Reportagem de Idiana Tomazelli Renato Machado, publicada nesta quarta-feira (24/01/2024) no Jornal Folha de S.Paulo, revela que o Brasil lidera os gastos com tribunais de Justiça entre 53 países, segundo um relatório inédito divulgado nesta quarta-feira pelo Tesouro Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O estudo, baseado em dados de 2021, revela que as despesas do país com tribunais atingem a marca de 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), quatro vezes a média internacional que se situa em 0,4% do PIB. Somado a isso, dados apontam para supersalários de servidores, juízes e desembargadores, somado a casos de corrupção, baixa qualidade e produtividade em fatos que marcam negativamente atuação da magistratura do país
Em valores absolutos, a fatura alcançou R$ 159,7 bilhões em dezembro de 2022, dos quais impressionantes R$ 131,3 bilhões foram destinados a remunerações e contribuições a magistrados e servidores, representando 82,2% do montante total. Essa cifra supera os R$ 113 bilhões gastos em 2022 com o programa Auxílio Brasil, que atendeu 21,6 milhões de famílias em dezembro do mesmo ano.
O relatório do Tesouro também destaca que os gastos com tribunais de Justiça ultrapassam mais da metade do montante direcionado à rubrica de ordem e segurança pública, superando até mesmo os gastos com os serviços de polícia no Brasil, que totalizaram R$ 114 bilhões. A preocupação com o custo do sistema de Justiça no Brasil se acentua devido às críticas por conta de benefícios que ultrapassam o teto remuneratório do funcionalismo, como os chamados “penduricalhos”.
Os tribunais estaduais lideram os gastos em 2022, alcançando R$ 92,1 bilhões, seguidos pelos tribunais federais, que incluem a Justiça do Trabalho, Justiça Federal e cortes superiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal), com R$ 63,8 bilhões.
Diante desse cenário, medidas para conter os gastos, como um projeto de lei aprovado pela Câmara em 2021, enfrentam desafios no Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), expressou apoio à proposta, mas condicionou sua aprovação à tramitação da PEC do quinquênio, gerando um impasse legislativo.
A PEC propõe um adicional remuneratório a juízes, procuradores e defensores, resgatando um benefício extinto em 2006. No entanto, o governo Lula se opõe, argumentando que poderia gerar um efeito cascata prejudicial às finanças públicas. Enquanto isso, o diálogo entre Executivo e Legislativo busca equilibrar a necessidade de conter gastos e aprimorar a eficiência do sistema de Justiça no país.
Corrupção, baixa qualidade e produtividade na atuação da magistratura nacional
O sistema judiciário brasileiro enfrenta diversos problemas que afetam sua eficiência, integridade e qualidade. Entre eles, destacam-se os altos salários de magistrados, os casos de corrupção, a lentidão e a complexidade dos processos judiciais e a necessidade de reformas estruturais. Esses desafios exigem a participação ativa da sociedade civil e o compromisso dos poderes públicos para garantir a justiça e a cidadania.
O Brasil é o país que mais gasta com o sistema de Justiça entre 53 países analisados, com uma despesa equivalente a 1,6% do PIB em 2022. A maior parte desse valor (82,2%) foi destinada ao pagamento de remunerações e contribuições a magistrados e servidores. O gasto brasileiro com os tribunais é quatro vezes maior do que a média internacional (0,4% do PIB) e supera os investimentos em programas sociais como o Auxílio Brasil e o Bolsa Família.
Esses dados revelam o problema dos “supersalários” no sistema judiciário brasileiro, que se refere a remunerações excessivamente altas, muitas vezes para cargos públicos. Esses salários são compostos por parcelas adicionais que driblam o limite remuneratório, os chamados penduricalhos, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-creche, entre outros. Esses benefícios são concedidos sem critérios claros e sem transparência, gerando distorções e desigualdades salariais.
Um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018 mostrou que 71% dos magistrados brasileiros recebiam acima do teto constitucional, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 39,2 mil. Alguns juízes chegaram a receber mais de R$ 100 mil em um único mês. Esses valores contrastam com a realidade de milhões de brasileiros que vivem na pobreza e na vulnerabilidade social.
A existência de grandes disparidades salariais pode gerar descontentamento e levantar questões sobre a justiça e a transparência no sistema de remuneração. Além disso, pode comprometer a independência e a imparcialidade dos magistrados, que podem ser influenciados por interesses corporativos ou políticos. Por isso, é necessário que haja uma reforma na estrutura salarial do sistema judiciário, que estabeleça limites, critérios e controle dos gastos com pessoal.
