Conceito da Ordem Internacional Liberal (1945–2025)

A Ordem Internacional Liberal (1945–2025) foi um sistema global estruturado no pós-guerra sob a liderança dos Estados Unidos, com base em instituições multilaterais, economia de mercado, democracia liberal e direitos humanos. Após décadas de expansão, enfrenta hoje erosão e contestação, diante de crises internas no Ocidente, da ascensão de potências autoritárias e da transição para uma ordem multipolar instável e fragmentada.
Entenda o conceito da Ordem Internacional Liberal (1945–2025), seus pilares normativos, transformações históricas, principais críticos e os desafios contemporâneos que indicam o declínio dessa estrutura. Um panorama essencial sobre o sistema que moldou a política global no pós-guerra e suas possíveis substituições no cenário geopolítico atual.

A Ordem Internacional Liberal é um arcabouço político, econômico e normativo estabelecido no pós-Segunda Guerra Mundial, a partir de 1945, com o objetivo de garantir estabilidade, cooperação e previsibilidade nas relações internacionais. Estruturada sob a liderança dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais, essa ordem foi construída sobre os pilares do multilateralismo institucionalizado, do livre comércio, da democracia liberal e do respeito aos direitos humanos.

Ao longo de suas oito décadas de existência, a ordem liberal internacional não foi apenas um reflexo do poder material das potências ocidentais, mas também uma expressão de um projeto normativo — ou seja, uma tentativa de organizar o sistema internacional com base em valores liberais universais, como o Estado de Direito, o pluralismo político, a autodeterminação dos povos e a primazia da diplomacia sobre a força.

Linha do Tempo Conceitual da Ordem Internacional Liberal (1945–2025)

1. Fundação e Consolidação (1945–1989)

  • 1945: Criação da ONU, do FMI e do Banco Mundial, na esteira da vitória dos Aliados.

  • 1947–1951: Doutrina Truman, Plano Marshall e criação da OTAN; início da Guerra Fria molda uma ordem bipolar, mas com hegemonia liberal no Ocidente.

  • 1950s–1970s: Institucionalização do GATT e expansão do sistema de comércio multilateral; fortalecimento de democracias ocidentais.

  • 1975: Ato Final de Helsinque amplia o componente normativo da ordem com ênfase nos direitos humanos.

2. Momento Unipolar e Expansão Liberal (1990–2008)

  • 1989–1991: Fim da Guerra Fria, colapso da URSS e transição de vários países do Leste Europeu para a democracia liberal.

  • 1990s: Intervenções humanitárias (Bálcãs, Somália), expansão da OTAN, liberalização financeira global.

  • 1995: Criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

  • 2001–2008: Tentativa de consolidar a ordem liberal por meio da globalização, do alargamento das instituições e de campanhas militares em nome da democracia (ex: Afeganistão, Iraque).

3. Erosão e Contestação (2008–2025)

  • 2008: Crise financeira global abala a confiança nos fundamentos econômicos do liberalismo.

  • 2010s: Ascensão do populismo e do nacionalismo (Trump, Brexit, Viktor Orbán), aumento da desconfiança em instituições multilaterais.

  • 2020s: Crescimento da influência de regimes autocráticos (China, Rússia), desacoplamento tecnológico, guerras por procuração e desinformação digital como armas geopolíticas.

  • 2022–2025: Guerra na Ucrânia, tensões no Mar do Sul da China e retração americana aceleram o declínio da ordem liberal como paradigma universal.

Pilares Estruturantes da Ordem Liberal

  1. Instituições multilaterais
    Organizações como a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC e blocos como a União Europeia foram o arcabouço institucional dessa ordem, promovendo regras comuns e mecanismos de resolução de disputas.

  2. Economia de mercado e comércio livre
    A liberalização comercial, a abertura de mercados e a integração global por meio de cadeias produtivas transnacionais formaram o motor econômico da ordem.

  3. Democracia liberal e direitos humanos
    A promoção do Estado de Direito, da separação de poderes, da liberdade de imprensa e dos direitos civis foi não apenas um ideal normativo, mas também um critério de legitimação da ordem.

  4. Hegemonia dos EUA e alianças ocidentais
    A liderança dos Estados Unidos, sustentada por sua superioridade militar, cultural e tecnológica, e reforçada por alianças como a OTAN, foi o principal garante da ordem liberal.

