Nesta quarta-feira (03/09/2025), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, afastar por 180 dias o governador de Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), e a primeira-dama Karynne Sotero Campos, no âmbito da Operação Fames-19, que apura o desvio de R$ 73 milhões em contratos de cestas básicas e frangos congelados firmados durante a pandemia de Covid-19. A medida foi acompanhada de mandados de busca e apreensão contra 29 investigados, incluindo empresários e agentes públicos, além de ações nos gabinetes de dez deputados estaduais, entre eles membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa.
As investigações apontam uso de empresários próximos e assessores especiais em um esquema de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e direcionamento de licitações, com recursos ocultados em empreendimentos de luxo, como a Pousada Pedra Canga, e na compra de gado e custeio de despesas pessoais. Também é alvo o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), investigado por fatos ocorridos quando ainda era deputado estadual. Barbosa, em nota, classificou a decisão como “precipitada”, afirmou que não era ordenador de despesas à época dos contratos, ressaltou ter determinado auditoria interna sobre os convênios e prometeu recorrer para retomar o cargo e garantir a estabilidade do Estado.
Afastamento e decisão do STJ
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou por unanimidade, nesta quarta-feira (03/09/2025), o afastamento do governador de Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), pelo prazo de 180 dias. A decisão partiu de medida cautelar do relator, ministro Mauro Campbell Marques, que também determinou o afastamento da primeira-dama Karynne Sotero Campos, secretária extraordinária de Participações Sociais.
Segundo o relator, havia indícios claros de que Barbosa teria transformado o governo estadual em um “balcão de negócios”, articulando contratos públicos para obtenção de vantagens indevidas. A decisão judicial incluiu buscas e apreensões contra 29 investigados, com a determinação de recolhimento de dinheiro, carros, aeronaves e embarcações para garantir eventual ressarcimento ao erário.
Esquema de desvios durante a pandemia
A investigação conduzida pela Polícia Federal aponta que, entre 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, foram desembolsados R$ 97 milhões em contratos de fornecimento de cestas básicas e frangos congelados, com prejuízo estimado em R$ 73 milhões. Os recursos teriam sido usados para construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e despesas pessoais do governador.
O ministro Mauro Campbell destacou que a organização criminosa optou por contratos de alimentos por serem mais difíceis de fiscalizar. Diferentemente de obras públicas, cuja execução pode ser conferida, os itens perecíveis desaparecem após a entrega formal, dificultando a aferição sobre a destinação correta. Essa escolha, segundo o ministro, foi estratégica para reduzir riscos de descoberta.
Provas reunidas pela investigação
Entre as provas coletadas estão comprovantes de pagamentos e depósitos, mensagens interceptadas, depoimentos de envolvidos e arquivos extraídos de celulares. Agentes federais encontraram valores em espécie na residência do governador — US$ 1,1 mil e R$ 35,5 mil — e em seu gabinete, onde havia R$ 32,2 mil. O inquérito também identificou que Barbosa teria recebido R$ 550 mil em espécie como propina em contratos de fornecimento de proteína animal.
Um dos principais alvos da apuração é a Pousada Pedra Canga, empreendimento de luxo colocado em nome dos filhos do governador, que já soma R$ 6,3 milhões em investimentos. Para o STJ, trata-se de um caso típico de lavagem de capitais por dissimulação, uma vez que os recursos desviados teriam sido ocultados na obra.
Operação Fames-19: segunda fase
O afastamento foi decretado no mesmo dia em que a PF deflagrou a segunda fase da Operação Fames-19, que mobilizou mais de 200 policiais federais em Tocantins, no Distrito Federal, Maranhão e Paraíba. Foram cumpridos 51 mandados de busca e apreensão, inclusive nos gabinetes de dez deputados estaduais.
Entre os alvos estão o presidente da Assembleia Legislativa, Amélio Cayres (Republicanos), e integrantes da Mesa Diretora: Léo Barbosa (Republicanos), Cleiton Cardoso (Republicanos) e Vilmar de Oliveira (Solidariedade). Também tiveram gabinetes vistoriados os deputados Claudia Lelis (PV), Ivory de Lira (PCdoB), Jorge Frederico (Republicanos), Nilton Franco (Republicanos), Olyntho Neto (Republicanos) e Valdemar Júnior (Republicanos).
A Assembleia Legislativa informou que colaborou integralmente com a operação, disponibilizando documentos e equipamentos solicitados. Contudo, destacou que a Procuradoria da Casa não teve acesso aos autos, uma vez que o inquérito tramita em sigilo no STJ.
Envolvimento de Ricardo Ayres
O relator também esclareceu a situação do deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), alvo de mandado de busca e apreensão. As condutas atribuídas a ele ocorreram quando ainda era deputado estadual, durante a pandemia, antes de assumir mandato na Câmara dos Deputados em 2023.
Com base em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (HC 232.627 e Inq 4.787), o foro privilegiado pode ser mantido após o término do mandato se os crimes investigados tiverem relação direta com a função exercida. Por isso, o caso continua sob competência do STJ.
Defesa do governador afastado
Em resposta à decisão, Wanderlei Barbosa divulgou nota classificando a medida como “precipitada”. O governador afirmou que não era responsável pelos contratos na época, já que atuava como vice de Mauro Carlesse, seu antecessor afastado em 2021 também por suspeita de propina.
Barbosa ressaltou que determinou a abertura de auditoria pela Procuradoria-Geral do Estado e pela Controladoria-Geral do Estado sobre os contratos investigados, cujos relatórios foram encaminhados às autoridades. Ele afirmou que recorrerá judicialmente para reassumir o cargo e garantir a estabilidade do estado.