Outro problema grave que afeta o sistema judiciário brasileiro é a corrupção, que mina a confiança da população nas instituições e prejudica a busca pela justiça. A corrupção pode se manifestar de diversas formas, como o desvio de recursos públicos, o tráfico de influência, a venda de sentenças, a manipulação de provas, a sonegação fiscal, entre outras. Essas práticas ilícitas podem envolver magistrados, servidores, advogados, procuradores, políticos e empresários.
Um exemplo emblemático de corrupção no sistema judiciário foi a Operação Faroeste, deflagrada pela Polícia Federal em 2019, que investigou um esquema de venda de decisões judiciais por desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) para favorecer a grilagem de terras no oeste do estado. O caso resultou na prisão preventiva de quatro desembargadores, dois juízes e diversos outros envolvidos, além do afastamento do presidente do TJBA.
A corrupção no sistema judiciário é extremamente danosa para a sociedade, pois compromete a imparcialidade e a integridade do processo judicial, viola os princípios constitucionais e os direitos fundamentais e gera impunidade e insegurança jurídica. Para combater a corrupção, é essencial que haja medidas de transparência, accountability e investigação rigorosa, que envolvam órgãos de controle interno e externo, como o CNJ, o Ministério Público, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas e a Corregedoria.
Um terceiro problema que afeta o sistema judiciário brasileiro é a baixa qualidade e produtividade, que se reflete na lentidão e na complexidade dos processos judiciais. O Brasil tem um dos sistemas judiciais mais morosos e congestionados do mundo, com uma média de 8 anos para a conclusão de um processo na Justiça Estadual, que é a mais demandada pela população. Em 2019, havia mais de 77 milhões de processos em tramitação no país, sendo que 30% deles estavam parados há mais de um ano.
A demora na prestação jurisdicional pode ter várias causas, como a falta de recursos humanos e materiais, a burocracia excessiva, o número elevado de recursos, a litigiosidade exacerbada, a complexidade do sistema legal, entre outras. Esses fatores reduzem a eficiência e a qualidade do sistema judiciário, gerando insatisfação, custos e incertezas para os cidadãos e as empresas. Além disso, podem comprometer a efetividade e a aplicabilidade das leis e das decisões judiciais.
Para melhorar a qualidade e a produtividade do sistema judiciário, é preciso investir em treinamento contínuo para magistrados e servidores, modernização de processos judiciais, com o uso de tecnologias e sistemas informatizados, alocação eficiente de recursos, com base em critérios técnicos e objetivos, simplificação e uniformização de procedimentos e normas, com o objetivo de reduzir a complexidade e a divergência jurídica, e incentivo à conciliação e à mediação, como formas alternativas de resolução de conflitos.
Um quarto problema que afeta o sistema judiciário brasileiro é a necessidade de reformas estruturais, que visem aperfeiçoar o funcionamento, a organização e a gestão do Poder Judiciário. O Brasil tem um sistema judiciário complexo e fragmentado, composto por cinco segmentos: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar. Cada segmento tem sua própria estrutura, competência e jurisdição, o que pode gerar sobreposição, conflito e ineficiência.
Além disso, o sistema judiciário brasileiro tem uma estrutura hierárquica e centralizada, na qual o STF é o órgão de cúpula e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição. O STF tem a competência de julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, as ações declaratórias de constitucionalidade, as arguições de descumprimento de preceito fundamental, os recursos extraordinários, entre outras. Essas atribuições sobrecarregam o STF e reduzem sua capacidade de atuar como um tribunal constitucional.
Para reformar o sistema judiciário brasileiro, é necessário revisar e reformar as políticas e as práticas judiciais, com o objetivo de promover a racionalização, a descentralização, a democratização e a participação social no Poder Judiciário. Isso pode envolver mudanças legislativas, como a reforma do Código de Processo Civil, a reforma da Lei Orgânica da Magistratura, a reforma do recurso extraordinário, entre outras. Também pode envolver políticas de transparência, como a divulgação de dados e informações sobre o funcionamento e o desempenho do sistema judiciário, a prestação de contas e o controle social das atividades judiciais. Além disso, pode envolver a adoção de práticas mais eficientes.
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




