As apostas esportivas, popularmente conhecidas como bets, têm causado uma redistribuição dos gastos familiares, especialmente nas classes D e E, impactando o consumo de bens e serviços essenciais. Um estudo da PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda aponta que as apostas online superaram outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e até alimentação. Entre 2018 e 2023, os gastos com apostas saltaram de 0,27% para 1,98% do orçamento familiar dessas classes, refletindo a crescente popularidade das plataformas de apostas no Brasil após a aprovação da Lei nº 13.756 em 2018.
Impacto no consumo e na economia familiar
Segundo o economista Gerson Charchat, sócio da Strategy& do Brasil, o desvio de recursos para apostas esportivas está exercendo uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, alterando a dinâmica de consumo.
“Os gastos com apostas já superam outras despesas discricionárias e até começam a impactar o orçamento destinado à alimentação. Esse fenômeno é preocupante, pois compromete a qualidade de vida das famílias de baixa renda”, afirmou Charchat.
Ele alertou que essa tendência pode levar ao aumento do endividamento e ter efeitos negativos no crescimento econômico do país.
Os dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) reforçam essa análise. Em uma pesquisa de opinião realizada em maio de 2024, 64% dos apostadores admitiram utilizar parte da renda principal para tentar a sorte nas apostas online. Além disso, 23% dos entrevistados relataram ter deixado de comprar roupas, 19% reduziram as compras de itens de mercado, e 14% cortaram gastos com produtos de higiene e beleza. Esses cortes são um reflexo direto do impacto das apostas no orçamento familiar, levando a uma redistribuição dos gastos em detrimento de necessidades básicas.
Vulnerabilidade das classes D e E
A economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), destacou a vulnerabilidade das classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo diante desse cenário.
“A situação social e a desinformação tornam as famílias mais pobres mais suscetíveis a correr riscos em apostas. Essas pessoas, muitas vezes, veem nas apostas uma saída rápida para problemas financeiros, o que é uma armadilha perigosa”, afirmou.
Amorim também chamou a atenção para o baixo nível de educação financeira da população brasileira, o que agrava o problema.
“Muitas pessoas já têm dificuldades em lidar com sua realidade financeira, e as apostas acabam por agravar essa situação, levando ao endividamento e, em casos extremos, a problemas de saúde mental.”
Ela ressaltou ainda que a escalada das apostas pode resultar em graves consequências sociais, como aumento do desemprego, destruição de lares e até suicídios. “Hoje, já enfrentamos uma realidade em que o vício em apostas leva ao alcoolismo, uso de drogas e, infelizmente, ao suicídio. É uma crise silenciosa que precisa de mais atenção do governo e da sociedade”, completou Amorim, que tem realizado palestras sobre o tema, inclusive para as Forças Armadas.
Legislação e arrecadação
A falta de regulamentação clara sobre as apostas esportivas no Brasil tem sido um ponto de debate. Desde a sanção da Lei nº 13.756 em 2018, que autorizou as apostas de quota fixa, o mercado de apostas explodiu, mas o governo ainda não tem um controle preciso sobre o número de empresas que administram essas plataformas no país, nem sobre o volume de dinheiro arrecadado. A expectativa é que esses dados comecem a ser divulgados após as bets obterem autorização do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica e iniciarem a arrecadação de tributos.
O recolhimento de tributos sobre as apostas online deve começar em breve, após a autorização para exploração comercial, que será concedida mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União. No entanto, a arrecadação ainda é uma incógnita, e os impactos das apostas sobre a economia permanecem em discussão.
“A arrecadação de tributos é uma medida importante, mas ela não pode ser vista como solução para todos os problemas que as apostas online causam. Precisamos de políticas públicas que combatam o vício e protejam as populações mais vulneráveis”, defendeu Ione Amorim.
Debate no Congresso e a possibilidade de expansão dos jogos de azar
A discussão sobre os impactos das apostas online no Brasil se intensifica com a tramitação do Projeto de Lei nº 2.234/2022 no Senado, que autoriza a exploração de cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalo em todo o território nacional. Os defensores do PL argumentam que a legalização desses jogos poderia gerar emprego, renda e tributos, contribuindo para o financiamento de políticas sociais.
No entanto, críticos da medida, como a economista Ione Amorim, alertam que a expansão dos jogos de azar pode agravar ainda mais os problemas econômicos e sociais causados pelas apostas online.
“A legalização dos jogos de azar pode gerar receita para o Estado, mas também traz custos que não podem ser ignorados. O aumento da criminalidade, os problemas de saúde mental e o endividamento são consequências que precisam ser consideradas antes de qualquer decisão”, ponderou.
Amorim também destacou que a contabilidade de arrecadação defendida pelos proponentes da legalização dos jogos não leva em conta as perdas tributárias em outros setores, como o varejo, que já sofre com a queda no consumo devido ao desvio de recursos para as apostas.
“A legalização pode até gerar tributos, mas isso não compensa as perdas econômicas e sociais que já estamos vendo com o crescimento das apostas online”, concluiu.
Perspectivas e desafios
Com a regulamentação do setor de apostas esportivas online ainda em andamento e o debate sobre a legalização de outras modalidades de jogos de azar ganhando força no Congresso, o Brasil enfrenta desafios significativos para equilibrar os possíveis benefícios econômicos com os riscos sociais e financeiros associados a esses mercados. Enquanto isso, a pressão sobre os orçamentos familiares das classes D e E continua a crescer, com apostas esportivas se tornando uma parte cada vez mais relevante do consumo dessas famílias.
*Com informações da Agência Brasil.
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