Reincidência de crises políticas em Tocantins
O caso ocorre menos de quatro anos após o afastamento de Mauro Carlesse, que renunciou em 2022 após denúncias de corrupção. A sucessão de crises reforça a percepção de instabilidade institucional no Tocantins e de fragilidade nos mecanismos de controle. Programas sociais de caráter emergencial, como a distribuição de alimentos durante a pandemia, tornaram-se vulneráveis a práticas de corrupção, revelando um grave impacto para a população mais carente.
Repetição de padrões de corrupção
A decisão do STJ não se limita a uma medida cautelar contra um governador. Ela revela uma repetição de padrões de corrupção na política tocantinense e reforça a necessidade de ampliar os instrumentos de fiscalização sobre contratos públicos em situações emergenciais. O fato de o esquema ter se concentrado em cestas básicas — um símbolo da assistência a famílias em vulnerabilidade — amplia a gravidade ética e política do caso.
Além disso, o envolvimento de deputados estaduais, familiares e assessores sugere que se trata de uma rede estruturada de desvio de recursos, o que demanda investigação profunda sobre as conexões entre o Executivo, o Legislativo e o setor empresarial. A manutenção da competência do STJ para julgar o caso, mesmo em relação a parlamentares, é um marco jurídico relevante e reforça o debate sobre os limites do foro privilegiado.
Linha do Tempo dos Fatos – Caso Tocantins
2020–2021
- Durante a pandemia da Covid-19, o governo do Tocantins contrata mais de R$ 97 milhões em compras emergenciais de cestas básicas e frango congelado.
- Investigações posteriores apontam desvio de mais de R$ 73 milhões.
- Parte dos valores teria sido ocultada por meio de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais.
Outubro de 2021
- O então governador Mauro Carlesse é afastado do cargo por decisão do STJ, acusado em outro esquema de propinas.
- Wanderlei Barbosa assume o governo como sucessor.
Março de 2022
- Mauro Carlesse renuncia ao mandato após afastamento judicial.
21 de agosto de 2024
- A Polícia Federal deflagra a 1ª fase da Operação Fames-19, com mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Wanderlei Barbosa e outros investigados.
- Objetivo: apurar fraudes em contratos de cestas básicas durante a pandemia.
Março de 2025
- O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirma entendimento de que o foro privilegiado se mantém mesmo após o término do mandato, desde que os crimes tenham relação com o cargo exercido.
- Essa decisão impacta o caso do deputado federal Ricardo Ayres, investigado por condutas enquanto era deputado estadual.
03 de setembro de 2025
- 2ª fase da Operação Fames-19 é deflagrada.
- Mais de 200 policiais federais cumprem 51 mandados de busca e apreensão em Palmas, Araguaína, Imperatriz (MA), João Pessoa (PB) e Brasília.
- Gabinetes de 10 deputados estaduais são alvo de busca, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa, Amélio Cayres, e membros da Mesa Diretora.
- A Corte Especial do STJ confirma, por unanimidade, o afastamento de Wanderlei Barbosa por 180 dias.
- Também é afastada a primeira-dama Karynne Sotero Campos.
Após a decisão (setembro de 2025)
- O governador afastado nega irregularidades, reafirma que era apenas vice no período dos contratos e não ordenador de despesas.
- Afirma ter determinado auditoria interna e promete recorrer para retomar o cargo.
Principais dados da investigação federal
Decisão Judicial
- Órgão: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte Especial
- Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
- Data: 03/09/2025
- Medida: Afastamento do governador Wanderlei Barbosa por 180 dias
- Também afastada: Primeira-dama Karynne Sotero Campos (secretária extraordinária de Participações Sociais)
Investigados e Envolvidos
- Governador Wanderlei Barbosa (Republicanos-TO)
- Primeira-dama Karynne Sotero Campos
- Empresários próximos ao governador
- Assessores especiais
- Deputados estaduais (10 alvos de mandados, incluindo Amélio Cayres, Léo Barbosa, Cleiton Cardoso, Vilmar de Oliveira, Claudia Lelis, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Nilton Franco, Olyntho Neto e Valdemar Júnior)
- Deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), investigado por condutas no período em que era deputado estadual
Crimes Investigados
- Frustração ao caráter competitivo de licitação
- Peculato
- Corrupção passiva
- Formação de organização criminosa
- Lavagem de capitais
Valores e Contratos
- Contratos: mais de R$ 97 milhões para cestas básicas e frango congelado
- Prejuízo estimado: mais de R$ 73 milhões aos cofres públicos
- Propina recebida por Barbosa: pelo menos R$ 550 mil em espécie
- Dinheiro apreendido: US$ 1,1 mil + R$ 35,5 mil na residência e R$ 32,2 mil no gabinete
Esquema de Ocultação
- Construção da Pousada Pedra Canga (investimento estimado em R$ 6,3 milhões) em nome dos filhos de Barbosa
- Aquisição de gado e empreendimentos agropecuários
- Pagamento de despesas pessoais
Operação Policial
- Nome: Operação Fames-19
- Fases:
- 1ª fase: 21/08/2024
- 2ª fase: 03/09/2025
- Mandados: 51 de busca e apreensão (incluindo gabinetes da Assembleia Legislativa)
- Efetivo: mais de 200 policiais federais
- Locais: Palmas, Araguaína (TO), Imperatriz (MA), João Pessoa (PB), Distrito Federal
Argumentos de Defesa
- Barbosa alega que, no período dos contratos (2020–2021), era vice-governador e não ordenador de despesas
- Diz ter determinado auditoria interna sobre os contratos
- Classifica a decisão do STJ como “precipitada” e promete recorrer
*PBAC nº 79 / DF (2024/0431760-3) autuado em 12/11/2024 e Caut Inom Crim 139 do STJ.
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




