Resgate da Memória: Peças vítimas de ataques a terreiros em 1912 podem ser tombadas como Patrimônio Cultural

Peças raras do maior ataque à religião de matriz africana em 1912, conhecido como "Quebra de Xangô", podem ser tombadas pelo Iphan em 2024.
Peças raras do maior ataque à religião de matriz africana em 1912, conhecido como "Quebra de Xangô", podem ser tombadas pelo Iphan em 2024.

No ano de 1912, o Brasil testemunhou um episódio marcante e violento de intolerância religiosa, conhecido como “Quebra de Xangô”, que se tornou o maior ataque às religiões de matriz africana na história do país. Nessa madrugada de 2 de fevereiro, um grupo autodenominado Liga dos Republicanos Combatentes promoveu invasões, vandalismo, espancamentos e ameaças a aproximadamente 70 casas de terreiros em Maceió e cidades vizinhas, resultando no roubo de 216 objetos sacralizados. Esse conjunto de peças, contendo instrumentos musicais, indumentárias, estatuetas e insígnias, que resistiu ao tempo, está prestes a receber um reconhecimento histórico crucial.

Atualmente sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), essas peças têm o potencial de serem tombadas como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ainda este ano. O ataque, ocorrido há exatos 112 anos, foi motivado por questões políticas, sendo uma resposta da Liga dos Republicanos Combatentes à suposta proteção e proximidade do governador Euclides Malta aos terreiros, marcando um levante de intolerância religiosa sem precedentes.

O historiador Clébio Correia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), destaca que esse evento é único na história brasileira, representando a quebra de terreiros de forma coletiva. As peças, inicialmente expostas pelos agressores como troféus, hoje representam a comprovação desse crime histórico. O processo de tombamento, em análise pelo Iphan, visa garantir a preservação e o acautelamento desse acervo que, apesar de apresentar desgastes ao longo dos anos, permanece como testemunho vivo da resistência das religiões de matriz africana em Alagoas.

Maicon Marcante, historiador do Iphan, enfatiza que o tombamento trará a responsabilidade de preservação e conservação desses bens, além de permitir ações para difundir a memória desse episódio invisibilizado. Entre as lideranças envolvidas no processo, Mãe Neide Oyá D´Oxum destaca a importância dessas peças como símbolo de resistência e reverência à luta dos ancestrais. A colaboração da comunidade religiosa no processo de tombamento é crucial, e a expectativa é que, após a aprovação, sejam realizadas ações de preservação, conservação e maior divulgação desse capítulo histórico marcante.

A professora Larissa Fontes, que dedicou seu doutorado à pesquisa dessas peças, enfatiza a necessidade de restauro e salvaguarda urgente da coleção Perseverança, que se tornou o documento mais importante para a memória religiosa em Alagoas. O processo de tombamento representa uma ação patrimonial crucial para a recuperação e reparação da memória afro-brasileira, preenchendo lacunas e resgatando conhecimentos sobre as perdas litúrgicas ocorridas durante o ataque.

Além disso, o professor Ulisses Neves Rafael destaca a contribuição da imprensa, que, na época, teve um papel preconceituoso e racista ao disseminar uma imagem negativa dos terreiros. A pesquisa busca compreender o contexto do ataque e a participação da imprensa na construção de estigmas que perduraram ao longo do tempo. O filme “1912: o quebra de Xangô” é uma das iniciativas que buscam dar visibilidade a esse episódio, que por muito tempo esteve silenciado.

*Com informações da Agência Brasil.


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