A Ordem Internacional Liberal é um arcabouço político, econômico e normativo estabelecido no pós-Segunda Guerra Mundial, a partir de 1945, com o objetivo de garantir estabilidade, cooperação e previsibilidade nas relações internacionais. Estruturada sob a liderança dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, essa ordem foi construída sobre os pilares do multilateralismo institucionalizado, do livre comércio, da democracia liberal e do respeito aos direitos humanos.
Ao longo de suas oito décadas de existência, a ordem liberal internacional não foi apenas um reflexo do poder material das potências ocidentais, mas também uma expressão de um projeto normativo — ou seja, uma tentativa de organizar o sistema internacional com base em valores liberais universais, como o Estado de Direito, o pluralismo político, a autodeterminação dos povos e a primazia da diplomacia sobre a força.
Linha do Tempo Conceitual da Ordem Internacional Liberal (1945–2025)
1. Fundação e Consolidação (1945–1989)
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1945: Criação da ONU, do FMI e do Banco Mundial, na esteira da vitória dos Aliados.
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1947–1951: Doutrina Truman, Plano Marshall e criação da OTAN; início da Guerra Fria molda uma ordem bipolar, mas com hegemonia liberal no Ocidente.
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1950s–1970s: Institucionalização do GATT e expansão do sistema de comércio multilateral; fortalecimento de democracias ocidentais.
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1975: Ato Final de Helsinque amplia o componente normativo da ordem com ênfase nos direitos humanos.
2. Momento Unipolar e Expansão Liberal (1990–2008)
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1989–1991: Fim da Guerra Fria, colapso da URSS e transição de vários países do Leste Europeu para a democracia liberal.
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1990s: Intervenções humanitárias (Bálcãs, Somália), expansão da OTAN, liberalização financeira global.
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1995: Criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
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2001–2008: Tentativa de consolidar a ordem liberal por meio da globalização, do alargamento das instituições e de campanhas militares em nome da democracia (ex: Afeganistão, Iraque).
3. Erosão e Contestação (2008–2025)
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2008: Crise financeira global abala a confiança nos fundamentos econômicos do liberalismo.
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2010s: Ascensão do populismo e do nacionalismo (Trump, Brexit, Viktor Orbán), aumento da desconfiança em instituições multilaterais.
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2020s: Crescimento da influência de regimes autocráticos (China, Rússia), desacoplamento tecnológico, guerras por procuração e desinformação digital como armas geopolíticas.
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2022–2025: Guerra na Ucrânia, tensões no Mar do Sul da China e retração americana aceleram o declínio da ordem liberal como paradigma universal.
Pilares Estruturantes da Ordem Liberal
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Instituições multilaterais
Organizações como a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC e blocos como a União Europeia foram o arcabouço institucional dessa ordem, promovendo regras comuns e mecanismos de resolução de disputas. -
Economia de mercado e comércio livre
A liberalização comercial, a abertura de mercados e a integração global por meio de cadeias produtivas transnacionais formaram o motor econômico da ordem. -
Democracia liberal e direitos humanos
A promoção do Estado de Direito, da separação de poderes, da liberdade de imprensa e dos direitos civis foi não apenas um ideal normativo, mas também um critério de legitimação da ordem. -
Hegemonia dos EUA e alianças ocidentais
A liderança dos Estados Unidos, sustentada por sua superioridade militar, cultural e tecnológica, e reforçada por alianças como a OTAN, foi o principal garante da ordem liberal.
Desafios e Críticas à Ordem Liberal
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Hegemonia seletiva: Os EUA, embora promotores da ordem, frequentemente ignoraram suas próprias regras (ex: intervenção no Iraque em 2003, apoio a ditaduras aliadas).
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Exclusão e desigualdade: Países do Sul Global frequentemente foram excluídos das decisões centrais, e o liberalismo econômico aprofundou desigualdades internas e globais.
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Eficácia limitada: O sistema multilateral mostrou-se frágil diante de crises ambientais, pandemias, guerras civis e violações sistemáticas de direitos humanos.
