entrarmos na Cinturão e Rota e que se possa receber dinheiro dos bancos de fomento chineses. Isso é se subjugar ao imperialismo chinês? Não. Isso é reconhecer a importância desse ator no mundo e para a gente”, avalia.
Planta de produção de semicondutores: um tema sensível
Outro tema delicado na agenda é a possível instalação, no Brasil, de uma planta de produção de semicondutores chineses – uma pauta urgente para Pequim desde que os Estados Unidos decidiram restringir as exportações desse componente, indispensável para a produção de chips eletrônicos, para a China. O tema está no foco das divergências entre Washington e Pequim no governo de Joe Biden.
“O objetivo da China é ser autônoma em relação aos semicondutores americanos, portanto ela quer produzi-los no território chinês, mas também se espalhar pelo mundo. As negociações com o Brasil estão ocorrendo para Pequim poder produzi-los em solo brasileiro”, nota a economista Mylène Gaulard, professora associada da Universidade de Grenoble e especialista nas economias brasileira e chinesa.
O Brasil desempenha um papel importante para a industrialização da China – na pauta de importações, Pequim compra principalmente minério de ferro e petróleo do Brasil, mas também soja e outras matérias-primas para alimentar a população urbana, que disparou desde os anos 2000. Na mão inversa, o Brasil importa principais bens industrializados.
A balança comercial é favorável ao Brasil: em 2022, a China importou mais de US$ 89,7 bilhões em produtos brasileiros e exportou quase US$ 60,7 bilhões para o mercado nacional. O volume total comercializado aumentou 21 vezes desde a primeira visita de Lula ao país, em 2004, informou o governo federal.
Na área de tecnologia, é esperada a conclusão de um acordo para a construção do sexto satélite CBERS, em parceria entre os dois países e que, desta vez, permitirá o aperfeiçoamento do monitoramento dos biomas brasileiros, como a Amazônia.
A agenda oficial de Lula começa na quinta, em Xangai, onde vai participar da cerimônia de posse de Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), popularizado como Banco dos Brics. A petista já assumiu o cargo em março, mas o evento foi adiado para poder contar com a presença de Lula.
O ponto alto da viagem é na sexta, quando Lula vai se reunir com o presidente chinês, Xi Jinping.
*Com informações de Lúcia Müzell, da RFI.
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