Desde a crise financeira global de 2008-2009, a economia mundial enfrenta um cenário de crescimento moderado, com uma constante revisão para baixo das projeções de médio prazo. Nas economias avançadas, o crescimento econômico tem se deteriorado desde o início dos anos 2000. Mercados emergentes também enfrentam desafios significativos após a crise, refletindo um enfraquecimento das taxas de crescimento.
Um estudo recente conduzido pelos economistas Nan Li e Diaa Noureldin sugere que, sem avanços significativos nas políticas econômicas ou na adoção de novas tecnologias, o crescimento global pode desacelerar para apenas 2,8% até o final da década, uma queda expressiva em relação aos níveis anteriores à pandemia. No entanto, esse cenário não é irreversível. Reformas que melhorem a eficiência alocativa — ou seja, a distribuição de recursos para usos mais produtivos — podem desempenhar um papel crucial para reverter essa tendência.
A Produtividade Global em Declínio: Causas e Efeitos
O crescimento da produtividade global, que mede o aumento da produção sem depender do aumento de insumos como trabalho e capital, desacelerou drasticamente nas últimas décadas. Esse declínio tem sido um dos principais responsáveis pela queda do crescimento econômico. Entre as economias avançadas, a produtividade anual, que crescia a 1,4% durante o período de 1995-2000, caiu para 0,4% após a pandemia. Economias emergentes enfrentaram um declínio ainda mais severo, passando de 2,5% entre 2001-2007 para 0,8%. Países de baixa renda viram o crescimento da produtividade estagnar, aproximando-se de zero após a pandemia.
Fatores que Impulsionam a Produtividade
Existem dois fatores principais que impulsionam o crescimento da produtividade:
- Melhorias internas nas empresas:
Empresas podem aumentar sua produtividade ao adotar novas tecnologias, aprimorar suas práticas de gestão e investir em inovação. Companhias que investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e atraem os melhores talentos tendem a ganhar competitividade e crescer de forma mais rápida. Entretanto, os retornos sobre os investimentos em P&D vêm diminuindo em diversos setores, especialmente na indústria de tecnologia, onde os avanços rápidos da década de 1990 estagnaram. Isso cria a necessidade de buscar novas fontes de crescimento de produtividade. - Eficiência alocativa:
A eficiência alocativa, por sua vez, se refere à capacidade de uma economia de distribuir seus recursos de forma a garantir que os setores e empresas mais produtivos recebam a maior parte dos investimentos e da força de trabalho. Em uma economia eficiente, empresas mais inovadoras prosperam e atraem mais recursos, enquanto as menos eficientes deixam de existir. Contudo, nos últimos anos, a má alocação de capital e trabalho tem se intensificado, reduzindo a produtividade global em cerca de 0,6 ponto percentual por ano. Sem essa má alocação, o crescimento da produtividade poderia ser 50% maior.
Barreiras Estruturais ao Crescimento da Produtividade
Diversos fatores estruturais contribuem para o aumento da má alocação de recursos entre empresas. Barreiras regulatórias, rigidez no mercado de trabalho, falta de acesso ao financiamento e restrições comerciais são os principais obstáculos que impedem a realocação eficiente de capital e trabalho. Estima-se que dois terços da má alocação observada sejam atribuíveis a problemas estruturais persistentes. Assim, intervenções políticas direcionadas são cruciais para aumentar a produtividade e promover um crescimento econômico robusto.
Causas do Declínio da Produtividade
- Crescimento lento da produtividade em economias avançadas e emergentes.
- Má alocação de recursos, responsável por 0,6 ponto percentual de perda anual de crescimento.
- Desaceleração dos retornos sobre investimentos em P&D em setores-chave.
Queda da Produtividade
- Economias Avançadas: De 1,4% (1995-2000) para 0,4% após a pandemia.
- Mercados Emergentes: De 2,5% (2001-2007) para 0,8% após a pandemia.