Desafios e Críticas à Ordem Liberal

  • Hegemonia seletiva: Os EUA, embora promotores da ordem, frequentemente ignoraram suas próprias regras (ex: intervenção no Iraque em 2003, apoio a ditaduras aliadas).

  • Exclusão e desigualdade: Países do Sul Global frequentemente foram excluídos das decisões centrais, e o liberalismo econômico aprofundou desigualdades internas e globais.

  • Eficácia limitada: O sistema multilateral mostrou-se frágil diante de crises ambientais, pandemias, guerras civis e violações sistemáticas de direitos humanos.

  • Ascensão do autoritarismo digital: Modelos como o da China desafiaram a ideia de que desenvolvimento econômico requer democracia liberal.

Declínio e Transformação Pós-2025

Embora não extinta formalmente, a ordem liberal encontra-se hoje fragmentada, sendo substituída por uma multipolaridade fluida e conflituosa, marcada pela competição entre sistemas normativos — o liberal-ocidental, o autoritário-tecnocrático e o nacional-populista. O mundo caminha para uma ordem pós-liberal, menos centrada em regras universais e mais voltada à geopolítica de esferas de influência.

Principais Referências Acadêmicas

  • John Ikenberry (Princeton): Defensor da tese da ordem liberal como uma “hegemonia com consentimento”.

  • Stacie E. Goddard e Ronald R. Krebs: Analisam a linguagem e a legitimidade como fundamentos da ordem liberal.

  • Christian Kreuder-Sonnen e Berthold Rittberger: Estudam o paradoxo do autoritarismo liberal nas instituições internacionais.

  • Fareed Zakaria e Stephen Walt: Críticos da arrogância liberal e do imperialismo normativo.

Resumo Conceitual 

A Ordem Internacional Liberal (1945–2025) foi um sistema baseado na liderança americana, na expansão do capitalismo de mercado, na normatização de relações pacíficas via instituições multilaterais e na promoção da democracia. Hoje, esse modelo encontra-se em declínio, desafiado por crises internas no Ocidente, pela ascensão de potências autoritárias e por uma crescente desconfiança das sociedades em relação ao liberalismo como promessa universal de progresso. O futuro da ordem mundial será definido pela forma como as potências lidarem com essa transição — seja por meio de reformas da ordem liberal ou por sua substituição por um novo paradigma.

Teóricos, Teses e Obras Centrais sobre a Ordem Internacional Liberal (1945–2025)

A seguir, conheça a relação abrangente dos principais teóricos, teses e obras fundamentais que moldaram o debate acadêmico e político sobre a Ordem Internacional Liberal (1945–2025)

1. G. John Ikenberry

Instituição: Princeton University
Perspectiva: Liberal institucionalista

  • Obras-chave:

    • After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars (2001)

    • Liberal Leviathan: The Origins, Crisis, and Transformation of the American World Order (2011)

    • A World Safe for Democracy: Liberal Internationalism and the Crises of Global Order (2020)

  • Tese central:
    Ikenberry defende que os EUA, após 1945, criaram uma ordem liberal com base em instituições multilaterais, regras compartilhadas e contenção do próprio poder, assegurando previsibilidade e estabilidade. A crise da ordem não decorre de sua falência interna, mas de seu sucesso incompleto e da ascensão de potências revisionistas.

2. Robert Keohane & Joseph Nye

Instituições: Princeton e Harvard
Perspectiva: Neoliberalismo institucional

  • Obra principal:

    • Power and Interdependence (1977, com atualizações posteriores)

  • Tese central:
    As relações internacionais são marcadas por interdependência complexa, onde o poder se exerce por meio de instituições, normas e regimes multilaterais. O sistema liberal se sustenta não apenas pela força, mas pela cooperação institucionalizada.

3. Francis Fukuyama

Instituição: Stanford University
Perspectiva: Liberal teleológico

  • Obras principais:

    • The End of History and the Last Man (1992)

    • Political Order and Political Decay (2014)

  • Tese central:
    Com o fim da Guerra Fria, a democracia liberal emergiria como ponto culminante da evolução política. Contudo, posteriormente, Fukuyama revisou seu otimismo diante das crises institucionais do Ocidente e da ascensão do autoritarismo.

