Estado Disfuncional: Despesas com Tribunais de Justiça no Brasil excedem 1,6% do PIB, quatro vezes a média internacional; Supersalários, corrupção e baixa qualidade e produtividade marcam negativamente atuação da magistratura do país

Relatório do Tesouro Nacional revela que gastos do Brasil com tribunais de Justiça são os mais altos entre 53 países analisados, atingindo 1,6% do PIB, quatro vezes a média global. Mais de 80% da verba destinada para magistrados e servidores.
Relatório do Tesouro Nacional revela que gastos do Brasil com tribunais de Justiça são os mais altos entre 53 países analisados, atingindo 1,6% do PIB, quatro vezes a média global. Mais de 80% da verba destinada para magistrados e servidores.

Reportagem de Idiana Tomazelli Renato Machado, publicada nesta quarta-feira (24/01/2024) no Jornal Folha de S.Paulo, revela que o Brasil lidera os gastos com tribunais de Justiça entre 53 países, segundo um relatório inédito divulgado nesta quarta-feira pelo Tesouro Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O estudo, baseado em dados de 2021, revela que as despesas do país com tribunais atingem a marca de 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), quatro vezes a média internacional que se situa em 0,4% do PIB. Somado a isso, dados apontam para supersalários de servidores, juízes e desembargadores, somado a casos de corrupção, baixa qualidade e produtividade em fatos que marcam negativamente atuação da magistratura do país

Em valores absolutos, a fatura alcançou R$ 159,7 bilhões em dezembro de 2022, dos quais impressionantes R$ 131,3 bilhões foram destinados a remunerações e contribuições a magistrados e servidores, representando 82,2% do montante total. Essa cifra supera os R$ 113 bilhões gastos em 2022 com o programa Auxílio Brasil, que atendeu 21,6 milhões de famílias em dezembro do mesmo ano.

O relatório do Tesouro também destaca que os gastos com tribunais de Justiça ultrapassam mais da metade do montante direcionado à rubrica de ordem e segurança pública, superando até mesmo os gastos com os serviços de polícia no Brasil, que totalizaram R$ 114 bilhões. A preocupação com o custo do sistema de Justiça no Brasil se acentua devido às críticas por conta de benefícios que ultrapassam o teto remuneratório do funcionalismo, como os chamados “penduricalhos”.

Os tribunais estaduais lideram os gastos em 2022, alcançando R$ 92,1 bilhões, seguidos pelos tribunais federais, que incluem a Justiça do Trabalho, Justiça Federal e cortes superiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal), com R$ 63,8 bilhões.

Diante desse cenário, medidas para conter os gastos, como um projeto de lei aprovado pela Câmara em 2021, enfrentam desafios no Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), expressou apoio à proposta, mas condicionou sua aprovação à tramitação da PEC do quinquênio, gerando um impasse legislativo.

A PEC propõe um adicional remuneratório a juízes, procuradores e defensores, resgatando um benefício extinto em 2006. No entanto, o governo Lula se opõe, argumentando que poderia gerar um efeito cascata prejudicial às finanças públicas. Enquanto isso, o diálogo entre Executivo e Legislativo busca equilibrar a necessidade de conter gastos e aprimorar a eficiência do sistema de Justiça no país.

Corrupção, baixa qualidade e produtividade na atuação da magistratura nacional

O sistema judiciário brasileiro enfrenta diversos problemas que afetam sua eficiência, integridade e qualidade. Entre eles, destacam-se os altos salários de magistrados, os casos de corrupção, a lentidão e a complexidade dos processos judiciais e a necessidade de reformas estruturais. Esses desafios exigem a participação ativa da sociedade civil e o compromisso dos poderes públicos para garantir a justiça e a cidadania.

O Brasil é o país que mais gasta com o sistema de Justiça entre 53 países analisados, com uma despesa equivalente a 1,6% do PIB em 2022. A maior parte desse valor (82,2%) foi destinada ao pagamento de remunerações e contribuições a magistrados e servidores. O gasto brasileiro com os tribunais é quatro vezes maior do que a média internacional (0,4% do PIB) e supera os investimentos em programas sociais como o Auxílio Brasil e o Bolsa Família.

Esses dados revelam o problema dos “supersalários” no sistema judiciário brasileiro, que se refere a remunerações excessivamente altas, muitas vezes para cargos públicos. Esses salários são compostos por parcelas adicionais que driblam o limite remuneratório, os chamados penduricalhos, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-creche, entre outros. Esses benefícios são concedidos sem critérios claros e sem transparência, gerando distorções e desigualdades salariais.

Um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018 mostrou que 71% dos magistrados brasileiros recebiam acima do teto constitucional, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 39,2 mil. Alguns juízes chegaram a receber mais de R$ 100 mil em um único mês. Esses valores contrastam com a realidade de milhões de brasileiros que vivem na pobreza e na vulnerabilidade social.