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Ascensão do autoritarismo digital: Modelos como o da China desafiaram a ideia de que desenvolvimento econômico requer democracia liberal.
Declínio e Transformação Pós-2025
Embora não extinta formalmente, a ordem liberal encontra-se hoje fragmentada, sendo substituída por uma multipolaridade fluida e conflituosa, marcada pela competição entre sistemas normativos — o liberal-ocidental, o autoritário-tecnocrático e o nacional-populista. O mundo caminha para uma ordem pós-liberal, menos centrada em regras universais e mais voltada à geopolítica de esferas de influência.
Principais Referências Acadêmicas
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John Ikenberry (Princeton): Defensor da tese da ordem liberal como uma “hegemonia com consentimento”.
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Stacie E. Goddard e Ronald R. Krebs: Analisam a linguagem e a legitimidade como fundamentos da ordem liberal.
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Christian Kreuder-Sonnen e Berthold Rittberger: Estudam o paradoxo do autoritarismo liberal nas instituições internacionais.
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Fareed Zakaria e Stephen Walt: Críticos da arrogância liberal e do imperialismo normativo.
Resumo Conceitual
A Ordem Internacional Liberal (1945–2025) foi um sistema baseado na liderança americana, na expansão do capitalismo de mercado, na normatização de relações pacíficas via instituições multilaterais e na promoção da democracia. Hoje, esse modelo encontra-se em declínio, desafiado por crises internas no Ocidente, pela ascensão de potências autoritárias e por uma crescente desconfiança das sociedades em relação ao liberalismo como promessa universal de progresso. O futuro da ordem mundial será definido pela forma como as potências lidarem com essa transição — seja por meio de reformas da ordem liberal ou por sua substituição por um novo paradigma.
Teóricos, Teses e Obras Centrais sobre a Ordem Internacional Liberal (1945–2025)
A seguir, conheça a relação abrangente dos principais teóricos, teses e obras fundamentais que moldaram o debate acadêmico e político sobre a Ordem Internacional Liberal (1945–2025).
1. G. John Ikenberry
Instituição: Princeton University
Perspectiva: Liberal institucionalista
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Obras-chave:
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After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars (2001)
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Liberal Leviathan: The Origins, Crisis, and Transformation of the American World Order (2011)
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A World Safe for Democracy: Liberal Internationalism and the Crises of Global Order (2020)
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Tese central:
Ikenberry defende que os EUA, após 1945, criaram uma ordem liberal com base em instituições multilaterais, regras compartilhadas e contenção do próprio poder, assegurando previsibilidade e estabilidade. A crise da ordem não decorre de sua falência interna, mas de seu sucesso incompleto e da ascensão de potências revisionistas.
2. Robert Keohane & Joseph Nye
Instituições: Princeton e Harvard
Perspectiva: Neoliberalismo institucional
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Obra principal:
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Power and Interdependence (1977, com atualizações posteriores)
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Tese central:
As relações internacionais são marcadas por interdependência complexa, onde o poder se exerce por meio de instituições, normas e regimes multilaterais. O sistema liberal se sustenta não apenas pela força, mas pela cooperação institucionalizada.
3. Francis Fukuyama
Instituição: Stanford University
Perspectiva: Liberal teleológico
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Obras principais:
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The End of History and the Last Man (1992)
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Political Order and Political Decay (2014)
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Tese central:
Com o fim da Guerra Fria, a democracia liberal emergiria como ponto culminante da evolução política. Contudo, posteriormente, Fukuyama revisou seu otimismo diante das crises institucionais do Ocidente e da ascensão do autoritarismo.
4. John Mearsheimer
Instituição: University of Chicago
Perspectiva: Realismo ofensivo (crítico da ordem liberal)
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Obras principais:
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The Tragedy of Great Power Politics (2001)
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The Great Delusion: Liberal Dreams and International Realities (2018)
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Tese central:
Mearsheimer argumenta que a tentativa de universalizar o liberalismo por meio da hegemonia americana foi um erro estratégico. As potências atuam conforme interesses de sobrevivência e poder, e o liberalismo falha ao ignorar essa realidade.
