O vazio existencial é um fenômeno antigo com nomes modernos. Os gregos o chamavam de kenosis, os latinos de inania, os existencialistas de angústia. É o sentimento de que, apesar de todos os recursos disponíveis, a vida parece carecer de finalidade intrínseca. Diante desse abismo silencioso, o estoicismo — escola filosófica fundada por Zenão de Cítio no século III a.C. — responde com clareza e rigor: o homem deve agir segundo a razão, o logos, mesmo em face do absurdo.
Essa escola helenística, ao contrário de propostas hedonistas ou niilistas, rejeita a busca desesperada por prazer ou significado totalizante. Em vez disso, ensina que a virtude é suficiente para uma vida plena. “Vita beata” (vida feliz), para os estoicos, é aquela em conformidade com a razão e a natureza, e não com estados emocionais fugazes.
Agir com sentido, mesmo sem sentir sentido
O estoicismo afirma que o sentido da vida não se encontra em sentimentos, mas em ações justas. Essa é uma de suas mais contundentes lições. Epicteto, escravo que se tornou mestre, ensinava:
“Não são os fatos que nos perturbam, mas os julgamentos que fazemos sobre eles.” (Enchiridion, §5)
Diante do vazio, o estoico não cede à paralisia. Ao contrário, ele transforma o sofrimento em ocasião para o exercício da virtude — fortaleza, justiça, temperança e sabedoria. Age, mesmo com a alma em silêncio. Age, não porque sente, mas porque reconhece o dever como expressão da razão universal.
Marco Aurélio, imperador romano e modelo de estoico em ação, escreveu em sua Meditações:
“A perfeição da moral consiste nisso: viver cada dia como se fosse o último, sem apatia, sem agitação, sem dissimulação.”
Agir com retidão, mesmo sob a sombra do sentido incompleto, é afirmar a dignidade da alma racional.
Entre o ser e o dever: a travessia ética
O vazio existencial não se resolve com respostas rápidas, nem com gratificações sensoriais. Ele exige o que o filósofo Pierre Hadot chamaria de “exercício espiritual”, isto é, práticas diárias de autoformação, vigilância interior e cultivo da alma. O estoicismo não promete consolo emocional, mas estrutura para viver com grandeza mesmo sem consolo.
O pensador contemporâneo Viktor Frankl, sobrevivente de campos de concentração e criador da logoterapia, ecoa os estoicos ao afirmar:
“Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.”
Para Frankl, o sentido da vida não é dado, é buscado, e essa busca se realiza no compromisso com valores e responsabilidades, não em estados de bem-estar.
A diferença entre liberdade interior e desejo de fuga
O estoicismo distingue liberdade verdadeira de liberdade ilusória. A primeira está no domínio de si — da vontade, da razão, da consciência moral. A segunda está no engano de que podemos controlar o mundo exterior, os afetos alheios ou os resultados. Séneca, em sua obra Da tranquilidade da alma, lembra:
“O homem é infeliz, não porque ignora o que é bom, mas porque deseja o que é alheio à sua natureza.”
Assim, agir segundo a natureza racional e moral, mesmo em meio ao vazio, é a única resposta verdadeiramente humana e elevada.
Abertura ao transcendente: o logos como ponte
Embora racionalista, o estoicismo não é materialista no sentido moderno. Acredita que há uma ordem cósmica — o logos — que rege o universo. A alma humana, partícipe dessa razão cósmica, é chamada à coerência com ela. Esse é o núcleo da ética estoica: viver de acordo com o cosmos, e não com as paixões.
No mundo contemporâneo, onde o subjetivismo emocional frequentemente substitui o fundamento racional, essa visão é mais atual do que nunca. Agir, mesmo com sentido incompleto, é manter-se fiel a uma ordem superior — mesmo que não se consiga vê-la de imediato. O estoico caminha em meio à noite com a tocha do dever.
Viver como tarefa, não como espetáculo
Curar o vazio existencial não é um instante místico, mas um processo ético e espiritual. Exige silêncio interior, discernimento constante, vínculos verdadeiros e abertura a uma dimensão que transcende o imediato. O estoico não foge, não se entrega à angústia, não exige garantias emocionais: ele cumpre a tarefa, porque ela é sua — e nisso reencontra a si mesmo.
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