A existência de grandes disparidades salariais pode gerar descontentamento e levantar questões sobre a justiça e a transparência no sistema de remuneração. Além disso, pode comprometer a independência e a imparcialidade dos magistrados, que podem ser influenciados por interesses corporativos ou políticos. Por isso, é necessário que haja uma reforma na estrutura salarial do sistema judiciário, que estabeleça limites, critérios e controle dos gastos com pessoal.

Outro problema grave que afeta o sistema judiciário brasileiro é a corrupção, que mina a confiança da população nas instituições e prejudica a busca pela justiça. A corrupção pode se manifestar de diversas formas, como o desvio de recursos públicos, o tráfico de influência, a venda de sentenças, a manipulação de provas, a sonegação fiscal, entre outras. Essas práticas ilícitas podem envolver magistrados, servidores, advogados, procuradores, políticos e empresários.

Um exemplo emblemático de corrupção no sistema judiciário foi a Operação Faroeste, deflagrada pela Polícia Federal em 2019, que investigou um esquema de venda de decisões judiciais por desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) para favorecer a grilagem de terras no oeste do estado. O caso resultou na prisão preventiva de quatro desembargadores, dois juízes e diversos outros envolvidos, além do afastamento do presidente do TJBA.

A corrupção no sistema judiciário é extremamente danosa para a sociedade, pois compromete a imparcialidade e a integridade do processo judicial, viola os princípios constitucionais e os direitos fundamentais e gera impunidade e insegurança jurídica. Para combater a corrupção, é essencial que haja medidas de transparência, accountability e investigação rigorosa, que envolvam órgãos de controle interno e externo, como o CNJ, o Ministério Público, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas e a Corregedoria.

Um terceiro problema que afeta o sistema judiciário brasileiro é a baixa qualidade e produtividade, que se reflete na lentidão e na complexidade dos processos judiciais. O Brasil tem um dos sistemas judiciais mais morosos e congestionados do mundo, com uma média de 8 anos para a conclusão de um processo na Justiça Estadual, que é a mais demandada pela população. Em 2019, havia mais de 77 milhões de processos em tramitação no país, sendo que 30% deles estavam parados há mais de um ano.

A demora na prestação jurisdicional pode ter várias causas, como a falta de recursos humanos e materiais, a burocracia excessiva, o número elevado de recursos, a litigiosidade exacerbada, a complexidade do sistema legal, entre outras. Esses fatores reduzem a eficiência e a qualidade do sistema judiciário, gerando insatisfação, custos e incertezas para os cidadãos e as empresas. Além disso, podem comprometer a efetividade e a aplicabilidade das leis e das decisões judiciais.

Para melhorar a qualidade e a produtividade do sistema judiciário, é preciso investir em treinamento contínuo para magistrados e servidores, modernização de processos judiciais, com o uso de tecnologias e sistemas informatizados, alocação eficiente de recursos, com base em critérios técnicos e objetivos, simplificação e uniformização de procedimentos e normas, com o objetivo de reduzir a complexidade e a divergência jurídica, e incentivo à conciliação e à mediação, como formas alternativas de resolução de conflitos.

Um quarto problema que afeta o sistema judiciário brasileiro é a necessidade de reformas estruturais, que visem aperfeiçoar o funcionamento, a organização e a gestão do Poder Judiciário. O Brasil tem um sistema judiciário complexo e fragmentado, composto por cinco segmentos: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar. Cada segmento tem sua própria estrutura, competência e jurisdição, o que pode gerar sobreposição, conflito e ineficiência.

Além disso, o sistema judiciário brasileiro tem uma estrutura hierárquica e centralizada, na qual o STF é o órgão de cúpula e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição. O STF tem a competência de julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, as ações declaratórias de constitucionalidade, as arguições de descumprimento de preceito fundamental, os recursos extraordinários, entre outras. Essas atribuições sobrecarregam o STF e reduzem sua capacidade de atuar como um tribunal constitucional.

Para reformar o sistema judiciário brasileiro, é necessário revisar e reformar as políticas e as práticas judiciais, com o objetivo de promover a racionalização, a descentralização, a democratização e a participação social no Poder Judiciário. Isso pode envolver mudanças legislativas, como a reforma do Código de Processo Civil, a reforma da Lei Orgânica da Magistratura, a reforma do recurso extraordinário, entre outras. Também pode envolver políticas de transparência, como a divulgação de dados e informações sobre o funcionamento e o desempenho do sistema judiciário, a prestação de contas e o controle social das atividades judiciais. Além disso, pode envolver a adoção de práticas mais eficientes.


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