- Economias de Baixa Renda: Queda para quase zero após a pandemia.
Impacto da Má Alocação
- Redução do crescimento da produtividade em 0,6 ponto percentual ao ano.
- Sem a má alocação, o crescimento da produtividade poderia ser 50% maior.
Exemplos de Reformas Bem-Sucedidas
A Índia é um exemplo de como reformas estruturais podem impulsionar a produtividade. Em 1991, o país implementou uma série de reformas econômicas que incluíam a desregulamentação de setores importantes da economia, permitindo maior concorrência e participação do setor privado. O Brasil também realizou reformas trabalhistas em 2017, reduzindo custos e litígios no setor formal, o que ajudou a aumentar a produtividade dos trabalhadores.
- Índia: Desregulamentação (License Raj) e aumento da competição.
- Brasil: Reforma trabalhista (2017) e formalização do emprego.
- China: Necessidade de melhor alocação de recursos no setor de serviços.
- União Europeia: Falta de integração de mercado e eficiência institucional.
O Papel da Inovação Tecnológica
Além das reformas estruturais, a inovação tecnológica desempenha um papel vital no aumento da produtividade. Tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA), biotecnologia e tecnologias verdes, têm potencial para transformar diversos setores. A IA, por exemplo, pode otimizar cadeias de suprimentos, reduzir custos operacionais e melhorar o atendimento ao cliente, enquanto a automação pode aumentar as velocidades de produção e reduzir os erros.
Governos devem fomentar um ambiente de inovação que facilite o desenvolvimento de novas tecnologias e elimine barreiras à realocação de recursos de pesquisa. Isso é crucial para assegurar que o potencial das tecnologias emergentes seja maximizado em prol do crescimento econômico global.
Tecnologias Emergentes
- Inteligência Artificial, biotecnologia e tecnologias verdes como motores de crescimento da produtividade.
- Inovação tecnológica como essencial para melhorar a eficiência operacional e competitividade.
Eficiência Alocativa como Solução para Reverter o Declínio
Uma maneira eficaz de reverter o declínio da produtividade global é melhorar a eficiência alocativa nas economias. Se os países conseguirem reduzir suas lacunas em relação à economia dos Estados Unidos em termos de flexibilidade do mercado de trabalho, liberalização financeira e regulamentação comercial, o impacto seria significativo. Estima-se que essa melhoria poderia aumentar a produtividade global em 1,2 pontos percentuais ao ano. Esse esforço exigiria uma combinação de reformas estruturais e políticas que promovam a competitividade e a inovação.
Cenário Regional: Desafios e Perspectivas
- Brasil:
O Brasil, uma das principais economias emergentes, tem avançado em sua integração aos mercados globais e implementado reformas significativas. A reforma trabalhista de 2017 ajudou a aumentar a produtividade dos trabalhadores, enquanto a reforma tributária de 2023 deve melhorar a alocação de recursos no setor de manufatura. Além disso, o crescimento da produção de hidrocarbonetos e o investimento em energia verde têm o potencial de aumentar o crescimento econômico no médio prazo. - China:
A China enfrenta uma desaceleração em seu crescimento econômico, impulsionada pelo envelhecimento populacional e pela estagnação no crescimento da produtividade no setor de serviços. Reformas que promovam a eficiência alocativa, como a abertura de mercados e a reforma de empresas estatais, são essenciais para restaurar o potencial de crescimento da economia chinesa. - Zona Euro:
O crescimento da produtividade na Europa tem sido inferior ao dos Estados Unidos desde a década de 1990. A falta de um mercado único plenamente integrado limita a competitividade das empresas europeias e impede que elas alcancem o mesmo nível de inovação de suas concorrentes americanas. Reformas no mercado único e uma maior flexibilidade no mercado de trabalho são necessárias para melhorar a produtividade na região. - Japão:
O Japão, apesar de ser um dos países que mais investem em pesquisa e desenvolvimento, tem enfrentado dificuldades para aumentar sua produtividade. A manutenção de empresas de baixo desempenho por longos períodos impede uma alocação mais eficiente de recursos, o que freia o crescimento econômico do país.
