Escritor Joaci Góes aborda anatomia do ódio entre nações, raízes antropológicas e conflitos atuais

Combates da Ucrânia usam drones militares em ataques ao território da Rússia.
Combates da Ucrânia usam drones militares em ataques ao território da Rússia.

As guerras contemporâneas, como os conflitos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, trazem à tona questões fundamentais sobre as origens do ódio entre nações. Em seu artigo “Anatomia do Ódio entre Nações 1”, publicado na Tribuna da Bahia em 5 de setembro de 2024, Joaci Góes aborda a complexa e duradoura relação entre nacionalismo, identidade e conflito, oferecendo uma análise histórica e antropológica dessa problemática.

O autor inicia sua reflexão com uma citação bíblica do Evangelho de Lucas, lembrando as previsões de guerras e revoltas que viriam a marcar a humanidade. Esse pano de fundo serve como introdução para a discussão de como o nacionalismo, ao longo dos séculos, tornou-se um dos pilares das organizações políticas e das relações entre povos.

De acordo com Góes, o nacionalismo é uma das expressões mais poderosas da identidade dos grupos humanos. Essa ideologia, porém, não se manifesta apenas de forma positiva, por meio do amor aos membros da própria comunidade, mas também em uma face negativa, que alimenta a hostilidade contra os que estão fora do grupo. Essa dualidade entre atração e repulsa é, segundo o autor, uma das chaves para entender os conflitos que se perpetuam entre as nações.

As Origens do Nacionalismo

Historicamente, o nacionalismo é frequentemente visto como uma etapa necessária no desenvolvimento das comunidades políticas. Ao consolidar o senso de pertencimento e identidade, ele teria sido responsável pela formação das primeiras organizações políticas e pela unificação de estados-nação. Contudo, Joaci Góes questiona essa visão tradicional, argumentando que o nacionalismo é, na realidade, um fenômeno europeu do século XIX, surgido a partir do Romantismo.

Citando o filósofo Isaiah Berlin, Góes destaca que o nacionalismo europeu nasceu como uma reação ao Iluminismo francês do século XVIII. Esse movimento intelectual se caracterizou pela exaltação do indivíduo e da nação em oposição ao universalismo defendido pelo Iluminismo. O Romantismo valorizava o gênio criativo, o heroísmo e a identidade cultural específica de cada povo, estabelecendo as bases para a emergência do nacionalismo que dominaria o cenário político da Europa a partir do século XIX.

Esse contexto histórico foi fundamental para a formação dos estados-nação modernos, que, como explica Góes, são uma invenção relativamente recente. Até o início da era moderna, poucas nações possuíam uma história coerente de independência e unidade. França, Rússia, Alemanha e outras potências europeias consolidaram suas identidades nacionais apenas nos séculos XVIII e XIX, em processos que envolveram guerras, revoluções e profundas transformações sociais.

O Nacionalismo e a Identidade Racial

A unificação de países como Alemanha e Itália no século XIX foi impulsionada por uma crença na existência de uma unidade racial e cultural, que justificaria a criação de estados-nação fortes e coesos. No entanto, essa concepção de unidade racial, segundo Joaci Góes, não resiste ao escrutínio da história nem aos avanços científicos da genética. Como o geneticista Brian Sykes observou, “não há a menor base genética para uma classificação étnica ou racial”. Estudos recentes demonstram que os genes humanos são 99,9% idênticos entre quaisquer indivíduos, independente de sua origem étnica.

A ideia de uma pureza racial, frequentemente associada ao nacionalismo, é assim desconstruída pela ciência moderna, revelando-se uma construção cultural sem fundamentação biológica. Ainda assim, essa crença equivocada tem sido usada ao longo da história para justificar conflitos, genocídios e práticas de exclusão.

Conflitos Atuais e Lições Históricas

A análise de Joaci Góes é particularmente relevante no contexto das guerras contemporâneas, como os conflitos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas. Esses confrontos refletem, em muitos aspectos, a persistência do nacionalismo e das divisões identitárias no cenário global. As guerras de hoje, embora moldadas por fatores geopolíticos específicos, são também herdeiras das tensões que o nacionalismo do século XIX ajudou a criar.

Ao investigar as raízes profundas do ódio entre nações, o artigo propõe uma reflexão sobre a necessidade de superar as divisões baseadas em ideias ultrapassadas de raça e nacionalidade. O reconhecimento da interconexão entre todos os seres humanos, demonstrada pela genética, pode oferecer um caminho para a construção de um mundo mais pacífico e colaborativo.

*Publicação original: “Anatomia do Ódio entre Nações 1” – Tribuna da Bahia, 05 de setembro de 2024.


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