O protagonismo do STF nas mutações constitucionais | Por Luiz Holanda

Edifício-sede do STF.
Edifício-sede do STF.

O fenômeno da mutação constitucional pode ser entendido como a atribuição de uma nova interpretação a uma norma sem alteração do seu texto. Corresponde a um processo informal de mudança em é dado um novo sentido à norma, modificando-se apenas o entendimento que ela antes explicitava.

Considerada uma alteração informal da Constituição por não utilizar o Poder Legislativo através das emendas constitucionais, tem como justificativa a necessidade da Constituição de acompanhar as mudanças na sociedade. Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF), como seu “guardião” busca acomodar a atividade interpretativa da norma alterando o seu sentido sem imperfeição.

O fenômeno se insere no chamado controle de constitucionalidade, no qual o Brasil adota o sistema misto, em que o STF é o responsável exclusivo pelo controle abstrato, podendo os demais órgãos judiciais realizar o controle de forma concreta. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, apesar da sistematização constitucional por um controle abstrato e concreto de normas realizado através das vias concentrada e difusa, o que se vê é o lançamento (doutrinário e jurisprudencial), das bases para o “controle difuso abstrativizado” da Constituição, onde as decisões emanadas do plenário da corte – em demandas de natureza subjetiva-, teriam eficácia geral e não restrita da lide.

Ponderando a aplicabilidade do art. 52, X da CF, que prevê que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, o ministro Gilmar Mendes entendeu que o instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado estaria superado,  uma vez que, sendo o STF o guardião da Constituição, teria ocorrido uma mutação constitucional no referido dispositivo, de modo que o Senado seria apenas comunicado das decisões para que publique  no Diário do Congresso o ato vinculado, pois as decisões do Supremo têm caráter erga omnes.

Sendo a Constituição o modo de ser do Estado, deve refletir a realidade social de seu povo, não podendo ser estática, permitindo a adequação do seu texto à situação fático social, pois a sociedade está em constante evolução. Neste ponto é que se nota a importância da mutação constitucional como instrumento de inter´retação da norma, possibilitando o equilíbrio entre estabilidade da Constituição e o dinamismo da sociedade, sem necessitar de passar por um processo legislativo burocrático e demorado.

Quanto aos limites de sua aplicação, verificou-se não haver pacificação na doutrina. Tampouco o STF possui entendimento consolidado sobre o tema, o qual tem sido objeto de grandes debates e profundas divergências entre os ministros da corte, como, por exemplo, na Reclamação 4.395/AC.

Essa divergência advém da ausência de previsão legal ou de um estudo estruturado que delimite a mutação constitucional, o que torna sua análise subjetiva. A dificuldade em se estabelecer tais limites decorre da multiplicidade de causas que po0deriam dar ensejo à mutação, pois derivam da evolução da sociedade e dos fatos sócias, impossíveis de serem previstos de forma objetiva e esquematizada.

A mutação constitucional exige inovações politicas aptas à criação de uma norma em sentido substancial, vez que depende da superveniência de uma série de elementos que não se perfazem comumente. Como o fenômeno está bastante banalizado, haja vista sua instrumentalização retórica e estratégica para justificar decisões que, muitas vezes, extrapolam os limites da discricionariedade judicial, o que se vê é uma espécie de práticas ativistas na maioria dos casos que configuram primícias de mutação, e nas quais a corte assume atribuições próprias do Poder Constituinte, atuando com o protagonismo que o caracteriza nesse e em outros setores.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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