Perspectivas Regionais
- Brasil: Reformas recentes e investimento em energia verde aumentam o potencial de crescimento.
- China: Envelhecimento populacional e baixa eficiência no setor de serviços limitam o crescimento.
- Zona Euro: Falta de integração no mercado único prejudica a competitividade das empresas.
- Japão: Empresas de baixo desempenho afetam a alocação eficiente de recursos.
Reformas Necessárias para Aumentar a Produtividade
Para promover um crescimento sustentável, são necessárias reformas que favoreçam a eficiência alocativa e incentivem a inovação. Entre as principais reformas estão:
- Desregulamentação de mercados: Reduzir barreiras que limitam a entrada de novas empresas e aumentar a concorrência.
- Liberalização financeira: Melhorar o acesso das empresas ao financiamento, permitindo que empresas inovadoras e produtivas cresçam.
- Flexibilização do mercado de trabalho: Tornar mais fácil para trabalhadores se moverem entre empregos, o que aumenta a produtividade ao alocar melhor a força de trabalho.
- Reformas institucionais: Melhorar a governança, combater a corrupção e garantir que os direitos de propriedade sejam respeitados, criando um ambiente favorável ao crescimento de longo prazo.
Cenário Global: Perspectivas para Economias Regionais
Diferentes economias enfrentam desafios específicos em termos de produtividade e alocação de recursos. No Brasil, o aumento da produção de hidrocarbonetos e reformas tributárias recentes devem impulsionar o crescimento de médio prazo. A China, por sua vez, enfrenta um declínio no crescimento da produtividade no setor de serviços, e a reforma das empresas estatais e a abertura comercial são imperativas para reverter essa tendência. Na Europa, a falta de um mercado único verdadeiramente integrado prejudica a eficiência alocativa e a competitividade das empresas. Já o Japão, apesar de investir pesadamente em P&D, não conseguiu transformar esses investimentos em ganhos significativos de produtividade.
Potencial de Aumento do Crescimento Global
- Se os países diminuírem a lacuna de eficiência alocativa com os EUA em 15%, o crescimento global pode aumentar em 1,2 pontos percentuais ao ano.
Os autores do artigo
Nan Li é vice-chefe de divisão no Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com uma trajetória sólida em macroeconomia e finanças internacionais, Nan Li se especializou em áreas cruciais como crescimento econômico, produtividade e alocação de recursos. Sua atuação no FMI inclui a análise de políticas econômicas e o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o entendimento dos fatores que impulsionam o crescimento econômico global, além de estratégias para enfrentar os desafios da produtividade em diferentes regiões do mundo.
Diaa Noureldin é economista sênior no Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Sua expertise abrange uma ampla gama de temas relacionados à macroeconomia, com foco em finanças internacionais e políticas econômicas. Noureldin contribui significativamente para o entendimento de questões como produtividade, alocação de recursos e os fatores que influenciam o crescimento econômico global. No FMI, sua pesquisa orienta a formulação de políticas voltadas para melhorar a eficiência econômica e superar desafios estruturais que afetam tanto economias emergentes quanto avançadas.
Fonte bibliográfica
O artigo “Como eliminar o arrasto da produtividade”, de autoria de Nan Li e Diaa Noureldin, levanta a questão de como reformas voltadas à má alocação de recursos podem aumentar a produtividade o suficiente para reavivar o crescimento global estagnado.
A reportagem ‘O Paradoxo da Inovação: Ufuk Akcigit aborda como o aumento dos gastos com Pesquisa e Desenvolvimento não impulsiona a produtividade nos EUA‘ , é parte da série de publicações do Jornal Grande Bahia com o tema ‘Fundamental Para Quem Pensa’.
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