A judicialização da saúde tem provocado um aumento expressivo nos gastos públicos. Até agosto de 2025, o governo federal destinou mais de R$ 1,84 bilhão para a compra dos dez medicamentos mais caros adquiridos por ordem judicial, todos decorrentes de ações individuais. O montante não inclui despesas geradas por processos coletivos, que ampliam a pressão sobre o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O tema foi debatido na terça-feira (02/12/2025) em audiência pública realizada pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, com participação de especialistas que defendem o uso de critérios técnicos e medicina baseada em evidências para orientar decisões judiciais e preservar a sustentabilidade financeira do sistema.
A responsável pela área de judicialização no Ministério da Saúde, Tarciana Barreto, informou que quase 20% do total foi destinado ao medicamento Elevedys, terapia genética para distrofia muscular de Duchenne, cuja eficácia ainda não é considerada suficientemente comprovada. Segundo ela, relatos de óbitos relacionados ao uso do fármaco no exterior impulsionaram o alerta sanitário. Barreto afirmou que, se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tivesse suspendido sua utilização, 216 pareceres executórios poderiam resultar em despesa superior a R$ 2 bilhões.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), autora do requerimento da audiência, destacou que o crescimento da judicialização também se reflete na saúde suplementar. Em 2023, ações contra planos de saúde superaram 234 mil processos, aumento de 60% em relação a 2020, resultando em gasto estimado de R$ 5,5 bilhões. De acordo com a parlamentar, decisões judiciais devem se fundamentar em provas científicas, diretrizes transparentes e protocolos clínicos atualizados, de modo a evitar distorções e garantir segurança aos pacientes.
Pressão orçamentária e impacto sobre programas públicos
Dados do Ministério da Saúde apresentados no debate mostram proporções preocupantes. Os gastos com decisões judiciais representam quase um terço do orçamento anual do Mais Médicos (R$ 6,4 bilhões); quase metade do programa Brasil Sorridente (R$ 4,2 bilhões); um quinto do Programa Nacional de Imunizações (R$ 8,6 bilhões); e equivalem ao orçamento anual do Samu. A pasta recordou que, até 2024, decisões eram baseadas exclusivamente em relatórios médicos e envolviam tecnologias ainda não incorporadas ao SUS.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar os temas 6 e 1.234, definiu que a concessão judicial de medicamentos fora da lista oficial deve ocorrer apenas em caráter excepcional, dando origem às súmulas vinculantes 60 e 61. A medida busca equilibrar o direito individual ao tratamento com a prioridade coletiva do financiamento público.
Nos últimos cinco anos, 70% de todo o gasto federal com judicialização concentrou-se nos dez medicamentos de maior custo. A procuradora nacional da União de Políticas Públicas da Advocacia-Geral da União (AGU), Cristiane Souza Fernandes Curto, observou que sete em cada dez brasileiros dependem exclusivamente do SUS, o que reforça a necessidade de racionalização das políticas de aquisição e incorporação de tecnologias.
Demandas individuais x saúde pública
A coordenadora de Saúde da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Priscila Louly, afirmou que o uso distorcido das vias judiciais pode comprometer a equidade do sistema. De acordo com a AGU, R$ 2,7 bilhões foram destinados, em 2024, ao atendimento de decisões que beneficiaram apenas 6 mil pacientes, volume equivalente ao orçamento do Farmácia Popular.
A cardiologista Ludhmilla Hajjar ponderou que a judicialização não deve ser interpretada como disputa entre cidadãos e o Estado, mas como consequência de falhas no acesso a tratamentos. Para ela, o Judiciário se tornou o último recurso para pacientes que não conseguem assistência, situação que exige reforço do planejamento público e adoção sistemática de protocolos baseados em evidências científicas.
A diretora de Acesso ao Mercado da Interfarma, Helaine Capucho, destacou que sete das dez moléculas mais demandadas na Justiça já estão incorporadas ao SUS, mas ainda enfrentam demora regulatória. Em muitos casos existem genéricos disponíveis, porém o processo regulatório pode levar até quatro anos, enquanto a publicação de protocolos clínicos pode ultrapassar 16 meses, seguida de mais de dois anos até a primeira compra governamental.
Expansão da judicialização e
A expansão da judicialização expõe uma dicotomia recorrente no sistema de saúde brasileiro: o direito individual à vida frente à limitação orçamentária do Estado. A ausência de critérios padronizados e a morosidade na incorporação de medicamentos favorecem ações judiciais como porta alternativa de acesso, deslocando recursos de programas estruturantes para demandas pontuais.
Embora decisões do STF tenham estabelecido parâmetros mais rigorosos, os dados revelam que o gasto concentrado em poucos tratamentos de alto custo pressiona o equilíbrio financeiro do SUS. O debate em torno do Elevedys e de terapias genéticas sinaliza um cenário emergente, no qual inovações disruptivas chegam ao mercado antes de conclusões científicas definitivas, impondo novos desafios regulatórios.
A adoção de diretrizes transparentes, avaliação técnica contínua e protocolos clínicos atualizados pode reduzir litígios e fortalecer a gestão pública. A médio e longo prazo, a sustentabilidade do sistema dependerá da capacidade de conciliar inovação terapêutica com responsabilidade fiscal.
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