4. John Mearsheimer

Instituição: University of Chicago
Perspectiva: Realismo ofensivo (crítico da ordem liberal)

  • Obras principais:

    • The Tragedy of Great Power Politics (2001)

    • The Great Delusion: Liberal Dreams and International Realities (2018)

  • Tese central:
    Mearsheimer argumenta que a tentativa de universalizar o liberalismo por meio da hegemonia americana foi um erro estratégico. As potências atuam conforme interesses de sobrevivência e poder, e o liberalismo falha ao ignorar essa realidade.

5. Anne-Marie Slaughter

Instituição: Princeton / New America
Perspectiva: Liberalismo global em rede

  • Obras principais:

    • A New World Order (2004)

    • The Chessboard and the Web: Strategies of Connection in a Networked World (2017)

  • Tese central:
    A nova ordem liberal se estrutura menos por Estados e mais por redes transgovernamentais e cooperação entre atores subnacionais. A interdependência jurídica e regulatória é parte essencial da governança global liberal.

6. Samuel Huntington

Instituição: Harvard University
Perspectiva: Conservador realista / cético da universalização liberal

  • Obras principais:

    • The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (1996)

  • Tese central:
    Huntington critica a ideia de que os valores liberais possam ser universalizados. A ordem internacional está fadada ao choque entre civilizações com visões inconciliáveis sobre política, religião e sociedade.

7. Christian Kreuder-Sonnen & Berthold Rittberger

Instituições: Universidade de Munique
Perspectiva: Crítica institucionalista liberal

  • Obra central:

    • Emergency Powers of International Organizations (2019)

  • Tese central:
    As instituições da ordem liberal passaram a exercer poderes emergenciais que extrapolam seus mandatos fundadores, revelando um autoritarismo liberal paradoxal que compromete sua legitimidade normativa.

8. Stacie E. Goddard & Ronald R. Krebs

Instituições: Wellesley College / University of Minnesota
Perspectiva: Constructivista crítica

  • Obra central:

    • Rhetoric and Grand Strategy: The Liberal Order after the Cold War (Foreign Affairs, 2024)

  • Tese central:
    A ordem liberal não se sustenta apenas com instituições, mas com legitimidade retórica. O colapso da narrativa liberal sobre progresso e cooperação global minou a ordem tanto quanto a ascensão de rivais autocráticos.

9. Fareed Zakaria

Instituição: Columbia / The Washington Post
Perspectiva: Liberal crítico

  • Obras principais:

    • The Post-American World (2008)

    • Illiberal Democracy at Home and Abroad (Foreign Affairs, 1997)

  • Tese central:
    O liberalismo político está em declínio dentro das próprias democracias ocidentais, minando a credibilidade externa da ordem liberal e abrindo espaço para regimes “democráticos” autoritários.

10. Stephen M. Walt

Instituição: Harvard University
Perspectiva: Realismo ofensivo, crítico das aventuras liberais

  • Obras principais:

    • The Hell of Good Intentions: America’s Foreign Policy Elite and the Decline of U.S. Primacy (2018)

  • Tese central:
    As intervenções internacionais para promover a ordem liberal fracassaram, alimentando ressentimento e instabilidade. A ordem liberal não colapsou apenas por desafios externos, mas por arrogância interna.

Quadro-Resumo dos Autores e Teses

Autor Escola/Abordagem Obra principal (ano) Tese essencial
G. John Ikenberry Liberal institucionalista Liberal Leviathan (2011) Ordem baseada em regras e contenção do poder
Keohane & Nye Neoliberalismo Power and Interdependence (1977) Cooperação multilateral mesmo sob anarquia
Francis Fukuyama Liberal teleológico The End of History (1992) Democracia liberal como destino final
John Mearsheimer Realismo ofensivo The Great Delusion (2018) Ordem liberal é ilusão perigosa
Anne-Marie Slaughter Liberalismo em rede A New World Order (2004) Redes transgovernamentais e soft power
Samuel Huntington Realismo civilizacional The Clash of Civilizations (1996) Ordem liberal será confrontada por civilizações rivais
Kreuder-Sonnen & Rittberger Crítica institucional Emergency Powers… (2019) Abuso de poder sob aparência de legalidade
Goddard & Krebs Constructivismo retórico Foreign Affairs (2024) Legitimidade discursiva da ordem liberal está em crise
Fareed Zakaria Liberal crítico The Post-American World (2008) Crise interna do liberalismo enfraquece a ordem
Stephen Walt Realismo crítico The Hell of Good Intentions (2018) Falência da política externa liberal dos EUA

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