5. Anne-Marie Slaughter
Instituição: Princeton / New America
Perspectiva: Liberalismo global em rede
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Obras principais:
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A New World Order (2004)
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The Chessboard and the Web: Strategies of Connection in a Networked World (2017)
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Tese central:
A nova ordem liberal se estrutura menos por Estados e mais por redes transgovernamentais e cooperação entre atores subnacionais. A interdependência jurídica e regulatória é parte essencial da governança global liberal.
6. Samuel Huntington
Instituição: Harvard University
Perspectiva: Conservador realista / cético da universalização liberal
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Obras principais:
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The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (1996)
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Tese central:
Huntington critica a ideia de que os valores liberais possam ser universalizados. A ordem internacional está fadada ao choque entre civilizações com visões inconciliáveis sobre política, religião e sociedade.
7. Christian Kreuder-Sonnen & Berthold Rittberger
Instituições: Universidade de Munique
Perspectiva: Crítica institucionalista liberal
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Obra central:
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Emergency Powers of International Organizations (2019)
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Tese central:
As instituições da ordem liberal passaram a exercer poderes emergenciais que extrapolam seus mandatos fundadores, revelando um autoritarismo liberal paradoxal que compromete sua legitimidade normativa.
8. Stacie E. Goddard & Ronald R. Krebs
Instituições: Wellesley College / University of Minnesota
Perspectiva: Constructivista crítica
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Obra central:
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Rhetoric and Grand Strategy: The Liberal Order after the Cold War (Foreign Affairs, 2024)
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Tese central:
A ordem liberal não se sustenta apenas com instituições, mas com legitimidade retórica. O colapso da narrativa liberal sobre progresso e cooperação global minou a ordem tanto quanto a ascensão de rivais autocráticos.
9. Fareed Zakaria
Instituição: Columbia / The Washington Post
Perspectiva: Liberal crítico
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Obras principais:
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The Post-American World (2008)
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Illiberal Democracy at Home and Abroad (Foreign Affairs, 1997)
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Tese central:
O liberalismo político está em declínio dentro das próprias democracias ocidentais, minando a credibilidade externa da ordem liberal e abrindo espaço para regimes “democráticos” autoritários.
10. Stephen M. Walt
Instituição: Harvard University
Perspectiva: Realismo ofensivo, crítico das aventuras liberais
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Obras principais:
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The Hell of Good Intentions: America’s Foreign Policy Elite and the Decline of U.S. Primacy (2018)
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Tese central:
As intervenções internacionais para promover a ordem liberal fracassaram, alimentando ressentimento e instabilidade. A ordem liberal não colapsou apenas por desafios externos, mas por arrogância interna.
Quadro-Resumo dos Autores e Teses
| Autor | Escola/Abordagem | Obra principal (ano) | Tese essencial |
|---|---|---|---|
| G. John Ikenberry | Liberal institucionalista | Liberal Leviathan (2011) | Ordem baseada em regras e contenção do poder |
| Keohane & Nye | Neoliberalismo | Power and Interdependence (1977) | Cooperação multilateral mesmo sob anarquia |
| Francis Fukuyama | Liberal teleológico | The End of History (1992) | Democracia liberal como destino final |
| John Mearsheimer | Realismo ofensivo | The Great Delusion (2018) | Ordem liberal é ilusão perigosa |
| Anne-Marie Slaughter | Liberalismo em rede | A New World Order (2004) | Redes transgovernamentais e soft power |
| Samuel Huntington | Realismo civilizacional | The Clash of Civilizations (1996) | Ordem liberal será confrontada por civilizações rivais |
| Kreuder-Sonnen & Rittberger | Crítica institucional | Emergency Powers… (2019) | Abuso de poder sob aparência de legalidade |
| Goddard & Krebs | Constructivismo retórico | Foreign Affairs (2024) | Legitimidade discursiva da ordem liberal está em crise |
| Fareed Zakaria | Liberal crítico | The Post-American World (2008) | Crise interna do liberalismo enfraquece a ordem |
| Stephen Walt | Realismo crítico | The Hell of Good Intentions (2018) | Falência da política externa liberal dos EUA |
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