Editorial: Luiz Fux, o ministro do STF e a aula de desinteligência nacional

Luiz Fux, ministro do STF, em palestra, profere festival de asneiras sobre economia e sociedade, promovendo aula de desinteligência nacional.
Luiz Fux, ministro do STF, em palestra, profere festival de asneiras sobre economia e sociedade, promovendo aula de desinteligência nacional.

Ao proferir palestra no dia 5 de julho de 2019 (sexta-feira) para a empresa XP Investimentos, com o tema “EXPERT XP 2019: o momento institucional brasileiro”, ocasião em que foram abordadas questões socioeconômicas do Brasil, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux expressou um festival de equívocos sobre economia e sociedade, proporcionando, assim, uma verdadeira aula de desinformação nacional.

A precariedade de pensamento evidenciada na fala de Luiz Fux, registrada em um trecho da palestra amplamente divulgado nas redes sociais, é alarmante. Considerando que ele ocupa o cargo de vice-presidente do STF, torna-se evidente o déficit intelectual que afeta parte significativa da estrutura de poder no Brasil.

Defesa da precarização

Em determinado momento de sua fala, ao tratar da possibilidade de terceirizar todo o setor de atendimento de chamadas (call center) para outras empresas, o ministro defendeu a “terceirização da terceirização” como uma estratégia salutar para o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. Em outras palavras, segundo Luiz Fux, essa é uma fórmula eficaz para fomentar o mercado de trabalho, ainda que às custas da precarização das relações laborais.

Para contrapor esse argumento, basta recorrer a inúmeros relatórios do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que demonstram os impactos negativos da terceirização na dinâmica da produção capitalista, gerando consequências profundamente prejudiciais à sociedade.

Uma análise preliminar – baseada no cruzamento de dados sobre empresas terceirizadoras, incidência de acidentes de trabalho e pesquisas de satisfação sobre serviços prestados – revela que a terceirização de determinados setores resulta na queda da qualidade dos serviços e no aumento do número de acidentes laborais. Isso, por sua vez, amplia os lucros das empresas à custa da sociedade, que sofre com serviços deficientes e ainda arca com os custos de tratamento de trabalhadores acidentados por meio do sistema público de seguridade social.

Defesa do ultraliberalismo extremista

Outro aspecto preocupante do discurso de Luiz Fux foi sua defesa da política ultraliberal do governo Bolsonaro. O ministro afirmou categoricamente que a geração de empregos e o crescimento econômico estariam garantidos com as reformas prometidas pelo então presidente Jair Bolsonaro, um líder de notória limitação intelectual.

Ao adotar essa postura, Luiz Fux compromete sua imparcialidade e se alinha ideologicamente ao radicalismo do governo Bolsonaro, que implementou uma política econômica baseada no desmonte do Estado, na promoção do desemprego estrutural, no esvaziamento da economia popular através de aumentos contínuos de preços controlados, na privatização de empresas estratégicas, no crescimento da dívida pública por meio da emissão de títulos para compensar a perda de arrecadação, na destruição ambiental decorrente da exploração desenfreada de reservas naturais e territórios indígenas, na liberação indiscriminada de agrotóxicos nocivos à saúde, na opressão das populações vulneráveis por meio da flexibilização do uso da força policial, na liberação de armamentos, na desvalorização da educação pública e na censura indireta à imprensa por meio de ataques retóricos e restrições orçamentárias.

Em síntese, Luiz Fux endossa a política econômica e a agenda ideológica do governo Bolsonaro, que se traduzem na ampliação da desigualdade, no empobrecimento da classe trabalhadora e na submissão do Estado-Nação aos interesses do grande capital. Trata-se de um governo marcado pela exaltação de figuras autoritárias, pela promoção da violência e pelo desmonte das políticas públicas fundamentais.

Diante desse contexto, surge um questionamento inevitável: o que motiva um juiz do STF a defender aspectos da economia política e da ideologia de um governo que sistematicamente degrada a vida em sociedade? A resposta pode ser encontrada na análise de seu discurso, no fato de ter sido contratado para palestrar por uma empresa cuja atividade principal envolve especulação financeira na Bolsa de Valores e na matéria da revista Carta Capital, publicada em 10 de julho, com o título “Filho de Luiz Fux advoga para financiadores de Flávio Bolsonaro”.

Defesa da violação do Estado Democrático de Direito

Outro ponto que causa perplexidade no discurso do ministro foi sua declaração de que “a Lava Jato vai continuar”. Ocorre que, além de combater a corrupção, a operação Lava Jato também promoveu graves violações ao Estado Democrático de Direito, afrontou o devido processo legal, ignorou a hierarquia jurídica, estabeleceu conluios entre juiz e procuradores e corrompeu parte do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal. Essas práticas resultaram na violação de direitos civis dos acusados e na usurpação do mandato popular conferido à presidente Dilma Rousseff.

O silêncio conivente de Luiz Fux diante dessas violações justifica, em parte, a frase “In Fux, We Trust” (Em Fux, nós acreditamos), proferida por um integrante do que parlamentares e juristas identificam como uma sofisticada organização criminosa que operou dentro do Estado para alcançar poder e enriquecimento ilícito por meio da Fundação Lava Jato e outros esquemas ainda sob investigação.

Diante do exemplo de mediocridade intelectual expresso por Luiz Fux, surge um questionamento inevitável: até que ponto uma figura pública pode expor tamanha superficialidade de pensamento?

Se depender das “pérolas” proferidas por Luiz Fux, não há limites.

Pensamento crítico

De forma oposta, a palestra proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski em 14 de junho, durante aula magna da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre “A ideia de democracia na atualidade”, foi um espetáculo de erudição, em que cada palavra refletiu conceitos sociopolíticos e jurídicos de alto nível.

Outro exemplo de postura correta foi observado nas palavras do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, ao palestrar no dia 8 de julho sobre “Diálogos para Construção da Sistematização das Normas Eleitorais”. Na ocasião, Fachin apresentou um mea culpa ao admitir que juízes e membros do MPF também cometem crimes e devem ser punidos, reconhecendo a negligência nas denúncias de violações legais envolvendo o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Já o ministro Gilmar Mendes, apesar de controverso, é reconhecido por sua sólida formação intelectual. Ao analisar as arbitrariedades da Lava Jato, proferiu frases contundentes como “não se combate crime cometendo crime” e “a força-tarefa da Lava Jato degenerou para uma espécie de partido político formado por servidores corruptos”.

“Papai não deixou”

Na palestra, Luiz Fux mencionou o conselho de seu pai para que ele não deixasse o Brasil. O contexto sugere que essa foi uma sábia orientação, pois, se tivesse ido para a Inglaterra, dificilmente conquistaria cargos de destaque com o limitado conhecimento socioeconômico que demonstra.

“In Fux, We Trust”

Por fim, é possível acreditar que Luiz Fux age como aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ex-ministro Sérgio Moro e de membros do MPF citados em suspeitas relações reveladas por reportagens do The Intercept Brasil, Folha de S.Paulo e Veja. Essa estrutura, em tese, atua como uma organização sofisticada para manipular processos judiciais e preservar o poder de seus integrantes.

Por outro lado, não há como confiar (don’t trust) nas declarações de Luiz Fux sobre sociedade, economia, política e poder – simplesmente por sua evidente falta de conhecimento e competência.

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John Rawls: O filósofo da Justiça

*Carlos Augusto, jornalista, mestre em Ciências Sociais e aluno especial do Doutorado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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